Fortnite vs Apple: entenda as raízes da “guerra dos apps”

Nas últimas semanas o mundo dos gamers assistiu ao começo de uma batalha entre titãs: de um lado o popularíssimo jogo Fortnite, do outro a gigante Apple (NASDAQ: AAPL), que decretou seu banimento de sua loja virtual.

A “culpa” do app teria sido aquela de criar um novo sistema de pagamentos próprio, para evitar a taxa de 30% cobrada pela Apple sobre as compras realizadas em seu store. Basicamente os usuários passaram a poder baixar o Fortnite e realizar compras direto com o programa, sem passar pela empresa de Cupertino.

Mas para entender o caso é necessário fazer um passo para trás.

É 10 de julho de 2008 quando a primeira versão da App Store é lançada. Steve Jobs faz sua maior mágica: convencer gravadoras, produtoras, casas de software e pequenos desenvolvedores independentes a pagar uma comissão de 30% sobre suas receitas para serem hospedados no iPhone e iPad.

“Não estamos procurando parceiros de negócios”, disse na época o executivo com dura franqueza em uma entrevista ao “The New York Times, “queremos apenas vender mais iPhones”.

Naquele momento, ninguém protestou. Hoje, porém, essa proposta parece mais agradar mais ninguém.

Entenda as raízes do caso Fortnite vs Apple

A guerra contra esse modelo de negócios foi iniciada por Tim Sweeney, fundador da Epic Games e criador do Fortnite. O executivo iniciou uma batalha judicial e midiática contra aquilo que definiu “monopólios” digitais. E especialmente contra essa comissão de 30%.

A batalha parecia logo impar, pois ser capaz de pintar a Apple como o vilão do videogame não é uma tarefa fácil. Primeiro pois são necessários recursos de dimensão não indiferente, pois a empresa, hoje liderada por Tim Cook, atingiu recentemente uma capitalização estelar de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10,6 trilhões), nominalmente maior que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Além disso, é necessária muita coragem. E uma boa dose de loucura. Pois a Apple é uma das empresas mais “pop” do planeta, chegando a beirar o fanatismo entre muitos de seus clientes. Chamados, não por acaso, de “evangelizadores”.

Mas a investida de certo, e gerou uma onda de protestos sem precedentes contra a Apple, especialmente entre os jovens.

Até porque dessa vez não foi protestar apenas um pedaço da indústria de jogos, mas também “amigos” e “colegas”, como

  • Microsoft (NASDAQ: MFST);
  • Facebook (NASDAQ: FB);
  • Amazon (NASDAQ: AMZN).

Todos, em tons diferentes, se alinharam contra as regras muito rígidas de venda na App Store.

No começo as críticas vieram apenas como golpes de esgrima. Mas ao longo das semanas começaram a machucar mais a imagem da Apple, e marcam uma mudança de contexto.

Como o caso de Mark Zuckerberg que no dia seguinte à remoção do aplicativo Fortnite da loja do iPhone anunciou que havia pedido à Apple para reduzir as taxas na App Store para oferecer o Facebook Pay. A questão era absorver todos os custos para as empresas que registraram problemas durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

“Infelizmente eles rejeitaram nossos pedidos”, escreveu Zuckerberg em seu blog. Desde então o Facebook especifica para cada transação “in house” que: “não cobra comissão por essa compra”, enquanto no iOS escreve “A Apple fica com 30% dessa compra”.

O nó das tarifas

Entretanto, a Apple tem ombros largos e não é a primeira vez que se encontra no alvo das críticas.

Outra tentativa de acabar com essa farra do Apple Store tinha sido realizada pelas produtoras musicais e de TV, que no passado haviam tentado minar o monopólio – ou duopólio, se consideramos também a loja do Google – porém sem muita sorte.

A cruzada do Spotify, iniciada em 2014, ficou famosa na mídia e acabou nos tribunais de meio mundo.

Em 2014, a empresa sueca teve que aumentaram sua assinatura mensal para US $ 13 para absorver as taxas da Apple. No ano seguinte, todavia, surgiu a Apple Music, um serviço concorrente de música. E a notícia não deixou ninguém de bom humor em Estocolmo.

Netflix (NASDAQ: NFLX) e Amazon também protestaram porque consideram a comissão de 30% alta demais. Entretanto, em vez de denunciar a Apple aos órgãos antitruste, preferiram contornar o obstáculo, usando plataformas alternativas ao Apple Store para renovar as assinaturas. O que significa não passar pela loja da Apple.

Uma empresa como a Netflix, por exemplo, não paga nada para a Apple. O aplicativo é gratuito e não cobra comissão.

No entanto, não é possível anunciar métodos alternativos de pagamento no aplicativo dentro dos telefones e tablets que usam o sistema iOS, levando as pessoas a irem a sites externos para finalizar a compra e o pagamento.

Defesa da Apple

Em sua defesa, a Apple realizou um estudo que mostra como a comissão cobrada em seu App Store está em linha com o que muitas outras plataformas cobram por uma distribuição semelhante. Concorrentes coo Google, Microsoft e Samsung até jogos como Nintendo, Sony e Microsoft, também tem taxas elevadas.

A Apple cobra uma comissão de 30% sobre as vendas de aplicativos, compras no aplicativo de conteúdo digital e assinaturas feitas por meio de aplicativos iOS (a porcentagem cai para 15% após o primeiro ano).

O mesmo vale para o Google, com seu Google Play Store. No caso da loja de aplicativos da Amazon app store, a comissão retida dos desenvolvedores é de 30% para cada compra, assinatura ou compra de aplicativo. O mesmo vale para a Samsung Galaxy Store, LG Smartworld e a loja da Microsoft.

Passando para o mundo dos jogos de PC, a plataforma Steam vende jogos com uma comissão variável dependendo da receita.

No caso dos consoles, porém, o modelo da Apple é adotado. A loja de jogos Xbox e Windows retém 30% do preço de compra e das compras de serviços e assinaturas. A Playstation e a Nintendo também retêm uma comissão por cada compra, mesmo que não haja dados oficiais.

Por fim, mesmo a loja da Epic Games retém uma comissão, ainda que inferior, de 12% para todos os jogos vendidos.

Não é só o Fortnite: por que todos contra a Apple?

Em conclusão, a Apple não se comporta de maneira diferente em termos de taxas de todas as outras lojas concorrentes.

Doze anos atrás, quando Steve Jobs inventou a App Store, ele estabeleceu um padrão. Dentro desses 30% estão os custos de segurança digital, os custos de manutenção da loja virtual e a atividade de controle do que acontece lá.

Pode-se argumentar que a comissão é alta ou baixa, mas é o equivalente a um custo de aluguel.

Como lembrou Tim Cook uma vez, quando o videogames ainda eram vendidos em lojas físicas, de 50 a 70% do preço de varejo iam para intermediários.

O problema, portanto, não são as comissões, mas a capacidade de gerar inovação das plataformas digitais e os conflitos de interesse entre quem gerencia a plataforma e ao mesmo tempo produz conteúdo como no caso da Apple Music e do Spotify.

Como aprendemos, o efeito-rede leva os vencedores a ganhar cada vez mais.

A investigação antitruste iniciada nos Estados Unidos contra as big techs, e que em junho reuniu metade dos poderosos chefões do Vale do Silício no Congresso, está procurando uma saída para esse imbróglio.

São cada vez mais necessárias regras que impeçam o controle privado de big data, que obriguem as plataformas digitais a serem interoperáveis, que não deixem para as mesmas empresas a tarefa de se auto-controlar.

Enquanto isso, a guerra entre a Apple e Fortnite continua.

Carlo Cauti

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