A Fundação Gates vai sobreviver ao divórcio de Bill e Melinda?
Não poderia ser algo mais pessoal. E ao mesmo tempo mais público. Até com consequências internacionais. O divórcio de Bill Gates e de sua ex-mulher, Melinda French, após 27 anos de casamento, está ganhando as manchetes dos jornais do mundo todo. Especialmente por suas repercussões sobre o patrimônio do casal, cerca de US$ 130 bilhões (cerca de R$ 700 bilhões), que deverá ser dividido entre os dois.
Mas além do patrimônio pessoal, esse divórcio poderia afetar um setor inteiro em nível mundial: o da filantropia. Isso pois ainda não ficou claro se a Fundação Bill e Melinda Gates vai sobreviver ao fim dessa união.
A Fundação Bill e Melinda Gates mudou a filantropia mundial. Desde 2000, ano de sua fundação, a fundação teve um enorme papel nas campanhas pela saúde e educação, contra a pobreza e o efeito estufa, gerando um grande impacto no planeta todo.
O casal prometeu, em sua mensagem no Twitter com a qual anunciava o fim do casamento, de continuar trabalhando juntos na fundação.
Isso teria afastado o espectro de uma crise iminente em uma instituição que mantém diálogos abertos e iniciativas com governos e organismos multilaterais, inclusive a luta contra a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
A própria Fundação indicou que os dois permanecerão presidentes da organização e que não haverá mudanças.
“Eles continuarão a trabalhar juntos para moldar e aprovar estratégias, apoiar as prioridades da instituição e estabelecer a direção geral a seguir”, informou a Fundação em uma nota.
Um e-mail enviado aos funcionários pelo presidente-executivo, Mark Suzman, também tentou tranquilizar: “Eles me garantiram que continuarão comprometidos com a fundação que trabalharam tanto para construir ao longo de vinte anos.”
Dúvidas sobre o futuro da fundação Gates
Entretanto, ainda há dúvidas sobre a influência e o futuro papel da Fundação Gates. Bem como sobre quaisquer desafios estratégico e de tomada de decisão, agora que Bill e Melinda vão atuar separadamente.
Os aspectos financeiros também são desconhecidos. Depois de ter doado cerca de US$ 36 bilhões para a Fundação até o momento, grande parte da fortuna que Bill Gates acumulou ainda deverá ser doada. E não está claro como isso acontecerá após o divórcio.
O casal tem três filhos, entre 18 e 25 anos. E ainda não se sabe se existe um acordo pré-matrimonial entre os dois, o que poderia simplificar a divisão.
Caso contrário, tudo dependerá de quão amigável ou não a separação se tornará. O que não está em questão é o que está em jogo.
A Fundação Gates é uma das entidades filantrópicas mais importantes e influentes do mundo. Bill Gates e Melinda French foram os pioneiros da filantropia moderna, e a organização tem grandes repercussões em escala global.
Essa situação também destaca os desafios das grandes fundações que, na verdade dependem, de poucas pessoas. Algo que surgiu graças a nova temporada de super-bilionários das últimas décadas.
Uma fundação de US$ 50 bilhões
A Fundação Bill e Melinda Gates tem atualmente um patrimônio de US$ 50 bilhões e mais de 1.600 funcionários em todo o mundo. Nos últimos dois anos, conseguiu doar US$ 5 bilhões por ano e, desde sua criação, cerca de US$ 55 bilhões, em campanhas que vão desde a saúde global à desigualdade, até a promoção da educação.
Somente na batalha contra o coronavírus foram doados US$ 1,7 bilhão, incluindo fundos doados para a empresa biotecnologia alemã BionTech, que desenvolveu junto com a Pfizer uma das vacinas mais importantes.
Além disso, a Fundação Gates foi uma das promotoras do Covax, consórcio de compra de vacinas para os países mais pobres.
A meta prevê a compra de 100 milhões de vacinas.
Com esses números, a Fundação Gates tornou-se o paradigma moderno de uma gestão impregnada de experiência empresarial e gerencial, orientada para uma utilização eficiente dos seus recursos e para os resultados.
Embora não tenha sido poupada de críticas. Uma das principais, dirigida diretamente a Bill Gates, foi a de levar adiante atitudes muito próximas aos do mundo dos negócios. Em particular a defesa enfática dos direitos de propriedade intelectual de empresas que podem criar obstáculos à ajuda em regiões mais desfavorecidas.
O pacto dos doadores
O divórcio dos Gates poderia ter outro impacto potencial inda mais amplo na filantropia. Bill e Melinda lideram numerosas iniciativas globais, como a Giving Pledge, a promessa de um grupo de super-ricos de doar grande parte de suas fortunas em vez de deixá-las para os herdeiros.
Entre eles, está Warren Buffett, que também se tornou um grande doador da fundação Gates (até agora transferiu US$ 26 bilhões de seus ativos pessoais para a instituição).
O Giving Pledge exige que os membros cumpram o compromisso de doar mais da metade de seus ativos à caridade, seja em vida ou em testamento. Até o momento, esse apelo aos super-ricos já coletou mais de 200 assinaturas graças ao esforço de Bill e Melinda.
Patrimônio de ações, ferrovias, hotéis e terrenos agrícolas
Mas qual é a fortuna pessoal dos Gates, que alimenta sua filantropia e cujo destino pode estar ligado à dinâmica do divórcio?
Bill certamente ainda tem uma participação na Microsoft (MsFT34) em seu portfólio, cerca de 1% das ações e um valor estimado de US$ 26 bilhões.
Os dois também são os maiores proprietários de terras agrícolas do país.
A Cascade Investment, criada para administrar investimentos pessoais, possui participações significativas nos mais diversos setores e empresas, desde a rede de hotéis Four Seasons até a Canadian National Railway e AutoNation, líder em concessionárias de automóveis.
Suas propriedades residenciais incluem uma enorme mansão no estado de Washington, Xanadu 2.0, com coleções de livros raros, obras de arte e objetos preciosos.
Nas últimas décadas, Bill também ganhou as manchetes com a compra de um manuscrito de Leonardo da Vinci.
Não se sabe quanta parte da fortuna pessoal dos Gates será transferida para a Fundação Gates. O que preocupa os gestores dos programas para os próximos anos.
Risco de caminhos separados
Também é possível que Bill e Melinda estejam seguindo caminhos cada vez mais separados, não apenas na vida, mas na filantropia.
Bill Gates, considerado o mais apaixonado pela ciência e com vocação empreendedora, poderia eventualmente assumir um papel mais central na Fundação. E cultivar mais seus esforços paralelos, em particular na luta contra as mudanças climáticas com a já lançada Breakthrough Energy que investe em startups para reduzir emissões.
Bill já criou sua própria empresa de capital de risco, a Gates Ventures, dedicada à pesquisa e investimentos nesse setor.
Melinda, considerada mais progressista que o agora ex-marido, por sua vez já deu início à sua própria iniciativa filantrópica e de investimento, batizada de Pivotal Ventures, comprometida com as políticas sociais, em particular a favor das mulheres e de sua independência e fortalecimento econômico.
Mais recursos oriundos do divórcio poderiam permitir que ela desenvolva ações semelhantes ou até mesmo crie uma organização nova para as causas que considera importantes. Incluindo mais campanhas políticas inspiradas por valores progressistas.
Entre os temores da separação está a informação pública que Bill e Melinda, como eles próprios admitiram, faziam um esforço cada vez mais difícil e tenso em escrever juntos a carta anual da fundação. Uma ideia de Melinda em 2014 que Bill aparentemente nunca amou.
Em suma, tal cenário poderia ver o impacto filantrópico de Bill e Melinda se tornar mais articulado e disseminado com a separação dos dois. Ambos capazes de seguir suas preferências com maior liberdade.
Ex-mulher de Bezos poderia inspirar
Algo semelhante aconteceu com o divórcio de Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo que ainda dirige a Amazon (AMZO34).
Pouco conhecido por sua filantropia, na verdade fortemente criticado por ações escassas em comparação com sua fortuna pessoal, Bezos transferiu US$ 36 bilhões para sua ex-esposa MacKenzie Scott, quando se separou dela em 2019.
Scott imediatamente lançou várias iniciativas de bilhões de dólares em favor de causas progressistas. Ao todo, ele teria doado mais de US$ 5 bilhões em muito pouco tempo.
Um exemplo para Melinda. Mais um risco para a Fundação Gates.