Com o aperto monetário mais próximo de se concretizar, o Federal Reserve, ou Fed, o Banco Central dos Estados Unidos, dita os rumos do cenário de juros global e o andamento das bolsas. No Brasil, os especialistas divergem sobre impacto das últimas decisões da autoridade monetária americana.
“Os bancos centrais tinham a tese de que tudo era transitório em relação aos impactos da pandemia na atividade econômica e da alta de preços. Sempre falavam em ‘onda’, com muita especulação. Agora temos o impacto da Ômicron, no terceiro ano de Covid, e isso não se resolveu. O Banco Central (BC) tem que começar a agir, já que o Fed deve normalizar taxa de juros subindo-a para 2%, com 100bps neste ano e mais 100bps ano que vem. Esse é o juro que o mercado enxerga”, analisa Igor Barenboim, economista e sócio da Reach Capital.
O especialista também ressalta que o Fed pode tomar decisões para controlar a inflação sem, necessariamente, subir os juros e adotar uma postura ainda mais hawkish – termo para uma política monetária mais austera para conter alta de preços a custos de desenvolvimento econômico.
Barenboim destaca que, se o ciclo de juros americanos fechar em 2,75%, o cenário é “interessante”. Explica: “Você atrai capital para os países centrais. Pode ser que o mercado se assuste, peça por ‘muito mais’. Mas acho que o Fed também pode fazer ainda mais por contração de balanços”.
Apesar disso, o economista não enxerga que esse ciclo de juros nos EUA tenha impacto direto nas decisões do BC, chefiado por Roberto Campos Neto. Outros especialistas lembram, no entanto, que movimentos mais duros da autoridade americanas causam pressão para que o BC brasileiro acelere seus passos.
Felipe Veloso, economista do Bank of America (BofA), concorda que as mudanças do Fed acabam influenciando as projeções em solo brasileiro.
“Aqui [nos EUA], 0,5 de alta de juros é muito. É inevitável que isso aconteça. Dá uma pressão para o BC [do Brasil] aumentar o juro, para que o Brasil não perca o equilíbrio cambial. Mas não são juros só que atrapalham o câmbio. Um terço da produção de dólares foi feita desde o início da pandemia”, observa.
Desde o início da crise sanitária a gestão de Jerome Powell ligou uma ‘máquina de dinheiro’, com alta na impressão de moeda.
Fed imprime dinheiro e inflação vem acima do esperado
O cenário traçado pelo especialista leva em conta que o minério tem sofrido algumas quedas desde meados de novembro de 2021, ao passo que o petróleo sobe às máximas históricas.
Apesar da pressão das commodities, Veloso argumenta que “não é garantido que o dólar vá ganhar tanta força em relação ao real” por causa da postura do Fed.
“O problema de inflação é global e faz com que os países coloquem o pé no freio na compra de ativos e passem a subir os juros. Como os EUA e o Fed influenciam todos os países, se o Fed aumenta e outros países não elevam, por consequência todas as moedas perdem força ante o dólar. Nesse cenário, se a moeda se fragiliza há ainda mais inflação”, comenta.
Cenário é de depreciação do dólar
Com o contexto mencionado pelo especialista, a tendência é de que o dólar perca, no médio e longo prazo, o status de moeda mundial.
“Isso ocorre porque os EUA são mais adeptos de políticas econômicas muito expansionistas, que imprimem dinheiro para resolver problemas. Você não pode ter um índice mundial dolarizado nesse contexto de impressão em massa. Não acredito que os EUA irão manter essa postura no longo prazo, mas, por causa da influência gigantesca na economia global, é sempre mais fácil o Brasil perder o controle da inflação do que os EUA”, afirma.
Nesse contexto, o economista acredita que investir nos EUA “não é tão certeiro quanto o foi no passado, mas nunca será uma opção ruim, mesmo com o risco cambial associado”.
Nos últimos dias, de fato, a moeda americana tem sofrido depreciação, caindo cerca de 1,5% no intradia da quarta (19). A moeda foi negociada a R$ 5,40 nesta quinta, em baixa de 0,3%.
O dólar voltou a subir na sexta (21), encerrando a segunda semana do ano seguida em baixa. Na sexta foi vendido a R$ 5,455, com alta de 0,72%. Apesar da alta, a divisa fechou a semana cedendo 1,05%. Nos primeiros 21 dias de 2022, o dólar acumula queda de 2,16%.
Em 5 de janeiro, o dólar era cotado a R$ 5,70.
‘Há uma ligação indireta com o Banco Central’
Alan Gandelman, CEO da Planner Corretora, vê uma relação indireta dos movimentos do Federal Reserve com o rumo da política monetária brasileira.
“Cada vez que o Fed aumenta o juros, o que acontece em geral é um ‘voo’. Como os juros são mais atrativos nos EUA, o investidor global sai de países com maior risco, como o Brasil, e vai para os EUA aproveitar juros mais altos. Se isso ocorre, você tem um movimento de saída do investidor em direção aos EUA. Isso pressiona câmbio, bolsa e pode também impactar os juros”, comenta.
Além disso, o especialista diz que, com dólar em alta ante o real, há pressão nos ativos e na inflação do Brasil – em razão do encarecimento do que é dolarizado.
Esse quadro joga a inflação para cima e consequentemente exige uma postura mais austera de Campos Neto, segundo Gandelman – o que é apelidado pelo mercado de ‘dólar inflacionário’.
Juros altos ocasionarão correção nas bolsas?
Com os juros perto de sofrerem alta nos EUA, as divergências se estendem para a pressão nas bolsas mundiais. Nos EUA, o S&P marcou seu topo histórico, o que fez analistas projetarem correções.
Apesar disso, como a Ata do Fed já foi divulgada e os movimentos já foram antecipados pelo time de Jerome Powell, as teses também incluem a afirmação de que o mercado já precificou essa alta de juros.
“Acho que os ativos já refletem a incerteza que temos. Está tudo relativamente barato, apesar de poder ficar ainda mais, como sempre”, comenta Barenboim.
“Particularmente, acho que em um cenário sem grandes surpresas nós não teremos nenhum colapso nem nenhuma grande correção no S&P e consequentemente nas bolsas globais”, acrescenta.
Caso uma correção venha a acontecer, Gandelman lembra que o movimento pode ocasionar uma recessão em outros países, por causa da influência e do tamanho da economia americana.
“Tudo depende do tamanho de uma eventual correção do mercado dos EUA; as bolsas americanas puxam as outras no mundo todo. Eu acho que já está dado esse movimento de alta de juros, já está digerido. Desde o primeiro anúncio do Powell, com os números de inflação mais altos nos EUA, os mercados vêm sofrendo. Sofre um dia, melhora um pouco. É preciso ver se, quando a correção acontecer, de fato vamos ter o movimento, a reação, dos mercados americanos”, analisa.
Segundo o CEO da Planner, se a reação ocorrer e for forte, isso afetaria as bolsas do mundo todo. “As ações espelham os valores das empresas: nesse contexto as empresas ficam ‘baratas’ – o que compromete muito a economia”.
Veloso, que reside nos EUA, explica: “O que dirige e direciona a bolsa americana não são os investidores privados, mas sim os fundos, seguradoras e similares. Os institucionais são quem alocam capital para as pessoas. Aqui todo mundo tem plano de saúde privado. Sempre que você paga previdência, não vai para o governo, vai para um fundo que investe esse capital para você.”
“Antes esse dinheiro não rendia nada aos título públicos, agora [com escalada dos juros] é melhor tirar esse capital da renda variável e alocá-lo na renda fixa, devido à atratividade. Esse pessoal – institucional – move o mercado. Eles ganham prêmios pelo ganho do fundo e do portfólio. Com tudo marcando topo, é mais seguro para eles voltarem para renda fixa”, analisa.
Apesar disso, a recomendação do economista é de que, com a crise na cadeia de produção também sendo um dos grandes drivers, mudanças podem ocorrer.
“É algo mais para ficar no radar. Se esse problema de supply chain se resolver e o Powell continuar no Fed, vamos parar de ver aumento de juros. É algo para o futuro, para mantermos em mente”, projeta.