Herança: Fundos são usados por herdeiros para receber ‘bolada’ e evitar briga com a família
Disputas familiares podem se estender por anos: no menu dos imbróglios podem estar reconhecimento de paternidade, brigas entre tios e sobrinhos, irmãos e rusgas até entre pais e filhos. Provando que da porta de casa para dentro tudo pode ser igual, isso ocorre também com quem tem muito dinheiro – são públicas, por exemplo, as guerras milionárias (e até bilionárias) pela herança decorrente de empresas como o recentemente fechado hotel Maksoud Plaza e a varejista Pernambucanas.
A discussão judicial pode levar anos. Mas quem quer encurtar o caminho e garantir pelo menos uma parte de sua “bolada” da herança, tem um caminho: são os fundos especializados em investimentos alternativos, incluindo direito hereditário.
Como todo “atalho” para uma significativa quantia de dinheiro, a proposição tem vantagens e desvantagens: nesse tipo de negócio, ainda bastante novo no Brasil, o cliente tem o bônus de se livrar de um sem-número de audiências judiciais e discussões em particular.
O ônus é que, ao comprar os direitos da herança, esses fundos vão pagar só uma fração do total – o porcentual vai depender da avaliação da probabilidade de o reclamante receber o dinheiro.
Ao comprar a herança, essas gestoras assumem o risco de perder o processo, mas também ficam com todo o dinheiro (ou a maior parte dele, dependendo do acordo firmado) caso seus advogados saiam vitoriosos.
Esse tipo de fundo ainda é recente no Brasil, mas vem atraindo um número cada vez maior de clientes. Um dos casos mais recentes é de um herdeiro de Saul Klein, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, que recentemente esteve envolvido em acusações de crimes sexuais.
Outro caso recente se tratou de um acordo envolvendo um filho de Eggon Silva, fundador da Weg, que morreu em 2015. Fundos também estão atentos à briga pelo espólio do construtor Waldomiro Zarzur.
No caso do filho de Eggon Silva, o reconhecimento da paternidade ocorreu após o falecimento do fundador da fabricante de motores elétricos. Lucas Demathe da Silva, de 28 anos, entrou com ação para reconhecimento dos direitos há cerca de sete anos. Um acordo judicial recente garantiu R$ 1 bilhão ao herdeiro.
Já na família Zarzur, uma das herdeiras, Adele, move uma ação contra os irmãos, alegando que foi prejudicada na divisão de bens. O patrimônio deixado por Waldomiro Zarzur é de cerca de R$ 5 bilhões.
Outro caso entre uma das famílias mais ricas do Brasil envolve Anita Louise Regina Harley, 74 anos, ex-diretora-presidente da Pernambucanas. Ela está em coma desde 2016 e tem uma fortuna estimada em R$ 1,85 bilhão no centro de uma disputa judicial.
Conforme fontes especializadas nesse tipo de disputa, há uma série de razões que levam herdeiros a optar em vender o direito à herança – uma delas é a necessidade imediata do dinheiro para sobreviver ou pagar dívidas.
Do perfil das brigas familiares do tipo, a maioria se trata de casos com muitos herdeiros, muitas vezes envolvendo mais de uma geração, filhos de diferentes casamentos ou não reconhecidos pelo falecido. Outra razão comum é desconfiança em relação à gestão do patrimônio ou ao processo de inventário.
Herança vira negócio para gestoras
Rodrigo Ferraz, sócio da gestora KR Capital, foi um dos primeiros da Faria Lima a desbravar este mercado no Brasil, de olho no interesse do mercado pelos chamados investimentos alternativos, que são aqueles menos óbvios do que ações e renda fixa, mas que podem prover um retorno muito mais atrativo.
“Hoje existe um nicho para os fundos de legal claims, que é basicamente se associar a uma das partes em litígio e carrear essa briga”, afirma Ferraz. A KR Capital já atuou em seis casos do gênero e outros seis estão engatilhados no momento.
Ferraz aponta que hoje, uma das estratégias de captação de clientes tem sido a de sair do eixo Rio-São Paulo rumo ao interior do País, de olho em famílias ricas. “Também existe muito o boca a boca”, afirma.
Segundo ele, uma das dificuldades para atuação é que, muitas vezes, fazer a conta para saber quanto pagar ao herdeiro. Quase como regra, há um bom desconto em relação ao valor esperado a receber.
Em geral, a probabilidade de êxito muda quando a gestora toma a dianteira do processo. Isso porque esforços não são poupados. Trata-se de uma verdadeira investigação com lupa.
Além de uma trupe de advogados para assumir processo, é comum uma equipe de investigadores e especialistas em contabilidade, em arte e até joalheiros.
O foco principal é apurar se algum bem foi ocultado. Isso não ocorre à toa: se for provado que bens da pessoa falecida foram escondidos e não entraram no espólio, o responsável pode perder o direito à herança. Ou seja, a fatia do bolo se torna ainda maior.
Com Estadão Conteúdo