O Federal Reserve (Fed) anunciou que pretende acelerar a alta nos juros em maio, para frear a inflação. As informações estão na ata do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Fed, divulgada nesta quarta (6).
De acordo com a ata da reunião de política monetária realizada em março, anunciada hoje, muitos dirigentes observaram que teriam preferido um aumento de 50 pontos-base já naquele encontro. Cogitam estabelecer um aumento nesse patamar no início de maio. Essa elevação pode se repetir nas próximas reuniões do banco central americano. O motivo é o cenário econômico, que inclui, além da escalada da inflação, desdobramentos da guerra na Ucrânia e pressão adicional aos preços com o conflito no leste europeu
Em março, o Fed havia decidido elevar a taxa básica de juros da economia americana em 0,25 ponto percentual, para o intervalo de 0,25% a 0,50% ao ano. Foi a primeira alta das taxas do país desde 2018, em elevação aguardada pelo mercado.
Naquela reunião os dirigentes disseram que o motivo para a alta dos juros era a inflação no país — o que foi repetido na ata divulgada hoje. O comitê reiterou que indicadores de atividade econômica e emprego continuaram a se fortalecer — mas que a elevação de preços e a incerteza sobre a inflação fizeram os dirigentes reforçar a necessidade de aperto monetário. O quadro de aumento da inflação, com desequilíbrios na oferta e na demanda, energia e pressões mais amplas, fez os integrantes da instituição planejarem mais aumentos de juros em 2022.
A guerra na Ucrânia, diz o Fed, acentuou problemas nas cadeias de produção. Os dirigentes do Federal Reserve concordaram que seria apropriado iniciar o processo de redução do balanço patrimonial após a próxima reunião de política monetária, no total de US$ 95 bi, em maio. De acordo com a ata da reunião realizada em março, todos os dirigentes concordaram com um ritmo mais rápido de declínio nas posses de títulos do que no período 2017-19.
“Os dirigentes concordaram que os limites mensais de cerca de US$ 60 bilhões para títulos do Tesouro e cerca de US$ 35 bilhões para os MBS provavelmente seriam apropriados. Os dirigentes também concordaram em geral que os limites poderiam ser implementados em um período de três meses ou um pouco mais, se as condições de mercado assim o justificarem”, diz o texto.
A ata ressalta que nenhuma decisão sobre o plano de reduzir o balanço foi tomada na última reunião, apesar de os participantes concordarem que haviam feito “progressos substanciais” e que o Comitê estava bem posicionado para iniciar o processo de redução do tamanho do balanço.
Por que os dirigentes do Fed veem risco ‘significativo’ de inflação
Alguns dirigentes do Fed veem risco “significativo” de que a alta inflação e as expectativas de avanço inflacionário se tornem arraigadas, caso o público comece a questionar a determinação do Fomc de ajustar a política monetária para trazer a inflação de volta à meta de 2%.
Os dirigentes concordaram que a perspectiva econômica segue bastante incerta e que as decisões políticas precisam levar em conta o estado dos mercados financeiros e da economia. Vários deles observaram que as medidas de longo prazo das expectativas de inflação de famílias, analistas profissionais e participantes do mercado ainda pareciam permanecer bem ancoradas, “o que – juntamente com uma política monetária apropriada e um eventual alívio das restrições de oferta – apoiaria um retorno da inflação ao longo tempo para níveis consistentes com a meta de longo prazo do Comitê”.
Em relação à guerra na Ucrânia, os membros do Fed notaram que implicações do conflito representam “riscos elevados” tanto para os EUA quanto para a economia global, apesar da alta incerteza. Os dirigentes julgam que, no curto prazo, a invasão e eventos relacionados devem elevar as pressões inflacionárias e pesar sobre a atividade econômica.
No documento, eles destacam que a inflação está elevada por desequilíbrios entre oferta e demanda ligados à pandemia, preços mais altos de energia e pressões mais amplas. Alguns dirigentes observaram que a inflação elevada continuou a se expandir de bens para serviços, especialmente alugueis, e para setores que ainda não haviam experimentado grandes aumentos de preços, como educação, vestuário e saúde.
Muitos dos membros indicaram que seus contatos comerciais continuaram a relatar aumentos substanciais em salários e preços de insumos que estavam sendo repassados a clientes “sem qualquer diminuição significativa” na demanda.
Na avaliação dos dirigentes, dados de atividade e emprego continuam a se fortalecer, com “ganho forte no mercado de trabalho. Quanto à variante Ômicron do coronavírus, foi observado que deixou apenas “uma leve e breve” marca nos dados macroeconômicos.
Fed: indefinição sobre guerra na Ucrânia e economia
Os membros do comitê lembraram que as implicações da guerra na Ucrânia para economia dos EUA são muito incertas e, no curto prazo, aumentam a pressão nos preços, pensando na atividade econômica. Esperam que, com o aperto monetário, a inflação retorne à meta.
Muitos dirigentes do Fed observaram que um ou mais aumentos de 50 pontos-base nos juros dos Estados Unidos podem ser apropriados em reuniões futuras, principalmente se as pressões inflacionárias permanecerem elevadas ou intensificadas.
No entanto, alguns membros indicaram que, com a maior incerteza associada à invasão da Ucrânia, um aumento de 25 pontos-base seria mais apropriado.
“Os dirigentes julgaram que seria apropriado mudar rapidamente a postura da política monetária para uma postura neutra. Observaram também que, dependendo da evolução econômica e financeira, pode se justificar uma mudança para uma orientação política mais restritiva”, diz o documento.
O tom mais duro da ata do Fed, que reforçou discursos hawkish de muitos dirigentes do Fed nos últimos dias, fez derrubar os mercados globais. O Ibovespa fechou em queda de 0,55%, aos 118.227,75 pontos. O dólar à vista encerrou em alta de 1,19%, a R$ 4,7147.
As bolsas em Nova York também ampliaram baixas e fecharam no negativo após a divulgação da ata do Fed: Dow Jones cedeu 0,42%, o S&P500 perdeu 0,97% e o Nasdaq recuou 2,22%.
Fed preocupado em segurar a inflação
“O Fed vai começar o que chama de Quantitative Tightening, ou seja, vai começar a reduzir o tamanho do balanço patrimonial, e vender ativos na casa de US$ 95bi por mês. Isso quer dizer que o Fed passa de ser um grande comprador do mercado para um grande vendedor. Vários membros do Fed querem 2 aumentos de juros a cada reunião (0.5%) em vez de somente 1 aumento tradicional (0.25%)”, comenta Andrey Nousi, CFA e fundador da Nousi Finance
“No último ciclo de redução de balanço patrimonial em 2017-2019, o Fed vendia cerca de US$ 50 bi por mês e subia somente 0.25% por reunião. Portanto, isso corrobora que o Fed está muito preocupado com a inflação e está tomando decisões fortes para segurá-la”, acrescenta.
“Naturalmente isso é ruim para o mercado, pois terá um grande vendedor natural do mercado e é por isso que as bolsas estão caindo e junto com elas levam as criptos.
Em um cenário de Risk-off, o dólar volta a subir, pois com juros maiores nos EUA, fica mais atrativo investir nos EUA que em outros países”, conclui Nousi sobre a ata do Fed.
A equipe de Macro & Estratégia do BTG Pactual analisa: “A minuta da reunião de 16 de março reafirmou o tom hawk do comunicado/coletiva, bem como das falas dos membros das últimas semanas. Dentre os diversos pontos, vale destacar inicialmente:
- o Comitê avançou na discussão do ajuste do balanço do Fed (aperto quantitativo), conforme sinalizado por Jerome Powell na press conference. Em linhas gerais, esperávamos simulações sobre o processo, colocando um cap de US$ 80 bi/mês como cenário inicial, mas a ata mostrou cenário de US$ 95 bi/mês (US$ 60 bi/mês UST e US$ 35bi MBS). Vale ressaltar que vários membros reforçaram a opção de um ritmo mais acelerado do que aquele verificado entre 2017 e 2019 (que teve pico próximo de US$ 50 bi/mês). O cap mensal pode ser revisto de três em três meses, ou mais, a depender da situação econômica. Além disso, o vencimento mensal de MBS não atinge o cap sugerido, ou seja, deixando opcionalidade de venda ativa à frente (provavelmente 2H22);
- Sobre alta de juros, no comparativo ao ciclo de 2015, o comitê entende que o estágio atual da economia (inflação e mercado de trabalho) demandará um ciclo mais rápido de alta de juro – o que já está na curva. Apesar da decisão por 25 bps, alguns participantes (“many”, expressão que usualmente reflete um número grande de membros, entre 8 e 9) apontaram que uma ou mais altas de 50bps seria “apropriado” para reuniões futuras. Apenas um membro votou efetivamente por 50bps (Bullard), mas agora sabemos que vários já estavam com a mesma cabeça para os próximos eventos. Hawk, reforçando falas recentes;
- entre os riscos inflacionários, os participantes voltaram a reforçar a forte demanda agregada, pressão de preços de energia e commodities, e a interrupções na cadeia de suprimentos, que precisarão de um período longo para serem resolvidas. Além disso, a desancoragem é um ponto de preocupação (a inflação afetando a dinâmica futura) e o mercado de trabalho, com pressão salarial. Hawk, mas em linha.”
Diz ainda o BTG: “Sobre os 8 membros votantes do comitê do Fed em 2022, a maioria já revelou apoio para uma aceleração do ritmo de altas de 25bps para +50 bps na próxima reunião (4 de maio, nosso cenário base).”
Rob Correa, analista de investimentos CNPI e autor do livro “Guia do Investidor de Sucesso no Longo Prazo”, observa: “O tom de cautela do fechamento de hoje, que fez a bolsa retroceder aos 117 mil pontos, reflete o contexto de aversão ao risco e ao receio quanto às próximas decisões do Fed, já que no último pronunciamento Lael Brainard diz que o órgão ‘tomará ações ainda mais fortes para conter a inflação'”.
Correa finaliza: “Outra motivação para o mau humor dos mercados foi a divulgação da ata do Fomc ao fim do pregão da bolsa brasileira. No documento, consta que as autoridades do Fed concordaram em diminuir seu balanço patrimonial em US$ 95 bilhões, além da redução em US$ 60 bilhões em títulos do Tesouro por mês e US$ 35 bilhões em títulos lastreados em hipotecas. Apesar de nenhuma decisão final ter sido tomada, os membros concordaram em começar a redução do balanço entre os dias 3 e 4 de maio e anunciaram que a inflação e a alta dos preços de energia irão pressionar o mercado por mais alguns meses.
Com informações do Estadão Conteúdo