Desde o último dia 1º de agosto até quinta-feira (17), o Ibovespa tem operado no campo negativo, na maior sequência de baixas do índice, na pior série desde o início de 1968. Nesta sexta (18), o índice fechou em alta. Parece um cenário otimista para compra de ações. Mas analistas afirmam que o movimento já era esperado e não deve alterar o cenário atual da Bolsa, que deve voltar a subir – especialistas não descartam a volta ao patamar dos 130 mil pontos ainda neste semestre.
Quanto ao quadro de sequências negativas no Ibovespa, só para se ter um comparativo, segundo a base de dados da B3, a maior marca histórica recente ultrapassou o registro de 12 desvalorizações seguidas em 1970. Informações mantidas por consultorias apontam ainda a pior sequência seguinte, de fevereiro de 1984, quanto a Bolsa caiu por 11 pregões e desvalorizou mais de 20%.
No mês de agosto, o índice acumula perda de 5,71%, limitando o avanço do ano a 4,78% – no fim de julho, estava em 11,13% para 2023, bem próximo dos 122 mil pontos.
Para Gabriel Mota, operador de renda variável da Manchester Investimentos, esse movimento sequencial de quedas não é novidade, uma vez que o mercado já esperava uma realização após fortes altas vistas nos últimos meses.
“Com certeza ninguém esperava a marca de 13 pregões negativos, mas, em termos de queda, tivemos uma realização de aproximadamente 6% frente a um movimento de alta iniciado em março de mais de 25%, o que acaba sendo normal e mostra que a bolsa continua forte”, destacou.
O cenário atual pode animar investidores no Ibovespa?
Para Mota, o cenário atual de queda do Ibovespa não deve animar muito os investidores, uma vez que os fundamentos para alocação de bolsa não mudaram. “É difícil capturar o tempo perfeito de entrar/sair da bolsa. O ideal é que o investidor tenha pilares bem fundamentados de alocação e horizonte de longo prazo. Com isso, vai passar por esses momentos com mais tranquilidade”, pontuou.
Neste contexto, vale ressaltar que a ideia do Ibovespa chegando a 130 mil pontos permanece como consenso de grande parte do mercado, com esses fundamentos de alocação inalterados continuando a reforçar esse patamar de preços para o índice, diz o analista.
Além disso, para ele, dados melhores no exterior, principalmente na China, mostrando reaquecimento da economia e da demanda global, podem fazer a bolsa voltar a operar no campo positivo. “Isso ajudaria empresas como Vale (VALE3), por exemplo, que é a maior posição do índice Bovespa”, acrescentou.
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Arcabouço fiscal vem aí?
No cenário político, o mercado espera os desdobramentos da tramitação do novo arcabouço fiscal na Câmara, que pode contribuir para movimentos mais firmes no câmbio.
Na noite da última terça-feira (15), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que a nova regra fiscal pode ser votada no plenário da Casa na próxima terça (22), se houver consenso sobre a emenda do Senado que autoriza a previsão de despesas condicionadas no Orçamento de 2024.
“Brasília tem mostrado boa vontade com as pautas mais sensíveis à economia nesse primeiro ano de governo Lula. É difícil cravar qualquer expectativa, mas pode acontecer sim”, pontuou Mota sobre a possibilidade do pleito ocorrer na semana que vem.
A proposta, que substituirá o teto de gastos, é uma das pautas prioritárias do Ministério da Fazenda e do Palácio do Planalto no Congresso, e inclusive já foi aprovada pelos deputados, mas passou por alterações no Senado e retornou à análise da Casa.
Vale lembrar que o novo arcabouço fiscal prevê que as despesas podem crescer acima da inflação, desde que respeitem um intervalo fixo de crescimento real entre 0,6% e 2,5%. Além disso, o crescimento dos gastos fica limitado a 70% do crescimento da arrecadação do governo.
“A pauta das reformas e âncoras fiscais sempre é bem vista em termos de fluxo para o câmbio e bolsa como um todo. A evolução no arcabouço pode ajudar a gente a ver um movimento parecido com o que vimos no seu anúncio, como queda do dólar frente ao real e fluxo de compra na bolsa”, acrescentou o operador da Manchester Investimentos.
Falando nisso, e o dólar?
O quadro de queda do Ibovespa também ajuda a contribuir para outro movimento de mercado, que é o afastamento dos investidores estrangeiros da bolsa brasileira. Com isso, a moeda americana – que nesta sexta-feira (18) chegou a ultrapassar o patamar dos R$ 5,00 – acaba sendo pressionada.
“Outro fator que está pressionando o dólar é a alta das treasuries, principalmente a de 10 anos, que atingiram o patamar de 4,30%, visto na crise de 2008. Isso criou um clima de aversão ao risco no mercado, derrubando as bolsas e fortalecendo o dólar”, pontuou Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital.
Segundo ele, a queda do diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos pode fazer com que o dólar feche o ano entre R$ 4,90 e R$ 5,00. Vale lembrar que de acordo com o último Boletim Focus, o mercado financeiro aumentou a previsão do dólar para 2023 de R$ 4,90 para R$ 4,93.
EUA e China seguem no radar dos investidores
Nas últimas semanas, notícias sobre a desaceleração da economia chinesa, além do rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela Fitch no início do mês, acabaram afastando os investidores do mercado de ações no mundo todo.
No caso da China em específico, o destaque negativo vai para o setor imobiliário, responsável por cerca de um quarto da atividade econômica e que passa por dificuldades.
“Isso acaba criando um clima de aversão a risco nos mercados em geral. Apesar disso, o governo chinês não está medindo esforços para ajudar o setor, anunciando pacotes de estímulos, reduzindo a taxa de juros e contribuindo para uma melhor liquidez nos mercados. Isso acaba ajudando a aliviar as tensões”, destacou Fernandes, da A7 Capital.
A Evergrande, por exemplo, gigante do setor no país, entrou com um pedido de proteção judicial na corte de falências de Manhattan, em Nova York, na quinta-feira (15).
Conhecida como “Chapter 15”, a solicitação é uma proteção contra falências, destinada a lidar com proteções judiciais de empresas internacionais, e faz jus às reestruturações da empresa, em Hong Kong e nas Ilhas Cayman.
“Em momento anteriores, a gente viu o governo chinês endereçando os níveis estaduais para que nenhum imóvel deixe de ser entregue. Acredito que vá acontecer algo bem semelhante agora em diante. Mas o mercado já está entendendo que a situação chinesa está pior do que o esperada”, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
“A vantagem é que a gente não viu grandes investimentos nem aqui no Brasil, nem na Austrália, que seria o nosso grande competidor. Não há um excesso de oferta dessas commodities para os próximos anos contratada”, acrescentou o analista.
Segundo ele, há muito tempo não se via uma desconfiança tão grande em relação aos indicadores econômicos da China quanto agora, reforçando uma atenção especial por parte dos investidores brasileiros para empresas de commodities metálicas, como Vale (VALE3) e Gerdau (GGBR4), por exemplo, que devem sofrer com demandas menores adiante e ainda pagam dividendos generosos.
É o caso também de elétricas como Taesa (TAEE11), Engie (EGIE3), Copel (CPLE6), CPFL (CPFE3) e Alupar (ALUP11), que caíram em agosto, mas acumulam ganhos consistentes no ano. Para quem busca uma estratégia de investimentos com foco em dividendos, as empresas do setor elétrico da B3 (B3SA3) podem ser uma boa alternativa.
Na hora de investir, muitos investidores querem saber quais setores pagam bons dividendos, e o setor elétrico é conhecido por se destacar pelos bons rendimentos.
Isso ocorre porque as empresas de energia têm contratos de longo prazo que asseguram a geração de receita. Por isso tendem a garantir bons retornos numa estratégia de dividendos.
Além de ter previsibilidade do fluxo de caixa, o setor elétrico é resiliente mesmo durante crises, já que a energia elétrica é um item de primeira necessidade.
Em relação à Bolsa de Valores, as companhias do setor de eletricidade compõem hoje boa parte dos principais índices acionários do Brasil. Apenas no índice Bovespa, a representação desses empresas corresponde a 5% do total.
Nesse sentido, a elevada demanda por energia e a mudança cada vez mais necessária na matriz energética do país fazem com que as companhias elétricas, de modo geral, ganhem em níveis de inovação e competitividade.
O reflexo é a expressiva geração de caixa das empresas e o fortalecimento dos lucros de seus acionistas.
Já nos Estados Unidos, a última Ata do Fed revelou que a inflação permaneceu elevada no país, a atividade econômica continuou se expandindo em ritmo moderado, e a taxa de desemprego seguiu baixa, o que ainda deve pesar na decisão de investimento.
Além disso, os dirigentes observaram que condições de crédito mais apertadas para as famílias provavelmente pesariam na atividade, nas contratações e no nível de preços – mas fizeram a ressalva de que a extensão desses efeitos ainda era incerta.
Mas, afinal, que outras empresas devem se beneficiar desse momento do Ibovespa?
Para Gabriel Mota, as empresas de crescimento (as chamadas small caps), como Tupy (TUPY3), Três Tentos (TTEN3) e JHSF (JHSF3), por exemplo, devem ser mais beneficiadas neste instante no Ibovespa mais por causa do cenário de queda de juros.
Vale lembrar que no início do mês, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, anunciou o primeiro corte da taxa Selic desde agosto de 2020. A taxa caiu de 13,75% ao ano para 13,25%. A decisão não foi unânime, mas chamou a atenção pela intensidade do ajuste, abrindo caminho para um maior afrouxamento monetário.
“Grande parte disso já está no preço, pois o mercado precifica antecipadamente, mas ainda devemos ver esse tipos de ações subindo com mais força do que as empresas mais sólidas”, finalizou o analista.