Ibovespa: o índice brasileiro precisa ser reformulado?
Em março, o Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) amargou uma queda de 29,90%, o pior mês desde agosto de 1998. Em função da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o mercado acionário brasileiro sofre com uma forte volatilidade desde o início do ano.
Na última sexta-feira (26), no entanto, o Ibovespa fechou a 93.834,49 pontos, com uma alta de 47,6% em comparação a 23 de março, quando tombou até 63.569,62 pontos. A cotação do último fechamento ainda fica 21,5% abaixo do pico atingido em 23 de janeiro, 119.527,63 pontos.
Em comparação com o S&P 500, do pico atingido em janeiro até o ponto mais baixo em março, a queda foi de 33,9%, significativamente menor do que os 46,8% do Ibovespa. Além disso, o índice das maiores empresas dos EUA já está em 3.009,05 pontos, apenas 11% abaixo do ponto máximo do início do ano. O que faz, portanto, o Ibovespa ser tão volátil? O índice precisar ser reformulado?
O Brasil é um mercado emergente, com uma moeda desvalorizada frente ao dólar, além do histórico de tensões políticas. Por si só, isso faz com que o fluxo de investidores estrangeiros em ativos de risco seja muito mais variável do que em mercados desenvolvidos.
No entanto, a formulação da composição do Ibovespa e como ele é redistribuído também é questionada por profissionais do mercado. Reunimos opiniões de especialistas da SUNO Research acerca do assunto.
Como o Ibovespa é formulado e redistribuído
O maior índice acionário brasileiro, criado em 1968, é composto pelos papéis exclusivamente de ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Ativos de empresas em recuperação judicial, regime especial e administração temporária não estão incluídos, assim como BDRs.
Ele é o maior benchmark dos mercados de capitais brasileiros dos últimos 50 anos. A cada quatro meses, o Ibovespa é reformulado criando uma carteira teórica de ativos, com base nos seguintes critérios:
- Regularidade de ações em negociação (presença em 95% dos pregões do ano);
- Volume financeiro;
- Peso de cada ação no índice é definido pelo valor de mercado das empresas.
Atualmente, o índice possui 72 companhias e é concentrado majoritariamente em dois segmentos da economia brasileira: setor financeiro e commodities. Juntos, contabilizam 43,83% do Ibovespa. As maiores posições são:
Por sua atual regulamentação, nenhum ativo pode atingir mais de 20% de participação. Na década de 1990, no entanto, era diferente; as ações preferenciais da Telebrás (RCTB), estatal de telecomunicações, chegou a representar quase 50% de todo o índice — ou seja, quase metade do benchmark basilar da bolsa de valores brasileira estava exposta a somente um segmento da economia.
Disfunções e futuro do benchmark
Segundo o fundador e chairman da SUNO Research, Tiago Reis, o índice precisaria ser mais amplo e mais representativo.
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“O Ibovespa tem fraquezas. Ele é muito concentrado. E pior: é pró-cíclico. Quando as empresas de commodity estão em alta, elas ganham participação e vice-versa. Isso destrói valor: compra essas empresas na alta e vende na baixa”, disse o CEO e analista de investimentos.
O exemplo que Reis deu acerca da composição do Ibovespa refere-se aos critérios para a elaboração do mesmo. Sendo o valor de mercado e volume de negociações das empresas fatores preponderantes para a inclusão no índice, quando as commodities estão no ciclo de alta, as empresas que trabalham com tais produtos tendem a ter mais receita — melhorando seus balanços, as cotações acompanham o lucro, ou seja, também sobem.
No entanto, o inverso acontece quando as commodities estão em ciclo de baixa, fazendo com que as empresas tenham menor capitalização de mercado. Na prática, é como se o investidor, em sua carteira pessoal, adquirisse ativos na alta e vendesse na baixa.
Para o especialista em renda variável da SUNO Research, João Arthur Almeida, o problema não é o índice em si, já que, para ele, o Ibovespa representa, de fato, a economia real do País. “Como o índice procura replicar a economia brasileira, ele faz bem esse papel – isso está começando a mudar agora com bancos e commodities perdendo espaço”.
As instituições financeiras citadas por Almeida, que passam por um momento de disrupção, com as fintechs e mais agentes no mercado, também possuem outro “concorrente” comum: a taxa de juros básica da economia (Selic) em baixa, atualmente em 2,25%.
Ao passo que a taxa de juros cai, produtos financeiros oferecidos por bancos (que os confere uma alta rentabilidade), como CDBs, COEs e poupança passam a ser menos vantajosos para os consumidores, pois o ganho real mal ultrapassa a inflação.
Os investidores, portanto, passam a procurar ativos de maior risco, mesmo que com menor liquidez, para aumentar sua rentabilidade, como na bolsa de valores.
Além disso, os empréstimos dos bancos, core business do setor, são afetados pelo menor spread bancário devido à queda da taxa de juros. Dessa forma, a lucratividade das instituições financeiras recua, diminuindo o valor de mercado. Mesmo assim, o setor ainda concentra 20,58% do índice.
“O ponto negativo é ficar concentrado em dois setores [bancos e commodities], que talvez não seja o que o investidor queira”, disse o especialista. “Quais seriam algumas possíveis soluções para o Ibovespa, ou para algum outro índice? Talvez estabelecer um teto de participação por companhia, de 5% ou 6%, ou por setor, abrindo espaço para empresas menores”.
O especialista em renda variável da SUNO Research, Felipe Tadewald, compartilha desse pensamento, e diz que “a metodologia do Ibovespa é bastante questionável”. Segundo ele, tal arranjo “pode fazer com que o índice se torne concentrado em setores ou empresas específicas”.
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Tadewald salienta que empresas que compõem o atual índice não necessariamente são exemplos de governança e lucratividade. Para uma companhia entrar no S&P 500, por exemplo, deve ter apresentado resultados positivos por quatro trimestres seguidos, além de ter um valor de mercado de ao menos US$ 6,1 bilhões (atuais R$ 33,3 bilhões) — ou seja, o benchmark agrega empresas robustas com histórico de rentabilidade e criação de valor aos investidores.
O especialista, incluisve, relembrou da OGX, antiga empresa de Eike Batista, que “já teve uma participação relevante no Ibovespa, sem nunca ter dado um centavo real de lucro”. A companhia de petróleo e gás do ex-bilionário brasileiro chegou a ter o valor de mercado de R$ 75 bilhões, mas posteriormente as ações viraram pó.
“Na minha opinião, o Ibovespa deveria considerar alguns outros fatores para realizar sua composição, como a lucratividade, crescimento dos resultados, governança corporativa, até percentuais pré-definidos de participações setoriais” disse Tadewald.