Guerra da Rússia pode fazer disparar preço do milho e trigo – e afetar cadeia produtiva; veja empresas afetadas
Grande preocupação do mercado financeiro nesta quinta-feira (24), para além das movimentações bruscas no preço de commodities energéticas como petróleo e gás natural, é de que os preços de commodities agrícolas, como milho, trigo e soja, também sofram impacto da crise no leste europeu. Na madrugada desta quinta (24), a invasão de tropas da Rússia a território ucraniano derrubou as bolsas ao redor do mundo, acelerou a valorização do dólar e fez o preço das commodities disparar.
Mario Braga, analista sênior para Brasil na consultoria de riscos Control Risks, avalia que é esperada uma disrupção no mercado de commodities.
“Como a Ucrânia é uma grande produtora de grãos, especialmente de milho e trigo, teremos uma disrupção na oferta desses produtos, o que deve elevar os preços”, informou ao Suno Notícias. “Vale ter em mente que a Ucrânia exporta 25% do trigo global, e as exportações todas do país são pelo Mar Negro, área que será afetada pelas ações militares russas”, completou.
Segundo a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, ainda não houve um movimento perceptível de reprecificação da cotação de grãos como o milho, o que pode apontar para um movimento de alta que deve acontecer em breve.
Conforme lembra, a Ucrânia está entre os cinco maiores produtores mundiais do grão que é usado desde a geração de energia, nos Estados Unidos, até a produção de proteína animal na ração de bois e aves por todo mundo.
“Se o quarto maior produtor de milho não consegue produzir, por causa de um conflito bélico, teremos inevitavelmente um reajuste destes preços também. Cabe ressaltar que o milho é uma commodity energética assim como é o petróleo”, afirmou a especialista.
As negociações de trigo e milho na bolsa de Chicago alcançaram nesta quinta-feira (24) os limites de alta permitidos, subindo mais de 5% na abertura do pregão, até que as operações fossem interrompidas. Na volta, partes dos ganhos foram devolvidos, para valorizações menores.
Por volta das 15h40 (horário de Brasília), a alta no preço do milho era de 2,06%, para US$ 695,32 o bushel. Já o trigo, no mesmo horário, subia 5,11%, para US$ 930,00 o bushel.
Insumos, grãos e câmbio: veja fatores que influenciam leitura
César de Castro Alves é especialista de agronegócio do Itaú BBA e destaca que o conflito no leste europeu pode afetar a produção agropecuária de diversas formas.
A primeira delas é pela produção de insumos agrícolas. A Rússia é a principal produtora de fertilizantes como o potássio e o cloreto de potássio, junto com Bielorrússia – também afetada pelo conflito – e Canadá, cenário que tornaria a importação do produto de difícil substituição.
No caso de fósforo e outros adubos nitrogenados, ainda que a possibilidade de substituição seja maior, ainda são escassas as fontes de compensação.
O segundo ponto a ser considerado é a produção de grãos: em maior grau do milho, mas em menor grau, do trigo. O milho é produzido na Ucrânia e o conflito pode gerar escassez nos mercados globais elevando o preço em todo mundo.
Já o trigo, grande parte do que o Brasil consome vem da Argentina, mas isso não significa que não haveria aumento dos preços de itens como pão e macarrão, uma vez que os preços têm ajuste internacional.
Por último, mas não menos importante, o mercado agropecuário também sofre influência do câmbio, já que grande parte dos produtores são também exportadores de commodities e a cotação é levada em consideração na hora de regular as remessas internas e externas.
Para Castro Alves, o Brasil já convive com uma safra bem cara, mas que, por ter sido plantada no segundo semestre do ano passado, por volta de outubro, ainda não traz embutida os novos riscos e custos do ambiente atual. “Neste ciclo o cálculo de custo já está feito”, afirmou ao Suno Notícias.
“Os adubos necessários para a próxima safrinha – que são o tema central do que nos afeta neste conflito – já estão comprados da Rússia. Então, até o meio do ano a nossa safra está no chão, plantada, e se tudo der certo e o clima permitir a gente vai ter uma boa safra de milho. Isso desenha um cenário melhor de preço dos grãos no segundo semestre para a indústria de proteína animal, que é o grosso de quem consome milho”, explica.
Para a próxima colheita, Castro Alves afirma que os fertilizantes precisam estar contratados e, nas fazendas, até o começo de setembro.
Ainda assim, o cenário não é benigno para o cenário da inflação no País. Reiteradamente, nas últimas semanas, o mercado financeiro tem refeito as expectativas para o fim do ano, reforçando a perspectiva de alta segundo Boletim Focus.
Conforme ressalta o especialista, a perspectiva, com o conflito no leste europeu, é de redução na oferta de grãos como o milho, trigo e soja – que são substitutos entre si no uso para ração animal – e consequente aumento dos preços, já que as oscilações no custo de um acabam puxando o dos outros.
“Os estoques mundiais estão relativamente curtos em comparação com a média histórica. Se essa exportação de trigo da Rússia e de milho na Ucrânia for interrompida, o mundo vai ter uma opção a menos para comprar e no fim do dia os preços sobem em todas as pontas”, afirmou.
Com a possibilidade de redução na oferta de grãos, a tendência é de aumento de preços das commodities, o que, por sua vez, eleva os custos de produção de proteína animal e exerce pressão altista na inflação de alimentos, não só no Brasil, mas também em todo mundo.
Outro vetor pelo qual o aumento dos preços de grãos poderia exercer pressão inflacionária é pela via energética, já que milho e soja podem ser utilizados para a produção de biodiesel. Ainda que o efeito seja limitado, uma vez que os altos custos atuais tenham feito o governo reduzir a mistura obrigatória, não é possível descartá-los.
Oportunidades ao agro brasileiro por restrições a Ucrânia e Rússia são limitadas
Sobre a possibilidade de o Brasil ser beneficiado pelo conflito, o analista do Itaú BBA vê um upside principalmente no setor de aves.
“A Ucrânia é exportadora líquida da ordem de 300 mil toneladas de carne de frango. É muito menos que o Brasil, mas o país do leste europeu exporta principalmente para a Arábia Saudita”, disse. “Eventualmente, a gente poderia capturar um pedaço dessa oferta ucraniana que entra na Arábia Saudita”, completou Castro Alves.
Já Thomás Giuberti, economista e sócio da Golden Investimentos, é mais otimista com relação ao cenário macro. Segundo o especialista, o Brasil é “um belo substituto da Rússia para alocação de capital”: “País de commodities, que exporta muito, e o fluxo gringo continua entrando com muita força na Bolsa”, avalia.
No geral, o setor do agronegócio deve ser menos impactado que, por exemplo, o de varejo no País, uma vez que o câmbio desvalorizado é favorável às exportações de produtos agrícolas, que não sofrem tanto abalo da alta de juros.
Gustavo Akamine, analista da Constância Investimentos, avalia que, para além desta quinta, marcada pela alta volatilidade, o Ibovespa pode se valorizar no futuro próximo.
“A Bolsa tem a vantagem de ter ativos relacionados ao mercado de commodities, que se beneficiam de uma moeda mais fraca e de preços de commodities maiores, caso haja uma escalada dos preços e uma oferta de commodities menor no mundo em razão do conflito”, afirmou.
Entretanto, o especialista ressalta: Por outro lado os investidores vão demandar um desconto. As pessoas vão ficar com mais medo e exigir um desconto, o que faz com que os ativos caiam.”
Problemas para a economia real
Em relatório, a Warren destaca que os militares da Ucrânia suspenderam as operações em portos e “crescem as preocupações sobre o fluxo de suprimento de um dos maiores exportadores mundiais de grãos e oleaginosas”.
“Até agora, os portos de Azov e do Mar Negro parecem não ter sido danificados, mas é possível que os navios não possam ser carregados e os contratos não sejam cumpridos. A Rússia e a Ucrânia respondem por 29% das exportações globais de trigo, 19% do fornecimento mundial de milho e 80% das exportações mundiais de óleo de girassol”, informa.
Entre o cenário de riscos, a consultoria observa que ainda não estão claras as consequências e o escopo das sanções ocidentais de Estados Unidos e União Europeia para a economia da Rússia.
Guerra da Rússia traz riscos para empresas brasileiras
Segundo relatório do Itaú BBA o conflito no leste europeu pode trazer impactos para empresas brasileiras e impactar toda a cadeia de produção, desde as empresas do agronegócio até as do ramo de alimentação e bebidas que atendem diretamente o consumidor final.
Para a M. Dias Branco (MDIA3), empresa brasileira de farinha, biscoitos e massas, o custo do trigo compõe quase metade dos gastos da empresa e esta é potencialmente a empresa mais afetada pelo cenário de escassez.
Segundo o BBA, “no atual cenário de consumo adverso, qualquer apreciação do preço do trigo poderia afetar diretamente a lucratividade da companhia, uma vez que repassar os custos seria desafiador”.
“Enquanto nós acreditamos que deve haver um aumento do preço do trigo, nós não vemos que a cadeia física de suprimento seja afetada”, ressalta. Em 2021, apenas 1% das importações de trigo brasileiras vieram do leste europeu e oeste asiático.
Para a Ambev (ABEV3) , cerca de 10% do custo de produtos vendidos estão relacionados com o preço do milho e trigo. “Segundo nossas contas, essas commodities tem um fator crucial na composição de preços da Ambev e quaisquer aumentos podem afetar a lucratividade da companhia.”
Apesar do alerta, o banco avalia que, dada a estratégia de proteção da Ambev, caso se confirme o aumento de preços, os custos devem ter impacto maior a partir de 2023.
Para as empresas de frigoríficos, a JBS (JBSS3) e BRF (BRFS3) o possível aumento do preço do milho, usado na ração de animais pode ser compensado pela melhora no preço de venda do abate de aves.
“Apesar da exposição indireta ao preço de grãos na criação bovina nos Estados Unidos, acreditamos que um aumento do preço dos grãos no curto prazo teria impacto limitado no custo dos rebanhos [da JBS] pelo menos inicialmente”, avalia.
Para a Marfrig (MRFG3), o BBA destaca que as operações tem exposição mínima ao conflito entre Rússia e Ucrânia. “As operações da companhia estão concentradas nos EUA e menor de 2% da sua receita líquida vem de exportação para as regiões afetadas”, destaca.
Sobre a Minerva (BEEF3), o banco avalia que, considerando tudo, a empresa tem alguma exposição aos países envolvidos no conflito atual, com Ucrânia e Rússia entretanto, estes não são os principais destinos de exportação.