Sem coronavoucher, setor de varejo terá concorrência mais acirrada
Em dezembro de 2020 caiu a última parcela do auxílio emergencial na conta de cerca de 60 milhões de pessoas. Desde junho, o benefício ajudou milhões de pessoas a terem alguma renda, ou uma renda extra, durante períodos críticos da pandemia do coronavírus. O fim da ajuda coloca uma incógnita na vida dos beneficiados e também no futuro do mercado financeiro, já que ela foi responsável por manter alguns braços da economia “girando”, em especial o setor de varejo.
“Um ano que foi ruim para a economia, foi bom para o setor de varejo, justamente por conta do coronavoucher”, afirma Eduardo Cavalheiro, gestor da Rio Verde Investimentos.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, o auxílio emergencial ajudou o comércio a ter bons resultados no período. Em maio, junho e julho, meses críticos da pandemia no Brasil, o comércio registrou altas consideráveis de, respectivamente, 13,3%, 8,5% e 5,2%, enquanto todo o restante da economia amargava quedas.
Agora, o setor de varejo deve sentir os impactos da crise. Com a economia em crise e o corte do coronavoucher, o comércio deve começar a amargar resultados piores. “A questão é dimensionar o impacto do fim do auxílio emergencial. O quão negativo ele vai ser. E isso vai depender de geração de novos empregos. Temos, nos últimos meses, tido bons resultados. Mas é necessário ver se eles vão continuar”, afirma Cavalheiro.
Em novembro, por exemplo, analistas se surpreenderam com o desempenho do Brasil na criação de trabalhos com carteira assinada.
Segundo dados do Ministério da Economia, foram 414 mil empregos gerados no mês, o que foi visto como um desempenho positivo por economistas e gestores. O comércio foi o segundo a criar mais criar vagas, contratando 179.077 mil pessoas. É necessário, entretanto, ver como a economia reagirá no futuro.
Além do fim do auxílio emergencial, Cavalheiro pontua ainda que com a vida voltando mais normal após uma provável campanha de vacinação contra covid-19 e com a queda das infecções, o setor de varejo deve sofrer também com a volta dos gastos com serviços.
“As pessoas, em meio à pandemia, tinham dinheiro sobrando e não podiam sair de casa. Por isso, optavam por comprar produtos. Com a volta da vida ‘normal’, é esperado um movimento de volta de gastos com viagens e com idas ao cinema, por exemplo”, diz.
Concorrência deve crescer no setor de varejo
Os gestores ouvidos pelo SUNO Notícias acreditam que haverá uma maior competição entre os players do setor de varejo. As grandes varejistas foram beneficiadas no começo da pandemia por conta do auxílio emergencial, com, segundo Eduardo Cavalheiro, um movimento de concentração “irreversível”.
“Os pequenos e médios varejistas sofreram demais com a falta de acesso ao capital. Já os grandes buscaram dinheiro na bolsa durante a crise. Via Varejo (VVAR3), Lojas Americanas (LAME4), Natura (NTCO3), de cabeça, lembro que todas essas realizaram movimentações na B3 para conseguir capital”, afirma.
No terceiro trimestre de 2020, para o gestor da Rio Verde, a disputa já se acirrou. Por enquanto, as companhias ainda estariam mantendo suas margens ao invés de priorizar o crescimento, mas, apesar disso, estão investindo em novos setores como o de logística e o de meios de pagamento.
“Com o fim do auxílio emergencial, e o cliente sumindo, agora é um momento que todos estão apostando em estratégias e novos canais de vendas e de entregas. Os varejistas vão brigar para entregar resultados e manter seus níveis de vendas”, afirma Matheus Bicalho, especialista em investimentos independente focado no setor de varejo.
Nos últimos meses, por exemplo, varejistas vem investindo para melhorarem seus serviços. O Magazine Luiza (MGLU3), em outubro, adquiriu a GFL Logística, focando na melhora do seu serviço de entrega. A Via Varejo, no começo de dezembro, comprou a I9XP, empresa especializada em desenvolvimento de soluções para o e-commerce.
A Amazon, gigante americana do setor, também vem se movimentando: anunciou em dezembro um novo serviço de parceria no país.
A chegada de empresas estrangeiras é visto por alguns com temor, uma vez que aumenta ainda mais a concorrência. Bicalho, entretanto, afirma que ainda é cedo para afirmar que há perigo. “Se fala muito na Amazon ganhando mercado das empresas, mas é só pegar historicamente que você vai ver que o Brasil é um país inóspito… Quantas empresas de fora realmente conseguiram sobreviver e ser competitivas frente as nossas?”, afirma.
Para o analista, na competição, já há quem esteja ficando para trás. “Acredito que Via Varejo ainda esteja atrás de seus pares do setor em relação a crescimento. Apesar do impulso das vendas online no último trimestre, a empresa ainda tem muito a entregar”, diz Bicalho.
Recentemente, alguns gestores comentaram também que a B2W (BTOW3), braço digital da Americanas, estaria defasada. Magazine Luiza e Mercado Livre (NASDAQ: MELI) são as que mais cresceram nas vendas digitais nos últimos meses.
Janeiro deve combinar fim do auxílio emergencial com mês ruim para varejo
Bicalho pontua ainda que, nos últimos meses, com a redução das parcelas do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300, já houve uma queda nas vendas. “Pesquisas anteriores já mostraram que a redução do auxílio emergencial impactou as vendas do atacado e varejo em pelo menos 20 a 30% no geral”, afirma.
Além disso, para o consultor, o fim do benefício deve se combinar com um momento que já é normalmente ruim para as vendas. O começo de um novo ano é marcado por gastos menores no comércio, com as pessoas destinando suas rendas ao pagamento, por exemplo, de impostos e de matrículas escolares.
“O setor de varejo já considera começos de ano como períodos atípicos. Em balanços, esses meses são desconsiderados como tempos padrões”, afirma.
Para o consultor, há ainda a questão da inflação, que deve impactar o consumo das famílias e, de forma decorrente, o setor de varejo. Bicalho não vê, necessariamente, o movimento de alta nos preços sendo aplacado com o fim do auxílio emergencial.
“O coronavoucher era apenas uma das medidas que o governo adotou como incentivo monetário. Tivemos a liberação do FGTS e temos os juros baixos, que colocaram e ainda colocam bastante dinheiro em circulação na nossa economia.”, diz.
Para Bruno Komura, gestor da Ouro Preto Investimentos, o fim do auxílio ainda traz um novo comportamento que deve diminuir os gastos no setor: a incerteza quanto à renda deve fazer as pessoas economizarem mais e deixarem de gastar.
“Muitas famílias acabam postergando o consumo para poupar por conta da alta incerteza no futuro, o que acaba desacelerando bastante a economia. O auxílio emergencial segurou bastante a demanda do setor de varejo”, diz o gestor.