O dólar abriu junho em alta e chegou ao patamar de R$ 4,80, com movimento alinhado à onda de fortalecimento da moeda norte-americana no exterior. Indicadores econômicos nos Estados Unidos e alta persistente do petróleo avivam temores inflacionários e trazem de volta a percepção de que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) pode ser mais agressivo no ajuste da política monetária. Nesse cenário, nem a perspectiva positiva para preços das commodities, sustentada por relaxamento das medidas restritivas contra o covid-19 em Xangai e Pequim e por dados acima do esperado da produção industrial chinesa, conseguiram dar sustentação ao real.
Tirando uma queda na primeira hora de negócios, quando marcou mínima a R$ 4,7225, o dólar trabalhou em alta durante toda a sessão, tendo superado o teto de R$ 4,80 no início da tarde, quando atingiu máxima a R$ 4,8145 (+1,30%). No fim do dia, a moeda norte-americana era cotada a R$ 4,8041, alta de 1,08%. Com isso, a divisa dos EUA acumula valorização de 1,39% nesta semana. No ano, as perdas são de 13,84%.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – operou em alta firme, novamente acima dos 102,500 pontos, em meio a perdas fortes de euro, da libra e, em especial, do iene, após o Baco do Japão (BOJ, na sigla em inglês) reforçar a intenção de manter a política monetária frouxa.
O dólar também subiu frente à maioria das divisas emergentes e de países exportadores de commodities. O real, que vinha se sobressaindo entre seus pares, nesta quarta-feira amargou as piores perdas.
Nos EUA, o índice de gerentes de compras (PMI) da indústria medido pelo Instituto para Gestão da Oferta (ISM) subiu de 55,4 em abril para 56,1 em maio, na contramão das expectativas do mercado, de queda para 54,2. Essa leitura forte foi, em parte, temperada pelo avanço de 0,2% dos investimentos em construção em abril, menor que o previsto (+0,5%) e pela queda do PMI industrial da S&P Global de 59,2 em abril para 57 em maio. Já o Livro Bege, sumário das condições econômicas que serve de base para a decisão de política monetária do Fed, não chegou a ter influência relevante nos negócios.
Em todo caso, a sinalização é de que a economia americana ainda exibe bom desempenho, o que autoriza apostas de que o Fed pode ser mais agressivo e promover altas seguidas da taxa básica ao longo deste ano. A dúvida é se o aperto das condições financeiras induzido pelo BC americano vai conseguir arrefecer a inflação sem provocar uma desaceleração mais forte da atividade econômica.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que o mercado já começa a questionar a perspectiva de que, após mais duas altas seguidas da taxa norte-americana em 50 pontos-base, o Fed adotará uma pausa para avaliar os indicadores econômicos. “Dados fortes dos EUA ajudam a valorizar o dólar no exterior e aqui. Apesar do fluxo de recursos externos para nossa Bolsa nos últimos dias, a tendência é de um dólar mais forte, ligado ao exterior”, diz Velho, ressaltando que a alta persistente do petróleo prejudica as perspectiva para o crescimento global e, por tabela, alimenta a aversão ao risco.
A presidente do Fed de São Francisco, Mary Daily, disse que é preciso subir a taxa de juros rapidamente para o nível neutro, que ela estima em 2,5%. Os Fed Funds hoje estão na faixa entre 0,75% e 1%. Tido como integrante mais duro do BC americano, o presidente do Fed de St. Louis, James Bullard, afirmou que o ritmo atual de alta dos juros, de 50 pontos-base por reunião, é adequado neste momento.
Bullard disse, contudo, ser contra pausa no ciclo de alta de juros e que espera taxa em 3,5% até o fim do ano, acima do que considera o nível neutro (em torno de 2%). Tanto Daily quanto Bullard descartam a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos.
A especialista em renda fixa da Blue3, Letícia Cosenza, observa que é grande a expectativa para a divulgação, na sexta-feira, 3, do relatório de emprego (payroll) e da taxa de desemprego nos Estados Unidos em maio. “É preciso ver como está a questão do emprego para saber qual será a postura do Fed. O mercado deve continuar volátil até lá e o dólar tende a se fortalecer”, diz Cosenza, ressaltando que a preocupação com a inflação global deve continuar a pesar sobre os ativos de risco e favorecer a moeda americana.
O economista Bruno Mori, planejador financeiro pela Planejar, lembra que começa neste mês o início do processo de redução do balanço patrimonial do Federal Reserve, o que vai reduzir a liquidez no mercado e, por tabela, o apetite por ativos de risco. “Isso provavelmente deve trazer mais pressão sobre o dólar ao longo de junho.”, diz Mori, acrescentando que dados divulgados nesta quarta, como o PMI/ISM, mostram que os EUA seguem com atividade forte, em meio a um quadro de desemprego baixo e inflação elevada.
Com Estadão Conteúdo