A pandemia do novo coronavírus (covid-19) impôs ao Brasil um cenário adverso, praticamente emendando uma crise à outra. A conjuntura econômica levou o País a seguir o exemplo do mundo e tirar da cartola uma política monetária e fiscal expansionistas. Agora, especialistas apontam que a expectativa de alta da inflação deve pesar ainda mais sobre a percepção de risco do Brasil e forçar o Banco Central (BC) iniciar rapidamente um novo ciclo de altas da taxa básica de juros (Selic).
Existe uma razão para os investidores darem a devida importância à inflação. Para ter uma ideia, em sua obra O Investidor Inteligente, Benjamin Graham, mentor de Warren Buffett, expõe a armadilha da “ilusão monetária“.
No livro, o autor explica que um assalariado provavelmente se sentiria melhor se ganhasse um aumento de 2% em um ano em que a inflação é 4% do que se recebesse um corte de 2% em um ano em que a inflação é zero. Na conta final, ele estaria na mesma situação de redução do poder de compra.
Por isso, por ser invisível, a inflação deveria ser tratada como um dos maiores inimigos dos investidores.
Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do Brasil, fechou o ano passado com alta de 4,52%.
Um aumento muito menor do que o do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), cuja alta acumulada no ano passado chegou a 23,14%. A maior variação anual desde 2002.
De acordo com a professora de Macroeconomia do Insper, Juliana Inhasz, “a inflação hoje é gerada mais por uma conjuntura que por um aumento na demanda“.
O salto nos preços no mercado brasileiro advém especialmente do aumento na taxa de câmbio com o dólar e pela redução da oferta internacional de commodities.
Segundo a economista, isso permitiu que o Brasil ganhasse competitividade em nível internacional – principalmente no que tange a seus principais produtos exportados, como soja, carnes, petróleo, etc…. – defasando os preços no âmbito doméstico.
Expansão da dívida
Para combater a pandemia de covid-19, o governo brasileiro decidiu acompanhar o movimento de outros governo e anunciou medidas extraordinárias para suportar a retomada econômica.
O aumento dos gastos para fazer frente à pandemia, por exemplo medidas como o auxílio emergencial, levou à uma expansão da dívida pública brasileira.
Dados divulgados nesta sexta-feira (26), mostram que a Dívida Bruta do Governo Geral fechou janeiro aos R$ 6,670 trilhões. Um valor que representa 89,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
Esse é o maior patamar já registrado na série histórica, iniciada em dezembro de 2006.
No melhor momento da série, em dezembro de 2013, a dívida bruta chegou a 51,5% do PIB.
“Hoje o Brasil é visto como País de alto risco por causa do abismo fiscal”, ponderou Celso Vegro, pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA), “a percepção de risco está muito mais aguda em relação ao passado”.
A Dívida Bruta do Governo Geral é uma das referências para avaliação da capacidade de solvência do País. Na prática, quanto maior a dívida, maior o risco de calote por parte do Brasil.
“Estamos nos endividando tanto quanto países ricos”, mas “países ricos não dão calote”, observa Mauro Rochlin, professor da FGV, “Esse quadro gera temores, reforça a aversão ao risco.”
‘Estrangulamento’
O impacto desse cenário, aliado a uma inflação crescente e a uma taxa básica de juros (Selic) na mínima histórica de 2,00% ao ano, é um encurtamento dos prazos dos títulos públicos, afirmou Rochlin.
O que acontece é uma corrida em direção a notas públicas de curto prazo. “Os títulos públicos de curto prazo tem um montante maior do que os de longo prazo”, explicou Celso Vegro. O efeito disso é chamado de “estrangulamento” da dívida.
Em tese, um cenário ideal para o Brasil seria composto por papéis com taxas baixas (como a que temos hoje) e prazos longos. Mas não é isso que vemos.
O problema surge a partir das perspectivas para o final do ano. De acordo com o último Boletim Focus, as projeções para o IPCA em 2021 passaram de 3,62% para 3,82%, enquanto as para a taxa Selic subiram de 3,75% para 4,00%.
Por que então comprar um título de longo prazo, com rentabilidade reduzida, se as taxas devem subir em breve?
Segundo Juliana Inhasz, quem terá de arcar com esse custo será o Tesouro. Para a professora do Insper, o Brasil não está correndo o risco de default. A rolagem da dívida, contudo, pode gerar ainda mais custos para o governo.
Entretanto, o mercado ainda está preocupado com a possibilidade que o Brasil não pague as suas dívidas, force um alongamento dos prazos unilateralmente ou reduza os valores de juros ou do próprio montante devido. Todos esses três casos são considerados tecnicamente como “default”. Ou, em bom português, calote.
Ciclo de alta dos juros é iminente
Questionados pelo SUNO Notícias, os especialistas concordaram, em linha com as expectativas do mercado, que não deve levar muito tempo para o Comitê de Políticas Monetárias (Copom) elevar a Selic frente à pressão inflacionária.
Juliana Inhasz e Mauro Rochlin estimam para o final do ano uma Selic por volta de 3,00 a 3,25% e cerca de 5%, respectivamente. Ambos esperam um IPCA se aproximando de 5% ao final de 2021. Vegro diverge e acredita que a inflação “pode surpreender para baixo”. Sua expectativa para a taxa básica de juros é de 3,00% a 3,5% em dezembro.
(Com informações do Estadão Conteúdo)