Com avanço da inflação, Fed eleva juros em 0,75 ponto percentual, maior alta desde 1994
O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve (Fed), decidiu nesta quarta (15) elevar a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 1,50% e 1,75% ao ano. Foi a terceira alta das taxas do país desde 2018 e o maior aumento desde 1994. O colegiado acenou com novos aumentos nos próximos encontros.
O aumento do Fed era esperado pelo mercado, com a alta de preços nos EUA, constatada na última sexta (10) pelo índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês). O indicador revelou avanço de 1,0% em maio em relação a abril, segundo o Departamento de Trabalho do país. O resultado é uma forte aceleração da inflação dos EUA em relação à alta de 0,3% no mês anterior e superou a previsão de analistas do The Wall Street Journal, que previam alta de 0,7%. O resultado fez as bolsas no mundo todo desabarem desde sexta, com a previsão de aperto monetário pelo Fed.
Até a semana passada, um aumento de 0,75 p.p era visto como pouco provável pelo mercado. Porém, após o índice de preços ao consumidor de maio mostrar taxa mensal de 1,0% e anual 8,6%, ambas acima do consenso de analistas, as apostas para uma elevação em 75 pontos-base ganharam fôlego.
Tornaram majoritárias e quase unânimes na noite de anteontem, após repórteres do Wall Street Journal e da CNBC apontarem que dirigentes do Fed poderiam considerar uma elevação em maior intensidade para tentar reancorar as expectativas.
Decisão do Fed não foi unânime
A decisão do colegiado do Fed, o Banco Central americano, nesta quarta não foi unânime. Uma das integrantes do Fomc, Esther George, presidente da distrital de Kansas City, sugeriu alta de 0,5 pp.
Além da inflação, o comitê do Fed citou como motivos para a elevação das taxas de juros a guerra na Ucrânia — que pressiona também a alta de preços – e as medfidas restritivas da China contra a disseminação da Covid-19. O Fomc mencionou em seu comunicado que a atividade econômica mostrou algum avanço no primeiro trimestre.
Diz o comunicado do Fed: “A invasão da Ucrânia pela Rússia está causando enormes dificuldades humanas e econômicas. A invasão e os eventos relacionados estão criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e estão pesando sobre a atividade econômica global. Além disso, os bloqueios relacionados ao COVID na China provavelmente exacerbarão as interrupções na cadeia de suprimentos. O Comitê está altamente atento aos riscos inflacionários.”
E acrescenta, citando a alta de preços: “O Comitê está fortemente comprometido em devolver a inflação ao seu objetivo de 2%.”
Com a decisão do Fed, as bolsas em Nova York, que abriram em alta e já precificavam o aperto do Fed, reduziram os ganhos, mas voltaram a acelerar e fecharam em alta: Dow Jones subiu 1%, o S&P 500 avançou 1,46% e Nasdaq ganhou 2,5o%. O Ibovespa encerrou o pregão com alta de 0,73%, aos 102.806 pontos. O dólar terminou a sessão em baixa de 2,11%, cotado a R$ 5,0260.
Fed: antecipação de aumentos futuros
O Fed também decidiu elevar a taxa de juros paga sobre saldo de reserva para 1,65%, decisão que entra em vigor a partir de amanhã, e a taxa de desconto e 75 pontos-base, de 1,00% para 1,75%. O Fomc antecipou que novos aumentos na taxas de juros serão apropriados.
“A inflação permanece elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia, preços mais altos de energia e pressões mais amplas sobre os preços”, diz o comunicado. “A invasão da Ucrânia pela Rússia e os eventos relacionados estão criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e estão pesando sobre a atividade econômica global. O Comitê está altamente atento aos riscos inflacionários”, completou.
Diante desse cenário, o Fomc assegura que continuará monitorando as implicações das informações recebidas para as perspectivas econômicas. “O Comitê estaria preparado para ajustar a orientação da política monetária conforme apropriado caso surjam riscos que possam impedir a consecução dos objetivos do Comitê”, destacou.
Em meio à resiliência da inflação e do endurecimento do tom das políticas monetárias mundo afora, os dirigentes do Fed passaram a prever juros bem mais altos nos próximos anos.
Para 2022, a mediana para a taxa dos Fed funds em 2022 subiu de 1,9% em março para 3,4% agora. Para 2023, a projeção foi de 2,8% a 3,8%. E para 2024, de 2,8% a 3,4%.
No longo prazo, o consenso dos dirigentes aponta para Fed funds a 2,5%, de 2,4% em março.
Entre os 18 membros do Federal Reserve (Fed) que participaram da reunião de política monetária desta semana, 13 acreditam que a taxa básica de juros nos EUA estará entre 3% e 3,5% até o fim de 2022, com oito dirigentes prevendo juro na faixa entre 3,25% e 3,50%, enquanto outros cinco projetam que a taxa dos Fed funds estará no patamar de 3,00% e 3,25% após o encontro de dezembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês).
Na reunião de março, a última em que o Fed atualizou suas projeções, apenas um dirigente esperava juro de 3% ou mais, e a maioria previa algo em torno de 2% a 2,75% como apropriado. A mudança nas expectativas ocorre em meio à resiliência da forte inflação nos EUA e consequente aperto monetário mais agressivo pelo Fed.
Para 2023, sete dirigentes esperam que os juros estejam entre 3,5% e 3,75%, quatro preveem taxa básica de 3,75% a 4,00% e outros quatro enxergam o patamar de 4,00% a 4,255 como adequado. Apenas um dirigente prevê juro entre 2,75% e 3%, mais um espera algo na faixa de 3,255 e 3,50%, e outro membro do Fomc vê juro de 4,25% a 4,5% até o fim do ano que vem.
Para 2024, há ampla gama de expectativas, mas oito das 18 previsões indicam juro na faixa de 3,25% a 3,5%. Para o longo prazo, 13 dirigentes apostam em juro de 2,25% ou 2,5%.
Previsões para o PIB
Os dirigentes do Fed pioraram as projeções para o crescimento dos Estados Unidos nos próximos anos, na comparação com as estimativas divulgadas após a reunião de política monetária de março.
Para 2022, a mediana das estimativas de crescimento da economia americana caiu de 2,8% em março para 1,7% agora. Para 2023, a projeção foi de 2,2% a 1,7%. E para 2024, de 2,0% a 1,9%.
Balanço de ativos
O Fed reafirmou o plano de diminuir o balanço de ativos da entidade conforme os termos definidos na reunião de maio do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês).
No comunicado em que anunciou alta dos juros básicos em 75 pontos-base, à faixa entre 1,50% e 1,75%, o Fed explicou que reduzirá suas participações em Treasuries, títulos de agência e títulos lastreados em hipoteca (MBS, na sigla em inglês).
Pelo plano, iniciado em 1º de junho, o Fed reduz as compras de MBS em US$ 17,5 bilhões ao mês e as de Treasuries em US$ 30 bilhões, em um total de US$ 47,5 bilhões, durante os três primeiros meses. Depois disso, a redução será de US$ 60 bilhões por mês para Treasuries e US$ 35 bilhões para MBS, em um total de US$ 95 bilhões.
Fed eleva mediana das projeções para a taxa de desemprego dos EUA em 2022, 2023 e 2024
As medianas das projeções dos dirigentes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) para a taxa de desemprego dos Estados Unidos subiram na comparação da decisão de política monetária de março com a desta quarta-feira, 15.
Para 2022, a projeção da taxa de desemprego foi de 3,5% para 3,7%. Para 2023, saiu de 3,5% para 3,9%. Para 2024, a taxa passou de 3,6% para 4,1%.
No longo prazo, os dirigentes acreditam que a taxa de desemprego seja de 4,0%, mesmo porcentual estimado em março.
Analistas: “Fed busca afastar temores sobre possível recessão”
Marcelo Oliveira, CFA e fundador da Quantzed, empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, observa: “A decisão veio como o esperado com alta de 0,75% confirmando as expectativas que deixaram o mercado volátil desde segunda-feira.” Ele complementa: “O tom hawkish se mostrou necessário para combater a inflação. Já deixaram 75 pontos contratado para próxima e para atingir o alvo até o final do ano. Acredito que teríamos mais aumentos de 50, 25 e 25 pbs nas reuniões subsequentes. O Fed vê taxa de juros só subindo em 2023 e caindo em 2024. Acreditam que o desemprego ainda está muito baixo e estão muito preocupados com inflação. Mesmo o aumento do desemprego previsto para 2023 não será suficiente para parar o FED. Mercado reage melhor do que o esperado. Dólar comportado, bolsa positiva. Ainda estamos no stress poucos minutos após decisão. S&P ainda está tentando achar nível novo.”
Carlos Vaz, CEO e fundador da CONTI Capital, uma gestora de investimentos com foco em fundos imobiliários no segmento multifamily nos EUA, comenta: “A alta dos preços ao consumidor dá ao Fed motivos para elevar as taxas de juros. Com um anúncio dos 75 bps, a minha leitura é de que o Fed mostra estar confiante na força de recuperação da economia americana e busca afastar temores sobre uma possível recessão, que é algo bastante relativo e pode ser sentido de maneiras diferentes globalmente, se acontecer.”
Vaz acrescenta: “Acredito que o Fed vai encontrar o ponto de equilíbrio entre a desaceleração econômica e controle inflacionário. Cada parte do mundo vai perceber uma recessão mais próxima ou distante, a depender de uma série de fatores, que incluem os seus índices de produção e exportação, o nível de empregos e investimentos em infraestrutura e até a dependência dos preços do barril de petróleo, por exemplo, que hoje impacta em várias escalas todos os segmentos.”
O gestor conclui: “Outro ponto que serve para exemplificar essa relatividade pode ser observada na negociação das commodities globais, que são precificadas em dólares. O fator guerra na Europa continua impactando na economia mundial e, mesmo se acabasse hoje, ainda sentiríamos os reflexos por cerca de três anos. Ainda, vejo que a inflação nos EUA vai começar a cair moderadamente, pois já demonstra alguns sinais de que está perto do seu pico, muito embora deva permanecer elevada até 2023. O mercado fala em recessão, mas acredito ser fundamental não generalizar.”
Étore Sanchez, analista da Ativa Investimentos, observa: “A sinalização da autoridade foi para o forte comprometimento com o combate inflacionário, ao passo que as projeções materiais apontaram para a mediana da Fed Funds Rate em 2022 entre 3,25% e 3,50%.”
Sanchez diz que “a realidade inflacionária e os termos utilizados pela autoridade no comunicado nos fazem acreditar que a taxa básica deverá ser elevada por mais uma vez ao passo de 75bps”.
Andrey Nousi, CFA e fundador da Nousi Finance, ressalta: “O ponto a ressaltar aqui é a expectativa que o Fed vê sobre a taxa de inflação para o fim do ano. A perspectiva é de que essa inflação arrefeça dos atuais 8.6% para 5.2% e, no final do ano que vem, 2.6% – ou seja, muito próximo da sua meta de inflação que é de 2%. A perspectiva talvez é de que nos próximos meses essa meta de 2% seja reajustada para 3% ou algo nesse intervalo de 2 e 3% à medida que o mundo passa por um período mais de redução de globalização e isso fatalmente aumenta a inflação mundialmente.”
João Beck, economista e sócio da BRA, analisa: “Essa decisão do Fed foi bem diferente das anteriores. Não pela decisão em si, mas pelas próprias opiniões do mercado, que desta vez estavam bem divididas. Em ocasiões anteriores estavam mais unânimes. Metade do mercado falava em 0.5 e 50 pontos de alta e a outra metade falava em 75 pontos de alta que foi exatamente o que foi executado, que foi a decisão. O comunicado foi bem mais realista e pragmático. Faz com que os americanos aceitem a ideia de que vai ter muito menos crescimento à frente e mais desemprego e uma inflação mais alta mesmo que agora ela não está sendo encarada como temporário, está sendo encarada como bem mais recorrente. Então por um lado foi bom, com um tom mais duro, o que a economia precisa, mas, por outro lado, a revisão de crescimento americana foi revisada para baixo e uma expectativa de 3.4% de taxa até o fim de 2022. Essa foi a sinalização do Fed.”
Powell: mais alta na próxima reunião
Após a divulgação do comunicado, o presidente do Fed Jerome Powell falou em entrevista coletiva. O dirigente enfatizou a preocupação da autoridade monetária com a escalada de preços: “Continuamos vendo riscos de inflação apontando para cima.”
Powell pontuou a primeira declaração depois do aumento das taxas de juro com foco no avanço dos preços: “As pressões inflacionárias se espalharam por ampla gama de bens e serviços. Temos instrumentos efetivos para lidar com a inflação.”
O presidente do Fed disse que a próxima reunião do banco central americano deve anunciar mais altas: “Entre alta 50 pb ou 75 pb nos juros.” Ele adiciona: “O aperto das condições financeiras deve conter a demanda.”
Powell afirmou que os dirigentes da instituição acreditam que política monetária terá que ficar “modestamente restritiva” este ano para controlar a inflação nos Estados Unidos. Explicou que há incertezas sobre quão restritiva a postura deve ser. Segundo ele, o Comitê espera uma alta da taxa básica de juros a algum nível entre 3% e 3,5% até o final de 2022.
Powell também disse que a taxa neutra – aquela que nem estimula nem pressiona a economia – está “baixa” atualmente. O presidente do Fed estima que ela esteja em algum ponto entre 2% e 3%.
(com informações do Estadão Conteúdo)