No intervalo de um mês, entre novembro e dezembro, quem investiu em Bitcoin foi da euforia ao pânico: após atingir sua máxima histórica ao preço de US$ 67 mil, a criptomoeda tropeçou no preocupante cenário macroeconômico e perdeu 20% de seu valor de mercado, para o patamar de US$ 47 mil — e segue oscilando, se segurando nesse patamar.
O otimismo com o crescimento do Bitcoin foi abalado e instaurou uma dúvida nos investidores: as criptomoedas realmente podem ser uma alternativa para se proteger das inseguranças da bolsa de valores? Essa foi uma tese que impulsionou o investimento nos ativos digitais este ano.
Havia a expectativa de a moeda atingir a marca histórica de US$ 100 mil até o fim do ano. Atualmente na metade deste valor, seria o Bitcoin um navio naufragando ou um bote salva-vidas?
Para os investidores de longa data, o tropeço não muda os fundamentos e o horizonte de ganhos. Tasso Lago, gestor de fundos privados em criptomoedas e fundador da Financial Move, explica que a volatilidade ocorreu como reação à variante ômicron e à alta dos juros, que mexem com o apetite de risco em investimentos de renda variável — ou seja, em um movimento de curto prazo.
Além disso, a aproximação entre as criptomoedas e o investidor tradicional, reforçada pelo primeiro ETF de Bitcoin dos EUA, expôs o ativo a uma nova classe de investidores, menos acostumada à volatilidade das moedas digitais e propensa a vender em momentos de crise. Desta forma, o ciclo do Bitcoin se tornou mais reativo aos movimentos do mercado tradicional.
“Os investidores estão começando a perceber a vantagem do Bitcoin, que está cravado no código e é imutável”, disse o fundador do Mercado Bitcoin e atual CEO da Digitra.com, Rodrigo Batista. O empresário comenta que o movimento “coroa o ano institucional do Bitcoin”.
Batista explica que a limitação artificial do ativo, que determina a existência de no máximo 21 milhões de moedas, é justamente o que a torna uma proteção forte em momentos de inflação alta. Basta o mercado tradicional se acostumar com a ideia.
“Enquanto um ativo está sendo impresso, o outro tem a oferta reduzida a cada quatro anos. Então, sem saber nada desses dois ativos, em qual você prefere investir?”, questiona Ray Nasser, CEO da Arthur Mining, mineradora de Bitcoin nos Estados Unidos. Para ele, a limitação é o que preserva o valor da moeda, mesmo diante dessas oscilações.
“Essa correção do Bitcoin é extremamente normal, já que o mercado estava muito eufórico, sendo um momento em que muitas pessoas entraram com capital sem analisar os fundamentos, e assim que houve uma pequena queda, esses investidores se desfizeram de suas posições, formando um efeito dominó que resultou na grande queda. Mas logo os preços devem se estabilizar e voltar a subir”, diz o CEO do Brasil Bitcoin, Marco Castellari.
Lago reforça ainda que “falar em perdas” é relativo. Esse atual patamar de US$ 50 mil, visto de forma pejorativa, representa, na verdade, uma valorização de 159% quando visto na janela de um ano.
“A volatilidade dele continua alta, com variações de curto prazo, mas no longo prazo tem se provado como uma ótima reserva de valor. Se você pinçar qualquer período de dois anos, por exemplo, os ganhos foram gigantescos. Isso deve continuar acontecendo por pelo menos mais uns cinco anos”, completa Batista.
Além do Bitcoin: criptomoedas apresentam oportunidades
Não foi só o Bitcoin que animou investidores recentemente, mesmo com as quedas. O também famoso Ether (ETH) apresentou variação de 629,6% em dólar neste ano, até 9 de dezembro, alcançando sua nova máxima histórica, de aproximadamente US$ 4,73 mil. O ativo ainda consta com tendência crescente.
O valor do Ether é derivado do uso da rede Ethereum — que inclui games, NFTs e DeFi –, tornando o ativo ainda menos suscetível que o Bitcoin à movimentação do mercado, uma vez que a criptomoeda perde parte do impulso quando o mercado tradicional retoma as rédeas. O Ether, por sua vez, continuará valorizando enquanto o uso de sua rede expandir.
Nasser comenta, porém, que os “Ethereum killers” como o Solana (SOL) podem tomar o lugar do ativo em breve. O especialista acredita que essa tecnologia “faz tudo que o Ethereum faz, só que melhor”. A plataforma de blockchain ainda opera em fase beta, mas já disputa o mercado do Ethereum, apresentando poder de processamento três mil vezes mais rápido que o rival.
Mas é preciso ter um pé atrás. Rodrigo Batista afirma que projetos mais recentes, como o Solana, exigem do investidor um apetite de risco muito maior. Segundo ele, o projeto é promissor, mas por ser muito novo ainda não se provou e pode ter problemas sérios.
Enquanto o Bitcoin é visto como reserva de valor no universo cripto, as moedas alternativas se apresentam como um investimento para os mais dispostos a encarar volatilidade. Neste cenário, diversas moedas “meme” e de jogos chamaram a atenção devido ao crescimento exuberante.
Como exemplo, a Dogecoin (DOGE) chegou a disparar 14.000%. Shiba Inu (SHIB) só em outubro cresceu 700%. Já quem investiu em Axie Infinity (AXS) desde o começo do ano vivenciou valorização de 28.071,1%. Todos são projetos novos que obtiveram crescimento inicial muito além do esperado.
Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da gestora de criptoativos QR Asset, faz um alerta sobre esses projetos novos: por ser de código aberto, muitos tentam lucrar com cópias do Bitcoin, mas o que torna o ativo valioso são outros fatores.
Enquanto o Bitcoin possui uma enorme comunidade de colaboradores melhorando o projeto, muitos criptoativos surgem para lucrar com especulação a curto prazo, mas sem uma base sólida que os sustente. “As pessoas estão entrando em esquemas que sabem que são pirâmides, mas há aquela vontade de entrar no início, muitas vezes quando o negócio já está até morto”.
Por isso, o grande desafio para quem quer se aventurar além do Ether e Bitcoin é separar o joio do trigo. Para uma análise mais fundamentalista das moedas, Ludolf explica que “você vai pensar muito em efeitos de rede“. Isso inclui analisar parâmetros como a quantidade de usuários e transações, a comunidade de programadores, oferta e demanda.
“Acho que no meio termo entre um Bitcoin, que é mais antigo e seguro, e projetos mais novos e arriscados, a gente tem a Stellar (XLM)”, diz Batista, que o acompanha de perto. A moeda teve valorização de 111.48% este ano.
“Uma das minhas empresas atua junto deles e dá pra perceber a seriedade. Não é um projeto que surgiu para deixar muita gente rica e não produzir nada, é um projeto que tem programadores, plano de negócios e tudo mais.”
Mas Ludolf também vê pontos positivos em projetos novos, trazendo consigo modelos de negócios que começam a se aproximar cada vez mais de métricas de empresas tradicionais. Deu o exemplo da gamecoin do jogo Axie Infinity, que está gerando renda para os jogadores. Dessa forma, é possível começar a projetar fluxo de caixa, com métricas de valuation mais tradicionais que os efeitos de rede.
O especialista acredita que veremos intensificar nos próximos anos a institucionalização do Bitcoin, com a adoção exponencial da moeda por investidores e instituições tradicionais. A maturidade do ativo também deve popularizar o cenário cripto como um todo. Somado ao crescimento das NFTs, no entanto, o surgimento de mais projetos furados está no radar.
Com isso, os ETFs de cripto podem ser uma opção para aqueles que querem investir sem fortes emoções. “Eu penso que a missão da QR é oferecer um produto institucional, produto com qualidade, com pesquisa, critério de elegibilidade. Não entra qualquer coisa na minha carteira”, diz o diretor de investimentos.
No entanto, há quem discorde. “Não tem nenhuma vantagem. O ETF não compra Bitcoin, ele compra futuros de Bitcoin, é uma aposta”, afirma Nasser. O minerador lembra também que o fundo, diferentemente da negociação direta do Bitcoin, está vulnerável à má gestão.
Notícias Relacionadas