O Federal Reserve (Fed) divulgou nesta quarta (1º) o Livro Bege, documento consolidado pelos membros da instituição a partir de pesquisas feitas com economistas, analistas, empresários e agentes de mercado de doze distritos dos EUA. O levantamento e a análise servem como orientação para as reuniões do banco central sobre política monetária. A maioria dos distritos no país informa que lidou com altas fortes ou robustas nos preços recentemente, especialmente nos custos de insumo, informa o documento desta quarta. Alguns deles revelaram preocupações ainda maiores com a economia, mencionando o temor por uma recessão.
A preocupação com a alta de preços, as perspectivas de desaceleração econômica e até sinais de recessão foram apontados no levantamento do Fed pelos distritos. A maioria dos distritos apontou crescimento fraco ou modesto desde o último levantamento, realizado em março último.
Metade deles, porém, observou no levantamento do Fed que a maior parte de seus contatos manteve seus lucros por meio do repasse de custos para clientes e consumidores, muitas vezes com sobretaxas de combustível.
As bolsas nos EUA reagiram mal aos apontamentos: Dow Jones cedeu 0,54%, o S&P 500 caiu 0,75% e Nasdaq recuou 0,72% – também porque alguns dirigentes voltaram a defender aumentos maiores de juros nas próximas reuniões do Fed.
Além disso, no Livro Bege, mais da metade dos distritos citou menor demanda por consumidores em algum nível, como compras em menor volume ou substituição por marcas mais baratas.
Pesquisas em dois distritos apontaram aumentos anuais de seus preços de venda na faixa entre 4% e 5%, enquanto um distrito observou que as expectativas de preços de suas empresas caíram por dois trimestres consecutivos.
Dois distritos notaram que o nível de inflação foi uma continuação da tendência. No entanto, outros três observaram que os aumentos de preços de seus próprios bens ou serviços se moderaram “um pouco”, mostra o Livro Bege do Fed.
Todos os distritos tiveram crescimento econômico contínuo desde a publicação anterior do Livro Bege, mostra documento. Mas quatro deles notaram explicitamente que o ritmo do crescimento diminuiu desde o período anterior, enquanto outros quatro indicaram crescimento moderado e o restante, leve ou modesto
Oito distritos relataram expectativas menores de crescimento econômico entre seus contatos, enquanto em outros três foram expressas preocupações explícitas com a possibilidade de recessão.
O ciclo de alta de juros, inflação elevada, a invasão russa à Ucrânia e os impactos da mais recente onda de casos da covid-19 estão entre as preocupações principais sobre os planos de famílias e negócios.
Dos contatos consultados, a maioria citou o mercado de trabalho e gargalos de oferta. Entre varejistas, foi notado o impacto da alta de preços sobre a demanda dos consumidores, enquanto o setor de imóveis residenciais observou fraqueza, com compradores enfrentaram preços altos e taxas de juros crescentes.
Na indústria, porém, a maioria dos distritos relatou crescimento contínuo.
Fed: emprego aumentou moderadamente
A maioria dos distritos norte-americanos relata que o emprego aumentou moderadamente em um mercado de trabalho descrito por eles como apertado.
Segundo o relatório do Fed, um distrito relatou explicitamente que o ritmo de crescimento do emprego havia diminuído, enquanto algumas empresas na maioria dos distritos costeiros notaram congelamento de contratações ou outros sinais de que o aperto do mercado começou a diminuir.
O documento ainda revela que, na maioria dos distritos, as empresas relataram um forte crescimento salarial.
Em alguns, entretanto, as empresas notaram que os aumentos salariais estavam se estabilizando ou diminuindo. “Além disso, enquanto as empresas em todo o país geralmente preveem que os salários aumentem ainda mais no próximo ano, um distrito indicou que a taxa de crescimento salarial de suas empresas caiu por dois trimestres consecutivos”, destaca.
Outro problema que o texto aponta é a escassez de trabalhadores, que continuou a forçar muitas empresas a operar abaixo da capacidade. “Em resposta, as empresas continuaram a implantar automação, oferecer maior flexibilidade de trabalho e aumentar os salários”, diz o Livro Bege.
Ritmo de aumento de juros em 50 pb por reunião é adequado, diz dirigente do Fed
Mais cedo, presidente da distrital do Fed em St. Louis, James Bullard, afirmou nesta quarta-feira que considera adequado o nível atual de aumento de juros em 50 pontos-base (pb) em cada reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês).
Em evento virtual organizado pelo Clube Econômico de Memphis, o dirigente ressaltou que a autoridade monetária deve subir juros rapidamente para controlar a recente escalada inflacionária nos Estados Unidos.
Na visão dele, aumentar a taxa básica gradualmente ao longo deste ano e no próximo não seria adequado. “Se inflação estiver controlada, podemos reduzir juros no final de 2023 ou em 2024”, ressaltou.
Bullard, que tem direito a voto nos encontros do FOMC este ano, disse que espera que o Fed consiga reduzir a inflação “nos próximos trimestres ou anos”. Para ele, não há evidências de uma espiral de altas dos salários nos EUA.
O dirigente acrescentou que não prevê um quadro de recessão no horizonte econômico do país e destacou que a guerra na Ucrânia tem impacto mais forte na Europa. No entendimento dele, o dólar não perderá o status de moeda hegemônica no mundo no curto prazo.
Credibilidade da autoridade monetária
O presidente da distrital do Federal Reserve em St. Louis argumentou ainda que a atual situação macroeconômica dos Estados Unidos está prejudicando a credibilidade da autoridade monetária em relação à capacidade de manter a inflação na meta de 2%.
Ele explicou que as taxas de referência no mercado já subiram acima dos níveis pré-pandemia, ao contrário dos juros do BC americano. “O Fed ainda precisa ratificar o forward guidance estabelecido anteriormente, mas os efeitos na economia e na inflação já estão surgindo”, destacou.
Bullard lembrou que, antes da crise sanitária, o Produto Interno Bruto (PIB) crescia a 2,6%, a inflação PCE estava em 1,5% e a taxa de desemprego, em 3,6%. “Isso pode fornecer uma referência prática para onde a constelação de taxas pode se estabelecer quando a inflação estiver sob controle nos EUA”, destacou.
O líder da regional do Fed acrescentou que, embora estejam baixas, as expectativas de inflação ainda podem avançar.
Segundo ele, a autoridade monetária já subiu juros e prometeu fazer novas elevações, além de reduzir o balanço de ativos. “O forward guidance futura essas dimensões está ajudando o Fed a mover a política mais rapidamente para o grau necessário para manter a inflação sob controle”, avaliou.
Dirigente do Fed defende subir juros mais rapidamente ao nível neutro de 2,5%
A presidente da distrital do Fed em São Francisco, Mary Daly, argumentou nesta quarta-feira que a autoridade monetária deve subir juros mais rapidamente em direção ao nível neutro, isto é, o patamar em que as taxas nem estimulam, nem comprimem a atividade econômica. Em entrevista à CNBC, a dirigente estimou que esse nível está em 2,5%. Atualmente, as Fed Funds estão na faixa entre 0,75% e 1,00%.
Mary Daly, que não tem direito a voto nas reuniões do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) deste ano, explicou que busca não fazer previsões para além dos próximos dois encontros. Na visão dela, a incerteza no cenário econômico dificulta esse tipo de projeção.
A líder da regional de São Francisco do Fed acrescentou que espera que a inflação tenha atingido o pico, mas que “não declara vitória”.
Ela ressaltou que, para que haja uma desaceleração sustentada nos preços, a China deveria insistir no relaxamento das restrições contra a covid-19, o que traria alívio às cadeias produtivas. Daly citou ainda dúvidas sobre a guerra na Ucrânia.
A dirigente se disse “bem otimista” em relação à maior economia do planeta e enfatizou que não prevê uma recessão no horizonte do país. No entendimento dela, não há sinais de espiral positiva nos salários, como efeito secundário da inflação.
Mary Daly destacou que o Fomc ainda decidirá se o Fed venderá os títulos do balanço de ativos no processo de aperto quantitativo (QT, na sigla em inglês). “Precisamos remover acomodação monetário, mas abertos aos dados econômicos”, afirmou.
Com Estadão Conteúdo