O mercado já precificou as dificuldades provocadas pela crise do novo coronavírus (covid-19), e até pelas turbulências políticas. Mas não estão preparados para uma eventual ruptura do teto de gastos.
Essa é a opinião da economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Helena Veronese, em entrevista exclusiva ao SUNO Notícias.
Segundo a economista, devemos aguardar uma alta iminente da taxa básica de juros (Selic) por parte do Banco Central (BC).
Mas isso não deveria afetar excessivamente a migração dos investidores brasileiros da renda fixa para a Bolsa de Valores.
Entretanto, Veronese expressou preocupações com o deterioração das contas públicas no País e com os riscos de um eventual abandono da responsabilidade fiscal.
Confira os principais trechos da entrevista com Helena Veronese.
- Qual a sua visão sobre o atual cenário macroeconômico no Brasil e internacionalmente?
Devemos dividir infelizmente o mercado no Brasil e o mercado internacional, pois estão passando por fases bem distintas. Lá fora temos um risco de inflação, por quanto ainda aparentemente sob controle, e uma economia se recuperando. Os mercados estão preparados para isso, pois Joe Biden é um presidente mais “inflacionário”. Ele está disposto a levar adiante políticas fiscais e monetárias expansivas com mais facilidade do que um mandatário do Partido Republicano.
O Federal Reserve (Fed) já está sinalizando que vai elevar os juros caso a inflação saia do controle. O mercado já está esperando também uma alta de juros, pelo menos no longo prazo, como vimos ocorrer na semana passada. E se os juros nos EUA sobem, no Brasil também deverão subir. Caso contrário, o investidor vai escolher não correr o risco-Brasil, e poderemos ver uma fuga de capitais do País.
Não é ainda o que está acontecendo, pois o mercado está entendendo a situação ainda como aceitável. Mas precisamos esperar os próximos dados macroeconômicos dos EUA para ver se de fato a inflação é um problema relevante ou se continua somente uma preocupação do mercado.
- A alta dos juros longos nos EUA seria então o prelúdio a uma alta da Selic no Brasil?
Vamos ter uma alta na taxa básica de juros aqui antes que nos EUA. Estamos prevendo uma alta já em março. Nos Estados Unidos a alta de ponta ocorreria somente em 2022. Isso não é garantia de nada, pois até o Fed – que está bem de olho na alta dos preços – está com um discurso que pode até tolerar um pouco de inflação se a economia se recuperar mais rápido. O que não é o cenário atualmente.
O Brasil vai entrar nesse ciclo de altas por outras razões, inclusive pela inflação, que por aqui está bem mais alta do que lá.
- A questão fiscal no Brasil não poderia piorar esse cenário?
O risco fiscal é o grande risco do Brasil. Não seria um problema se tivéssemos começado 2021 tentando colocar a casa em ordem. Mas isso não foi feito. E é um problema.
Não estou criticando o auxílio emergencial nem as medidas de sustentação do governo, elas tinham que ocorrer. Mas agora o governo vai gastar mais, não vai conseguir cortar despesas e a arrecadação diminuiu.
A ideia de criar um crédito extraordinário, que não rompe o teto, mas que de fato o rompe, gera um cenário muito delicado.
Não sabemos se em julho a pandemia vai ser controlada, e por isso poderíamos precisar de mais estímulos fiscais.
Mas para ter capacidade de gasto precisamos cortar despesas ou então precisamos de uma agenda reformista caminhando. Com cortes no funcionalismo, ou em setores que precisam ser cortados. Além das privatizações, entre outras coisas.
Tudo isso melhoraria levemente o cenário fiscal. Mas não parecem prioridades para Brasília. O Senado já deixou claro que vai barrar a privatização da Eletrobras (ELET3). E a atitude do governo com a Petrobras (PETR3; PETR4) não é das melhores.
- O mercado já precificou isso tudo?
O mercado já precificou um pouco. A piora é já evidente. Mas se tiver uma ruptura, se o governo simplesmente dizer que não vai mais respeitar o teto de gastos, isso o mercado ainda não precificou.
A preocupação fiscal era algo já existente antes dessa crise. Todavia, o mercado ainda parece considerar que o cenário econômico em 2021 vai ser de recuperação, principalmente no segundo semestre. Uma recuperação fiscal que, todavia, depende claramente do cenário político.
- Quando o presidente Bolsonaro anunciou a mudança na Petrobras, o mercado reagiu muito mal. O que a senhora achou dessa atitude?
No discurso oficial, isso foi algo pontual que não vai acontecer para sempre. O mercado ficou com a barba de molho. E percebeu que o risco de algo dar errado existe.
A Petrobras sempre vai estar sob risco de intervenção. Entretanto, se antes esse risco era quase zero, após esse episódio o risco está na mesa.
É difícil entender se isso vai ocorrer ou não.
Mas mesmo se o presidente Bolsonaro consiga controlar forçadamente o preço da gasolina ou da energia elétrica, a fuga de capitais que isso provocaria poderia criar uma inflação ainda maior dessa que estamos tentando controlar.
Ele já percebeu a reação do mercado. O mercado foi muito claro na reação. E espero que a mensagem seja compreendida.
- Falando de câmbio, estamos assistindo a uma progressiva desvalorização do Real. Qual a razão, se tivemos uma balança comercial muito positiva em 2020 e o fluxo de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) não diminuiu significativamente?
Por uma série de fatores diferentes. No ano passado o dólar subiu no mundo inteiro, não somente no Brasil.
Isso pois a pandemia do novo coronavírus (covid-19) foi como uma guerra. E em caso de guerra todo o mundo procura se refugiar em divisa forte. E o dólar é uma das mais fortes.
Mas o dólar subiu mais no Brasil do que em outros países emergentes. Isso pois aqui temos fatores de risco que outros países não tem.
A consequência dessa desvalorização do câmbio foi o superávit comercial. Teria sido muito menor caso essa queda do Real não tivesse ocorrido.
Agora, o dólar pode subir um pouco mais por causa da alta dos juros. E no futuro pessoalmente não consigo ver o dólar a menos de R$ 5, pelo menos em 2021, pois não estamos falando em reduzir o custo-Brasil.
A conta está chegando, e a conta para o Brasil é mais alta do que em outros países. E a questão política enfraquece todo o cenário econômico.
- Qual o efeito disso tudo na Bolsa de Valores? Existe o risco de uma fuga de investidores? Episódios como a da Petrobras podem levar muita gente a vender tudo e volta para a renda fixa?
Não acho que isso poderia ocorrer. Os juros do Brasil, mesmo que com uma alta, vão permanecer mais baixos do que no passado recente. E a única solução para ter uma maior rentabilidade nos investimentos vai ser a Bolsa. No médio-longo prazo o cenário não é ruim.
Agora, no caso da Petrobras, è claro que sempre vai ter um ou outro que quando uma ação despenca vende tudo. Sempre vai ter. Mas acho que o brasileiro vai estar cada vez menos desesperado e a volatilidade vai acabar diminuindo.