Embora tenha conseguido moderar significativamente o ajuste no fim da tarde, o Ibovespa se manteve em modo de correção pelo segundo dia, reagindo à apresentação da PEC da Transição, na noite anterior, com gasto extrateto acima do que vinha sendo precificado pelo mercado. Hoje, a referência da B3 fechou em baixa de 0,49%, a 109.702,78 pontos, entre mínima de 107.245,13, menor nível intradia desde 29 de setembro, e máxima de 110.241,80, quase idêntica à abertura, aos 110.240,66 pontos. O nível de fechamento desta quinta-feira também foi o menor desde 29 de setembro, então aos 107.664,35.
Na semana, as perdas do índice chegam agora a 2,27% e, no mês, a 5,46%, limitando a alta do ano a 4,66%. Ainda reforçado neste dia seguinte ao vencimento de opções sobre o índice, e véspera de vencimento de opções sobre ações, o giro financeiro foi a R$ 47,6 bilhões na sessão, com um número razoável de papéis da carteira Ibovespa reagindo para chegar ao fim do dia no campo positivo – em certo momento, no meio da tarde, apenas as ações do Bradesco (BBDC4) conseguiam se descolar da correção.
Considerando o fechamento da quarta-feira, 9, dia anterior à fala inicial do presidente eleito Lula (PT) contra a estabilidade fiscal, então aos 113.580,09 pontos, o Ibovespa acumula perda de quase 3,9 mil pontos – no pior momento da sessão de hoje, esse ajuste chegava a 6,3 mil pontos. Após o mergulho de 3,35% na quinta passada, sucedido por duas altas e duas baixas até aqui, está agora apenas 72 pontos abaixo do nível de ajuste inicial à fala de Lula – no pior momento da sessão de hoje, a diferença, para baixo, era de 2,5 mil pontos.
Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, comenta: “A Bolsa chegou a operar em forte queda em mais de 2%, o que assustou muitos investidores que ficaram incrédulos com a perspectiva de o governo estar tentando passar um ‘cheque especial em branco’ por meio da PEC de Transição, que pode chegar a um gasto excepcional acima do teto na ordem de mais de R$ 200 bilhões.”
Ele acrescenta: “Hoje foi realmente um dia para esquecer a B3. O que mais incomoda os investidores é que esse pode ser apenas o trailer do que está por vir.”
Lucas Xavier, analista técnico da Warren Investimentos, acrescenta: “Nosso índice está pessimista em novembro, com confuguração de baixa, vendedora. Vai perdendo suportes relevantes dos últimos meses.”
Ibovespa e a PEC da Transição
Este saldo negativo adicional, embora muito moderado ao longo da tarde após pressão que havia se imposto desde a manhã, é creditado ao desdobramento da noite de ontem, quando foi apresentada a PEC da Transição, trazendo rompimento do teto além do que vinha sendo precificado pelo mercado, o que se refletiu também no câmbio e na curva de juros nesta quinta-feira. Novas declarações de Lula, reiterando a dicotomia entre “responsabilidade fiscal” e “responsabilidade social”, contribuíram para manter o investidor na defensiva, após o benefício da dúvida que havia sido concedido logo após o resultado do segundo turno, em 30 de outubro.
No melhor momento deste período pós-eleitoral, o Ibovespa chegou aos 118.155,46 pontos, com máxima intradia naquela sessão a 120.039,37, no dia 4 de novembro. Considerando a máxima e a mínima intradia desse intervalo de pouco menos de duas semanas, a variação negativa chega a quase 12,8 mil pontos.
“O mercado ficou bastante estressado pela incerteza fiscal, após a apresentação da PEC da Transição. Ainda há falta de clareza em relação aos gastos públicos no ano que vem, o que é agravado pelas falas do presidente eleito Lula sobre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, como se fossem incompatíveis” observa Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird Investimentos. Ele destaca também o contexto externo ainda desafiador, com novas declarações de autoridades do Federal Reserve indicando a continuidade do ciclo de aperto nos juros na maior economia do mundo, além da inflação ao consumidor na zona do euro em máximas históricas, conforme dados divulgados nesta quinta-feira.
O presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, afirmou à Bloomberg que as taxas de juros do Fed devem ser elevadas para a casa dos 5% a 5,25%, para conter a inflação mais alta em quase 40 anos, nos Estados Unidos. “Após os fortes números sobre o varejo americano, com demanda aquecida, as declarações do Bullard foram como um balde de água fria para o mercado, ao observar que os aumentos de juros, até agora, tiveram apenas efeitos limitados na inflação, e que o BC dos Estados Unidos precisa continuar aumentando os juros, em pelo menos mais um ponto porcentual”, diz Dennis Esteves, especialista em renda variável da Blue3.
Aqui, a expectativa dos investidores se volta agora para a atuação do Congresso, especialmente da Câmara, sobre a PEC, no sentido de que possa haver alguma desidratação, com redução do valor extrateto da casa de R$ 200 bilhões para R$ 160 bilhões, apontaram fontes ouvidas pelo Broadcast nesta quinta-feira. A torcida por desidratação da PEC ao longo da tramitação no Congresso contribuiu para que o Ibovespa moderasse perdas em direção ao fechamento da sessão, de baixa discreta também em Nova York nos três índices de referência. Relato de que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em carta, renunciou a participar do grupo técnico de planejamento e orçamento, da equipe de transição, também contribuiu para reduzir a percepção de risco no fim da tarde – perto do fechamento, houve confirmação oficial.
Cotado para ser o relator da PEC, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) defende que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos só em 2023, segundo apurou o Broadcast Político. Pela sugestão de texto da PEC apresentada ontem ao Congresso pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, o programa social seria retirado das regras fiscais por tempo indeterminado. O PT sabe, contudo, que vai ter de negociar um prazo de validade para a medida, e aposta em quatro anos.
O Banco Central terá que eventualmente rever a estratégia de manutenção da taxa de juros caso a expectativa de inflação mostre desancoragem à frente, avaliou hoje o sócio-fundador da Oriz, Carlos Kawall, durante participação em evento promovido pelo Estadão. No momento, porém, ainda há bastante indecisão sobre o cenário fiscal, com expectativa de que a PEC da Transição não seja aprovada nos termos atuais pelo Congresso, ponderou Kawall.
A minuta da PEC, detalhada ontem por Alckmin, mostra que o novo governo está “aumentando a aposta” e ignorando a preocupação do mercado com a sustentabilidade fiscal no médio prazo, avalia o Goldman Sachs. “Despesas de R$ 200 bilhões acima do teto de gastos (aproximadamente 2% do PIB estimado para 2023) formam um montante muito significativo, que provavelmente levaria a um déficit primário em 2023 próximo de 2% do PIB”, escrevem os analistas Alberto Ramos, Sergio Armella, Santiago Tellez e Renan Muta, em relatório. “Além disso, uma vez isento do teto, o programa poderia, e provavelmente vai, crescer mais nos próximos anos.”
“Há um estresse fiscal enorme com a PEC da Transição, que talvez nem seja de transição, mas sim permanente, com gasto bastante elevado acima do teto, em quase R$ 200 bilhões por ano, o que resultaria em aumento de dívida bastante forte”, observa Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master. “Ainda que não seja líquido e certo, na medida em que precisa ainda passar pelo Congresso, o número veio acima do esperado. O bode foi colocado na sala”, acrescenta o economista, chamando atenção em especial para o efeito sobre a curva de juros, com o mercado já embutindo alta na Selic para o ano que vem, quando antes se esperava corte para 2023.
Bolsas de NY fecham em queda, com falas de dirigentes do Fed e dados dos EUA
Os mercados acionários de Nova York começaram o pregão em queda e seguiram em baixa até o fechamento, em sessão marcada por falas hawkish por parte de dirigentes do Federal Reserve (Fed) e dados oficiais dos Estados Unidos.
O índice Dow Jones fechou em queda de 0,02%, aos 33.546,32, o S&P 500 caiu 0,31%%, aos 3.946,56 pontos e o Nasdaq recuou 0,35%, aos 11.144,96 pontos.
Segundo relatório do CMC Markets, as bolsas de Nova York reagiram fortemente às falas do presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, que afirmou que as taxas de juros do Fed devem ser elevadas para a casa dos 5% a 5,25%. Bullard também destacou que o banco central precisa seguir elevando os juros possivelmente em pelo menos mais um ponto porcentual.
A presidente da distrital de Kansas City do BC americano, Esther George, destacou que o principal desafio será evitar que o aumento dos juros seja pausado antes do necessário. Também mais cedo, o membro do Conselho do Federal Reserve (Fed), Philip Jefferson, defendeu que a inflação baixa é “a chave para alcançar uma expansão longa e sustentada”.
A influência das falas dos dirigentes do Fed nas ações americanas também foi mencionada por Edward Moya, analista da Oanda. “As quedas prolongadas das ações após a última rodada de conversa do Fed nos lembraram que os formuladores de políticas podem permanecer muito agressivos, apesar de uma redução para um ritmo de meio ponto em dezembro”.
Moya também afirma que, caso haja “milhões de vagas de emprego e inflação acima das taxas”, o Fed pode precisar continuar subindo as taxas de juros além de fevereiro. Segundo ele, o rali do mercado está chegando ao fim, pois esta economia está prestes a sentir o impacto real do território restritivo.
Hoje, órgãos oficiais dos Estados Unidos liberaram dados sobre construções de moradias iniciadas no país, que caíram 4,2% em outubro, e a queda dos pedidos de auxílio-desemprego. Os dados também são direcionamentos para a política monetária.
Entre as variações de hoje, a CMC Markets destaca a recuperação da varejista Williams-Sonoma, que teve uma recuperação modesta de suas baixas de outubro. Hoje, a empresa fechou com alta de mais de 2,60%.
Os investidores também mantiveram no radar o aumento de casos de covid-19 na China, que reduz as chances de flexibilização das restrições no país.
Maiores altas e baixas no Ibovespa
Assim, na B3, como ontem, setores mais sensíveis a juros estiveram entre os mais penalizados nos piores momentos da sessão de hoje, como os de varejo e construção. Na ponta de perdas nesta quinta-feira, destaque para Qualicorp (QUAL3), com queda de 10,60%, Alpargatas (ALPA4), baixa de 6,55%, BRF (BRFS3), que recuou 6,53%, e 3R Petroleum (RRRP3), -6,19%, em sessão de forte queda para as cotações da commodity.
Com o dia negativo tanto na frente doméstica como na externa, o índice de consumo fechou com perda de 1,36% (no meio da tarde, cedia 3,73%) e o de materiais básicos, em baixa de 0,97% (após ceder 2,20% no meio da tarde). Carros-chefes das commodities na B3, Petrobras (PETR3 e PETR4) e fecharam hoje, respectivamente, em baixa de 0,77% e leve alta de 0,04%, enquanto Vale (VALE3) subiu 0,80%.
Entre os grandes bancos, Bradesco ON e PN, ações que haviam sido muito penalizadas desde o balanço trimestral da instituição financeira, subiram hoje 1,46% e 2,17%, e Itaú (ITUB4), 0,61%, conseguindo se descolar das perdas do setor, como o Banco do Brasil (BBAS3), que chegaram a subir 2,13% no fechamento. As duas ações do Bradesco, por sinal, estiveram entre as poucas do Ibovespa que, desde mais cedo, conseguiam se descolar da aversão a risco, com destaque também no encerramento para Weg (WEG3), alta de 2,17%, Ultrapar (UGPA3), alta de 1,94%, e Magazine Luiza (MGLU3), que subiu 1,80%.
“Volatilidade no câmbio e na Bolsa, com muita coisa acontecendo no cenário doméstico e externo. A PEC da Transição ainda deixa a impressão de cheque em branco para o próximo governo, para cumprir as promessas de campanha sem a âncora fiscal. Gastos públicos que geram preocupação quanto à relação dívida/PIB, no curto como no longo prazo, o que se reflete no dólar e na curva de juros, chegando a 14,50% em alguns pontos, com o mercado já sinalizando cenário de alta (para a Selic)”, diz Helder Wakabayashi, analista da Toro Investimentos, destacando em particular, no Ibovespa, o efeito deletério para ações de empresas com maior necessidade de capital ou muito endividadas.
Com Estadão Conteúdo
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