O cenário de escalada de preços nas principais potências globais agravado pelo risco de crise energética na Europa e o temor de recessão nos Estados Unidos dominaram o Simpósio de Política Econômica de Jackson Hole, tradicional reunião de banqueiros centrais.
Diferentes vozes sinalizaram que serão necessários contínuos aumentos de juros nas economias desenvolvidas, como nos Estados Unidos, com as autoridades monetárias tendo papel decisivo para conter as expectativas de inflação, enquanto nas emergentes esse movimento já está mais adiantado.
Presencial pela primeira vez desde a pandemia, o encontro, que terminou ontem, mexeu nas expectativas dos mercados, com a aversão a risco predominando em Wall Street.
O ponto alto do evento foram os cerca de dez minutos da fala do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Jerome Powell, que reforçou o compromisso em trazer a inflação para a meta de 2% – mencionada quatro vezes – apontando que novas altas de juros serão necessárias e que o corte nas taxas não vem tão cedo.
“Estamos mudando a postura da nossa política propositalmente para um nível que será suficientemente restritivo para retornar a inflação a 2%”, disse o líder do BC americano.
No mercado, suas falas foram vistas como hawkish (postura caracterizada pela elevação de juros), mas não o suficiente para trilhar o mercado para uma única direção.
Gigantes de Wall Street seguem divididos quanto ao ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos agora e também para 2023. Enquanto o Goldman Sachs manteve a expectativa de uma alta de 50 pontos-base na reunião de setembro, o rival Citi reiterou a visão de que virá uma terceira elevação no patamar de 75 pontos-base.
“Dada a dependência de dados do Fed desde julho, não é surpresa que Powell não tenha dado uma orientação futura mais específica sobre um aumento de taxa de 50 ou 75 pontos-base (0,5 ou 0,75 ponto porcentual)”, avalia o estrategista do holandês Rabobank para os EUA, Philip Marey.
Tanto Powell quanto Wall Street aguardam mais dados da economia dos Estados Unidos para calibrar as expectativas para a próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), em setembro.
Dentre eles, está a situação do mercado de trabalho nos EUA, cujo relatório será divulgado na próxima sexta-feira, além de novos indicadores de inflação após dados de julho sinalizarem que o pico pode ter sido superado. “Uma melhora de um único mês fica muito aquém do que o Comitê precisará ver antes de estarmos confiantes de que a inflação está caindo”, disse Powell.
Desafios dos Estados Unidos e dos bancos centrais
Representantes de organismos mundiais sustentaram a necessidade de os juros continuarem subindo nas principais economias do mundo para controle da inflação. Chamaram atenção também para os novos desafios das autoridades monetárias trazidos por eventos como a pandemia e a guerra na Ucrânia.
A vice-diretora gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, fez um alerta quanto ao “risco significativo” de o ambiente atual, marcado pela disparada nos preços, levar à desancoragem das expectativas de inflação.
“Os bancos centrais devem agir hoje de forma decisiva para evitar o risco de desancoragem”, disse Gopinath. “Com a inflação chegando perto de dois dígitos nos Estados Unidos e em muitas economias avançadas, e alguns mercados emergentes experimentando uma inflação ainda mais alta, esses riscos são mais relevantes para a economia global do que em qualquer momento nas últimas décadas.”
O gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Agustín Carstens, reforçou a importância da ação dos BCs para manter a inflação sob controle. “A política monetária precisa enfrentar o desafio urgente de lidar com a atual ameaça inflacionária”, disse o gerente-geral do BIS, uma espécie de banco central dos bancos centrais.
O Simpósio de Jackson Hole também teve espaço para as economias emergentes. Gopinath, do FMI, chamou atenção para o fato de esses países terem respondido mais rapidamente às pressões inflacionárias do que os pares desenvolvidos. Em novo alerta, porém, lembrou que os emergentes são mais suscetíveis a choques externos e desancoragem das expectativas de inflação, uma vez que possuem credibilidade ainda mais frágil.
Já Carstens, do BIS, em um recado geral a banqueiros centrais, assim como para dos Estados Unidos, disse que, quão mais rápido os formuladores de políticas reconhecerem a necessidade de uma redefinição e se comprometerem com estratégias de crescimento sustentável, focadas na revitalização do lado da oferta, “mais forte e resiliente” será a economia global. “Se conseguirmos fazer isso, novos ventos favoráveis poderão surgir, com benefícios substanciais tanto para o crescimento quanto para a estabilidade de preços.”
(As informações são do jornal O Estado de S. Paulo, com Estadão Conteúdo)