Famoso escândalo de sonegação fiscal ganha novo capítulo
A histórica Daslu foi comprada pela Mitre (MTRE3) conforme comunicado à CVM nesta quarta-feira (5). A loja de peças importadas de grifes como Chanel, Gucci e Prada foi a pioneira em seu modelo de negócios, até se envolver em uma escândalo de sonegação fiscal que a levou à falência.
A construtora Mitre adquiriu a marca Daslu por R$ 10 milhões, em uma estratégia de fortalecimento no mercado imobiliário de luxo e alto padrão. Agora, a construtora terá direito sobre as marcas da antiga varejista, que somam cerca de 50 nomes, entre eles Daslulu, Terraço Daslu, Daslu Vintage, Daslulabel, Villa Daslu e DasluShoe Space.
Nessa operação, a Mitre informa que busca oferecer aos clientes “produtos, serviços e experiências únicas, revolucionando o jeito de morar com qualidade e com um novo lifestyle”.
A ascensão da Daslu no Brasil
O ano era 1990. Em pleno Plano Collor, a empresária Eliana Tranchesi enxergou a possibilidade de aumentar a butique de bairro que havia herdado de sua mãe e da sócia, Lucia Piva de Albuquerque e Lourdes Aranha, integrantes da alta sociedade de São Paulo na época.
Com a liberação das importações no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), Eliana fez compras em showrooms de grifes na Europa com dinheiro emprestado e trouxe para vender no Brasil.
Com a alta demanda pelos produtos, a empresária começou a fechar acordos de exclusividade com as marcas e a loja se expandiu por casas do bairro da Vila Nova Conceição, em São Paulo.
Seu próximo alvo era trazer uma grande marca de luxo para suas vitrines. Com muita insistência, Eliana fez o que loja nenhuma no mundo havia conseguido: convenceu a Chanel a abrir uma loja dentro de outra loja, a Daslu.
A Daslu era tida como uma referência varejista, símbolo de altíssimo luxo na moda brasileira e ela não parou por aí. Aos poucos, Eliana foi trazendo ainda mais nomes de peso para a loja como Dior, Dolce & Gabbana, Giorgio Armani, Louis Vuitton, Prada e Yves Saint Laurent. O catálogo chegava a 150 grifes estrangeiras.
Em suas liquidações, a loja tinha os holofotes de vendas de grifes no Brasil e no mundo, com mais de 90% do estoque vendido. Isso tudo em uma época que o empreendedorismo feminino nem estava em pauta.
A singela butique acabou se mudando para a Vila Olímpia, às margens da Marginal Pinheiros, ocupando uma imensa área de 17.000 m² que custou R$ 200 milhões, chamada de Villa Daslu.
Estima-se que na época havia uma movimentação de R$ 400 milhões ao ano, na venda dos mais diversos produtos: desde itens para animais até decoração, cama, mesa, banho, roupas, cosméticos, bolsas, joias, administração de imóveis. Apenas em um desfile de lançamentos de coleção em 2005, a loja vendeu R$ 1 milhão.
Da sonegação fiscal à falência
A ascensão dos anos 1990 da Daslu teve fim na virada de século dos anos 2000.
Acredita-se que as investigações do Caso Daslu tenham começado por acaso, em outubro de 2004. Na ocasião, uma nota fiscal da Gucci foi apreendida em um carregamento no Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo. No documento, era informado que a venda do produto havia sido diretamente para a Daslu. Já a Receita Federal tinha o mesmo produto da grife italiana declarado como uma exportação de uma empresa de Miami, EUA, para uma importadora brasileira.
Nasceu então a suspeita de que as empresas eram usadas como fachada. A Operação Narciso, criada pelo Ministério Público, Receita Federal e Polícia Federal, investigou as lojas por um esquema frauduloso de subfaturamento de mercadorias importadas e sonegação fiscal. Na ocasião, Eliana e o irmão, Antonio Carlos Piva de Albuquerque, foram detidos, junto com outros dirigentes da empresa, mas ela foi liberada após seu depoimento.
A situação provocou comoção pública. A casa no Morumbi chegou a ficar lotada de flores enviadas por clientes, mas a loja mergulhou em dívidas e em anos de declínio.
Em 2009, Eliana Tranchesi foi condenada por formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documento. O tempo de pena somava 94 anos e seis meses de prisão, dos quais ela pagou 12 horas, sendo liberada com um habeas corpus de diagnóstico de câncer de pulmão.
Em 24 de fevereiro de 2012, Eliana Maria Piva de Albuquerque Tranchesi morreu, aos 56 anos.
Enquanto isso, a Daslu continuou mergulhando em processos e dívidas.
Com a nova aquisição da Mitre, o mercado de artigos de luxo agora aguarda os próximos movimentos de expansão que a Daslu pode vir a apresentar no futuro, muitos anos depois do escândalo de sonegação fiscal.