Fundos imobiliários de papel ganham ou perdem com alta da Selic?
O ciclo de aumento da principal taxa de juros do Brasil (Selic) vai se estender por mais tempo do que o mercado previa no começo do ano. Economistas já falam em uma Selic superior a 12% no fim de 2022 para tentar controlar a inflação. Neste cenário, os fundos imobiliários perdem atratividade?
Especialistas explicam que existe um movimento natural dos investidores em direção à renda fixa com o aumento dos juros, porém, há fundos imobiliários que se beneficiam desse cenário pelo mesmo motivo que os ativos de renda fixa, é o caso dos “fundos de papel”.
Os “fundos de papel” investem em títulos de renda fixa do setor imobiliário, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e outros. Esses papéis acompanham os principais indicadores de juros e inflação do País.
Sendo assim, quando a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sobe, os “fundos de papel” corrigem seus rendimentos de acordo com a alta mensal. O mesmo acontece quando a taxa Selic sobe e o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) varia.
Sendo assim, os fundos imobiliários “de papel” são considerados pelos especialistas uma posição defensiva para a carteira dos investidores em um momento de cenário macroeconômico mais desafiador.
Rendimentos altos e liquidez
Em 2021, o segmento de fundos imobiliários com o maior volume de operações na Bolsa foi o de Recebíveis Imobiliários. No top 10 de FIIs mais negociados nos últimos 12 meses, a contar de fevereiro para trás, 6 fundos são “de papel” e, juntos, eles somam 20% do total no período.
Além da liquidez, os “fundos de papel” também foram os que mais distribuíram rendimentos aos seus cotistas. Em termos anuais, o dividend yield do setor fechou o ano passado com uma entrega de 12,32% ao ano. E em 2022, o nível de pagamento permanece no mesmo patamar, entre 11% e 12% na taxa anualizada.
Segmento | Dividend Yield anualizado (2021) |
Recebíveis | 12,32% |
Híbridos | 9,79% |
Fundos de Fundos | 9,35% |
Logística | 8,43% |
Lajes Corporativas | 7,36% |
Shoppings | 7,05% |
Fonte: Santander |
Para Marx Gonçalves, com o arrefecimento da inflação adiado por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia, os FIIs de papel devem continuar sendo o segmento de fundos imobiliários com o maior volume de negociações e maior pagamento de rendimentos em 2022 também.
“A Selic ainda vai subir um pouco mais, até uns 13% e estacionar por um tempo. Como esses fundos estão atrelados a indexadores que corrigem mensalmente a inflação e os juros, eles tendem a se beneficiar e ter um desempenhos melhor do que “fundos de tijolo” ou os FOFs, que tem um ciclo de correção de valores mais longo”, explica o especialista em fundos imobiliários da Nord Research.
Para Gonçalves, o desempenho não deverá ser tão forte quanto o de 2021, visto que o IPCA acumulado deve ser menor em 2022, mas deverá ser o destaque do setor como um todo, novamente.
Pontos de atenção ao investir em fundos imobiliários “de papel”
Ter uma boa liquidez e entregar altos rendimentos não deve ser sinônimo de compra para os investidores, alertam os especialistas. Afinal, os mesmos juros que aumentam os rendimentos dos fundos imobiliários “de papel” também aumentam o custo de dívida dos ativos desse fundo.
As dívidas lastreadas em CRIs que os “fundos de papel” compram se tornam mais caras conforme a Selic aumenta. Isso quer dizer que o risco de inadimplência também aumenta.
“O investidor precisa entender que a rentabilidade é proporcional ao risco envolvido. Não basta escolher um fundo olhando só para o rendimento dele, tem que entender a posição que está por trás dos valores e da estratégia da gestão”, diz Gonçalves.
Fernando Gadelho, diretor de FIIs na HSI, explica que existem diferentes estratégias de portfólio e diferentes operações de crédito para se ficar atento.
“Quando se fala em CRIs corporativos, emitidos por empresas, a maior parte deles está indexado ao CDI. Isso acende um sinal amarelo, de atenção, para a capacidade de pagamento do emissor devedor”, diz Gadelho. Ele ainda destaca que o Brasil é um País tradicionalmente de juros mais altos, na faixa dos 5% a 6%.
Com os juros duplicando em relação a esse percentual médio histórico, o risco de crédito se torna maior e digno de atenção.
“Em contrapartida, operações estruturadas de CRIs atrelados a lastros de locação, por exemplo, são indexados em IPCA e pelo saldo do endividamento total. Isso significa um risco menor e que pode ser trabalhado no longo prazo”, indica o diretor.
Fundos High Yield e High Grade
Gadelho indica que os “fundos de papel” podem ser monitorados de acordo com suas classes: high yield e high grade.
Os fundos high yield são aqueles que buscam um retorno acima da média e, para isso, tendem a se expor a dívidas de maior risco para entregar o resultado. Já os fundos high grade focam em qualidade, por vezes, priorizando garantias e segurança e abrindo mão de uma maior rentabilidade.
Nesse sentido, o diretor da HSI indica que os fundos imobiliários high grade costumam não dar problemas, enquanto os high yield exigem um monitoramento maior do portfólio e atenção à gestão.
“Estamos em um momento que favorece a entrega dos fundos high yield e esses rendimentos atraem os investidores. Mas é preciso entender que esse resultado não depende só do fundo imobiliário, porque também está atrelado ao cenário de juros e inflação, que não vai durar para sempre”, alerta Gadelho.
Marcos Corrêa, especialista em fundos imobiliários da Suno Research, também faz a ponderação de que nem todos os fundos high yield são a mesma coisa. “Existem fundos que podem ser menos arriscados que outros”.
Trata-se de uma classificação informal dos fundos imobiliários, segundo Corrêa. Existem gestores que usam a classificação, enquanto outros não gostam. “Tem fundos que chegam a colocar no próprio nome, mas trata-se de uma classificação informal que está mais relacionada à análise do perfil e do portfólio do FII”.
Tanto Corrêa quanto Gadelho indicam que a melhor fonte de informação para os investidores analisarem é o relatório gerencial dos fundos imobiliários. Além disso, Gonçalves destaca outras opções como vídeos, redes sociais e participações em lives com os gestores dos FIIs, que são formas de comunicação em que eles falam sobre a estratégia dos fundos e podem ajudar com as dúvidas dos investidores.