Batendo os dois dígitos neste ano com preços excessivamente altos, a inflação foi um dos grandes drivers dos mercados e gerou tensões no ano que termina em pouco mais de sessenta dias. Com um impacto direto na cadeia de produção, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deixou praticamente tudo mais caro – e deve arrefecer e cair somente a partir da metade no ano que vem.
Com base nesta expectativa, as principais corretoras, casas de análise e bancos projetam uma Selic – o principal instrumento para lidar com a inflação – próxima de 8% no fim de 2021.
Apesar disso, as projeções tiveram mudanças drásticas ainda na última semana devido à escalada do risco fiscal e à possibilidade de o Governo Federal furar o teto de gastos.
Para a próxima reunião do Copom, que começa hoje, o UBS vê o aumento em 150 pontos base e projeta que a taxa Selic deva encerrar 2021 a 9,25% ao ano (a.a), ante os 8,25% esperados antes.
Para o próximo ano, a estimativa é de 10,25% a.a. Por sua vez, o Credit Suisse agora estima que a Selic seja de 8,75% no final do ano e 10,5% no próximo ano.
Essa mudança nos juros, por óbvio, podem alterar o cenário de inflação.
Política fiscal acrescenta risco ao cenário
“Na semana passada, tivemos muitos ruídos políticos, boatos, saída de membros da equipe econômica, tudo isso traz volatilidade. A ideia de driblarmos o teto dos gastos, dar aquele “jeitinho” que nos é tradicional, acabou levando a bolsa à mínima do ano e o dólar acima de R$ 5,70. Em relação à inflação, ela está ocorrendo no mundo todo e não seria diferente por aqui”, analisa Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e professor do IBMEC-RJ.
Para o especialista, o risco fiscal é um dos principais drivers para a inflação para além da Selic e dos juros. ” Precisamos voltar à responsabilidade fiscal. Sem fiscal o que veremos é a taxa de juro estrutural subindo ainda mais e seremos penalizados com PIBs pífios, baixo investimento e inflação maior, com consequências ruins para a sociedade, especialmente os mais vulneráveis”, frisa.
Para a inflação, havia expectativas prévias de que os preços tivessem alguma redução ainda no segundo semestre deste ano, mas o impacto intenso na cadeia de produção rebateu a tese de que a inflação se trata de algo transitório e de curto prazo.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) foi a 1,14% em setembro, 0,25 ponto percentual acima da taxa de agosto (0,89%), o maior desde fevereiro de 2016 (1,42%). Hoje será divulgado o IPCA-15 atualizado.
Veja as perspectivas para 2022
Atualmente, o Safra prevê um IPCA em 8,8% ainda neste ano, tendo em vista a alta no preço internacional de combustíveis, movimento ilustrado pelo aumento da ordem de 30% em dois meses do barril de petróleo Brent, a referência global da commodity.
” O IPCA de 2021 ficará em torno de 8,5% e nosso número para 2022 é de 4,3%. Existem vetores para cima, como os choques de preços no petróleo, a própria crise hídrica, que deixa a bandeira tarifária mais puxada, porém o crescimento do PIB do ano que vem será menor, em torno de 1,5%”, projeta Alexandre, da Órama.
Atualmente ainda na casa dos 8%, dentro dos prognósticos, os especialistas veem uma queda para cerca de 4,2% no IPCA em 2022, refletindo um aumento da população totalmente vacinada e uma melhora do cenário de crise hídrica. O número, contudo, ainda fica bem acima da meta da casa de 3%, apesar de não cruzar o teto de 5%.
“Para 2022, o principal ano do horizonte da política monetária do BC, as expectativas do IPCA afastaram-se ainda mais do ponto médio da meta (de 3,5%), em 3bps para 4,17% ano a ano, com mediano em 5bps – ou seja, também para 4,17% ano a ano, em prognósticos de instituições que revisaram números nos últimos dias. Apesar disso, IPCA 2023 e 2024 agregam consenso permanece ancorado nas respectivas metas de IPCA de 3,25% e 3%”, frisam os analistas do BTG Pactual (BPAC11).
Apesar do avanço da vacinação do Brasil e de sinais de uma possível retomada econômica, a maioria dos analistas colocou o pé no freio com dados da agenda de indicadores do exterior. Tendo os números em vista, há uma maior cautela com o crescimento econômico brasileiro.
“Reduzimos nossa projeção do crescimento do PIB deste ano de 5,3% para 5,0%. Para 2022, continuamos projetando desaceleração para 0,5%. As quedas recentes da produção industrial e das vendas no varejo indicam que o setor de bens já começou a desacelerar”, frisam os analistas do Itaú (ITUB4).
No parecer, o banco projeta um IPCA em 8,7% neste ano (ante 8,4%) e 4,2% em 2022. “A inflação corrente apresenta alta disseminada e segue indicando repasse para itens mais inerciais, como serviços”, diz o documento.
Imbróglio fiscal do congresso deve alterar pressão da inflação
Com o litro da gasolina batendo R$ 7 em alguns pontos, itens como alimentos e energia elétrica são os grandes destaques da alta de preços. Nesse sentido, as commodities e a cadeia de suprimentos (supply chain) pressionam a maioria dos preços.
“Com a inflação elevada neste ano de 2021, você teve um choque de oferta, vindo pelos combustíveis, afetado pelos alimentos. Agora, ainda mais recentemente, tivemos alta na energia elétrica. Temos elevação dos preços das commodities no exterior, e condições climáticas desfavoráveis. Fecharemos o ano muito acima da meta da inflação.”, afirmou Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Renascença DTVM.
Além dos instrumentos tradicionais de mudança de juros como forma de remediar o IPCA – a taxa Selic – também é visto que, em grande parte, a façanha de fazer o custo da máquina caber dentro do orçamento deve mudar as pressões inflacionárias, fazendo com que o fiscal fiscal esteja presente na maioria dos prognósticos.
“O BC hoje tem uma visão relativamente otimista, de crescimento de 2,1% do PIB, mas diversos otimistas discordam disso, na casa de 1,5%. Se isso se concretizar significa menos pressão de demanda e menor necessidade de uma escalada contracionista dos juros. Porém é muito importante resolvermos o imbróglio fiscal“, acrescenta Goldenstein.
“Se houve uma resolução em bom termo, continuarmos respeitando o teto, teríamos redução do prêmio de risco e uma apreciação do câmbio. Porém o contrário também é verdadeiro. Se a opção do Congresso for pelo lado negativo, o real se depreciaria e geraríamos uma maior pressão inflacionária”, conclui.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Ana Paula Vescovi, do Santander (SANB11), frisa que a questão fiscal pode “tende a estressar bastante o cenário do ano que vem”.
“Agora, o que pode levar a um cenário mais complexo é ter uma discussão política no ano que vem com a percepção de um risco muito elevado de abandono do marco fiscal, especialmente da regra do teto de gastos, de abandono da preocupação com a responsabilidade fiscal. Ou o apontamento de uma consolidação fiscal ainda mais lenta nesse cenário de alto risco para a trajetória da dívida pública”, afirma.
Debanada do Ministério e problemas com o teto
Com a possibilidade de um furo do teto de gastos com o Auxílio Brasil, o risco fiscal aumentou drasticamente, o que indica um cenário de estresse ainda maior para 2022 – que já contará com eleições.
A debandada de secretários do Ministério da Economia na noite de quinta (21) adiciona ainda mais estresse no mercado financeiro e aumenta a sensação de fragilidade do cenário.
“O fato é que estão sendo buscadas alternativas para driblar o limite imposto pelo teto dos gastos. Se não foi via crédito extraordinário, eles trouxeram, sob a justificativa da pandemia, a revisão da regra que aconteceria em 2026 para 2021. São subterfúgios para mudar a regra fiscal, que é muito importante para uma economia emergente como o Brasil”, afirma Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimento.
Supply chain escala e penaliza o consumidor
Um dos exemplos claros de penalização do consumidor por conta do IPCA é o encarecimento de matérias primas após a desaceleração pós-pandemia. Nos Estados Unidos, o preço do PVC, material que é utilizado na fabricação de equipamentos médicos, cartões de crédito e tubos, já ultrapassou os 70% de alta desde o início da pandemia.
Ainda no setor petroquímico, o preço das resinas epóxi, que são usadas em tintas e revestimentos, beirou os 200% de alta, ao passo que o etileno, utilizado nas embalagens de alimentos, escalou 43% na mesma lacuna de tempo.
“A indústria de produtos químicos se recuperou das interrupções relacionadas ao clima no início do ano nos Estados Unidos, enquanto o fornecimento de petroquímico foi contido por paralisações relacionado ao furacão Ida. Questões da cadeia de suprimentos enfrentados por uma série de outras indústrias, particularmente a indústria de veículos automotores, também continuou a ser um obstáculo na produção geral de fábrica”, segundo a última ata do Federal Reserve (Fed), autoridade monetária americana.
Mercados e frigoríficos podem ‘surfar’ inflação
Além do benefício inerente de companhias que atuam na produção de alimentos, como a JBS (JBSS3), que já sobe 61% no ano de 2021, algumas corretoras destacam que o varejo pode ser um bom ás na mesa enquanto os preços escalonam.
“Encaramos a aceleração no segmento de Supermercados e Hipermercados de forma positiva visto que a inflação no subgrupo de Alimentação no Domicílio (+14,66%) variou significativamente acima do IPCA (10,25%) no acumulado de 12 meses, demonstrando a resiliência e a essencialidade deste segmento no varejo nacional mesmo com a elevação do consumo de alimentos fora de casa. O segmento de Transporte sofre ainda com o alto impactado dos preços, com 17,93% de IPCA nos últimos doze meses até setembro-21.”, dizem os analistas Henrique Tomaz e Georgia Jorge, do BB Investimentos.