O que é a estagnação secular e por que amedronta tanto os mercados
Um espectro ronda os mercados internacionais. O espectro da estagnação secular.
A paráfrase da primeira linha do “Manifesto do Partido Comunista” de Karl Marx poderia ser utilizada também no debate sobre a estagnação secular. O grande medo que assombra os Bancos Centrais e os governos do mundo inteiro, sobre a ineficácia da política monetária para fazer frente a uma crise econômica.
O indicador que deixa muita gente assustada, mostrando o risco concreto de uma estagnação secular, é o R*. Ou também chamado de “taxa estrelada”.
O R* é o que os economistas chamam de taxa natural de juros. É a taxa de juros real que deve prevalecer quando a economia estiver em plena força.
Embora os Bancos Centrais definam as taxas de juros de curto prazo, o R* é o resultado de fatores econômicos de longo prazo além da influência dos Bancos Centrais e da política monetária.
Essa é a variável oculta à qual está vinculado o desempenho de uma economia.
Não em sua oscilação cíclica, ou seja nas fases transitórias trágicas ou felizes de recessão e superaquecimento da economia. Mas sim a oscilação estrutural de longo prazo.
A prosperidade do futuro de um país, as perspectivas econômicas de nossos filhos e netos dependem do indicador R*.
E, mais concretamente, o sucesso e o fracasso de qualquer política monetária. A capacidade de atingir a meta de inflação (e, portanto, de amortecer as fases dos ciclos econômicos positivo ou negativo).
Analisando o R* atual podemos tentar responder à pergunta: estamos enfrentando uma estagnação secular?
Fenômeno que os economistas tentam explicar
Mas vamos por ordem. Existe um fenômeno que os economistas estão tentando explicar. Analisando os dados do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos desde 1946 aparece uma clara tendência de estagnação secular.
Há 60 anos, a economia dos Estados Unidos cresceu em média 0,84% ao ano. Cada vez que o PIB desviou desse valor, empregos foram criados ou cancelados, empresas nasceram ou morreram. A tendência de fundo, no entanto, era sólida e constante: crescimento no longo prazo.
Com a Grande Recessão de 2008, aparentemente, algo mudou. Aquela crise foi muito diferente das outras. Sob um perfil estrutural.
O PIB dos EUA começou a crescer, oscilando em torno de um valor trimestral de 0,57%. Tornou-se estruturalmente mais lento.
No quarto trimestre de 2019, o Produto Interno Bruto dos EUA – se tivesse seguido a tendência “antiga” – deveria ter atingido US$ 24,827 trilhões (cerca de R$ 130 trilhões) (em valores de 2012). Em vez disso, parou em SU$ 19,203 trilhões. Ou seja 22% menos do que o esperado. Um fenômeno semelhante pode ser encontrado em outras economias, principalmente a da União Europeia (UE).
O que aconteceu? Uma das explicações se baseia na teoria de 1938 do economista Alvin Hansen, chamado de “Keynes dos EUA”.
Naquela época, mesmo 10 anos após a Grande Depressão de 1929, a economia dos EUA parecia não querer se recuperar totalmente.
Por isso, Hansen, um dos economistas mais influentes de sua época, começou a falar em “estagnação secular”. Um conceito do qual alguns economistas marxistas se apropriaram na década de 1980 para explicar a financeirização da economia.
Em 2009, o economista alemão Hans-Werner Sinn, em um artigo profeticamente intitulado “Esqueça a inflação”, retomou o conceito. E em 2013 Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA durante a presidência de Bill Clinton, também relançou a ideia de uma estagnação secular.
Segundo eles, por causa das novas condições estruturais, a poupança e os investimentos só conseguem encontrar um equilíbrio em um nível de crescimento inferior ao do passado.
Qual seria a causa dessa mudança?
Segundo os economistas, existem muitos fatores em jogo – até mesmo as mudanças climáticas. E todos apontam em uma direção: muita poupança, poucos investimentos.
Um dos fatores é a redução do crescimento da população, que aumenta mais lentamente do que no passado. Isso levou a uma redução na demanda por bens de capital (e, portanto, por investimentos) para tornar os trabalhadores mais numerosos e produtivos.
Um fenômeno que também poderia ter sido impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico, que fez com que os preços dos bens de capital caíssem.
Isso significa que a produção de bens não de consumo – a “poupança” em termos reais – desacelere, e a poupança em termos monetários se acumule.
É verdade que uma população mais idosa tende a usar as poupanças (financeiras) para sobreviver. Uma tendência que se tornará cada vez mais importante no futuro.
Entretanto, diante da perspectiva de viver mais, trabalhadores de todas as idades tendem a economizar mais para lidar melhor com a idade de aposentadoria. Além do fato que muita gente consegue trabalhar, e portanto produzir renda, até o final da vida, pois os trabalhos onde é necessária força física são cada vez menores. E isso aumenta a massa de poupança.
O envelhecimento da população também desacelera a produtividade. Pois é a dos trabalhadores mais jovens que cresce mais rapidamente.
Por último, o aumento das desigualdades em favor dos mais ricos, que tem uma propensão marginal a poupar maior, acaba por alimentar ainda mais o fenômeno.
Estagnação secular já entre nós há décadas
Essa tendência a uma estagnação secular estaria ativa há algum tempo, mas a exuberância financeira do começo do milênio a teria escondido.
A corrida por ações seguras, que começou após a Grande Recessão, está ligada também ao envelhecimento da população.
Pessoas idosas tendem a evitar investimentos de riscos, acelerando o fenômeno e deprimindo ainda mais os rendimentos já limitados pela queda nos lucros causada pela desaceleração da produtividade.
Entretanto, essa ideia de estagnação secular foi duramente criticada por economistas que evidenciam os riscos ligados a essa visão.
Isso especialmente no que diz respeito da complexidade dos fenômenos em jogo. E também especialmente por causa da forte tentação de resolver esse problema aumentando os gastos públicos e a dívida pública.
Isso já está sendo feito há trinta anos em uma das maiores economias do mundo, o Japão, com sucesso muito limitado.
Sem contar que isso alimentaria ainda mais a desigualdade já crescente, favorecendo os lucros e em detrimento dos salários.
Um ponto sobre o qual quase todos os economistas concordam é que muita poupança e poucos investimentos significam uma só coisa: as taxas de juros que deveriam colocá-los em equilíbrio caem para níveis muito baixos.
Para que a economia seja saudável, não importa, porém, atingir qualquer equilíbrio e qualquer taxa de juros.
O que importa é que o equilibro permita utilizar todos os recursos disponíveis, começando pelos trabalhadores, mantendo o nível dos preços sob controle.
A importância do R*
E é nesse ponto que o R* entra em jogo, sendo considerada a taxa de juros real neutra.
A R* não é uma variável monetária – como a taxa nominal – mas diz respeito à estrutura da economia.
É a taxa que equilibra a poupança – em volume, não em dinheiro: bens e serviços não destinados ao consumo – com os investimentos e, ao mesmo tempo, garante o uso de todos os recursos disponíveis e preços estáveis.
É também um conceito importante para a política monetária, que move as taxas nominais. A diferença entre a taxa definida pelos bancos centrais e a taxa “real” deve ser compensada ao longo do tempo pela inflação e, portanto, imediata e temporariamente, pelo crescimento cíclico.
Simplificando: se as taxas de crédito forem inferiores a R*, a economia é estimulada até que os investimentos, os empregos, os salários tenham trazido os preços ao nível desejado.
O oposto ocorre quando as taxas básicas de juros decididas pelos Bancos Centrais são mais altas: os investimentos são desencorajados, as empresas mais fracas quebram, os empregos diminuem, os salários tendem a cair, os preços também.
Mas quando o R* está muito baixa, o jogo fica complicado. Isso pois as taxas de juros bancárias não podem cair abaixo de zero e a economia trava.
É isso que está acontecendo nesse momento em muitos lugares do mundo? A resposta não é imediata, por um motivo muito simples: R * não é observável de forma tão fácil, mas é calculada com base em um modelo teórico, com todas as simplificações e erros estatísticos do caso e mudanças ao longo do tempo.
Preocupação dos banqueiros centrais
A sede de Nova York do Federal Reserve – presidida por John William um especialista em R*- calcula trimestralmente essa taxa para os Estados Unidos e para algumas grandes economias do mundo.
Os dados mostram uma tendência de queda da taxa neutra que, na pesquisa de outubro de 2019, antes da epidemia, atingiu 0,41% para os EUA e 0,48% para a Zona do Euro. Durante as quarentenas e os lockdowns provocados pela pandemia do novo coronavírus (covid-19), os dois valores passaram para 0,03% e 0,63%, respectivamente.
No entanto, os métodos de cálculo podem ser diferentes. Segundo um documento elaborado pelo Banco Central Europeu (BCE), e publicado em março de 2019, a taxa de juro real neutra estaria declinando a médio prazo tanto nos EUA como na Zona Euro, onde deveria ter ficado abaixo do zero desde a crise financeira de 2008, que viu com uma retomada mais forte nos Estados Unidos
A hipótese de estagnação secular – ou, melhor, o declínio do R* – nos permite explicar muitas coisas que estão ocorrendo nesses anos. Mas, acima de tudo, o indicador como é difícil para o BCE e para o Fed empurrar a inflação para cima. Mesmo com taxas básicas de juros zero ou negativas.
E isso poderia levar muitos governo a decidir de levar adiante uma política fiscal expansionista, focando no crescimento dos orçamentos públicos e investindo pesado, por exemplo, em infraestruturas.
A relativa falta de interesse pela estabilidade dos preços nos discursos dos banqueiros centrais já é um sinal de que a estagnação secular, e as receitas para combatê-la, está bem clara em seus pensamentos.