A psicóloga Regina Giacomelli Politi, da cidade de São Paulo, não imaginava que se veria em maus lençóis quando se separou do marido, após 30 anos de casamento. Acostumada a entregar seu salário para o marido administrar, ela viveu um “pesadelo” quando precisou tomar as rédeas da sua vida financeira, porque não fazia ideia de como cuidar do seu dinheiro. Regina Politi, hoje com 60 anos, conseguiu dar a volta por cima, e é a sócia fundadora da GIMI Network, escola de finanças femininas, mas está longe de ser um caso isolado.
Muitas mulheres passam por situações parecidas, ao deixar a responsabilidade de cuidar das finanças para o marido, e pagam caro por isso. Elas têm maior probabilidade de chegar à velhice pobres, em comparação com os homens. Segundo o estudo do Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE), 22% das mulheres idosas vivem em risco de pobreza, em comparação com apenas 15% dos homens.
Existem algumas explicações para isso. Uma delas é que o público feminino tem mais dificuldade de pensar em dinheiro no longo prazo, embora elas sejam as principais gestoras do orçamento doméstico no dia a dia.
De acordo com uma pesquisa do banco UBS, feita em 2019, as mulheres têm facilidade em se envolver com responsabilidades financeiras de curto prazo. Por exemplo, a cada 10 mulheres, 8 estão altamente envolvidas na administração diária das despesas da casa e no pagamento das contas.
Em contrapartida, apenas 23% das mulheres são responsáveis pelas decisões financeiras de longo prazo, tais como planejamento para aposentadoria.
De acordo com a pesquisa, 58% das mulheres casadas, entre as 3,7 mil entrevistadas, delegam a responsabilidade aos seus cônjuges. Veja alguns dos motivos:
Delegar é só agravar o problema
No entanto, ao delegar os cuidados com o dinheiro, muitas mulheres esquecem que, no futuro, caberá a elas cuidar disso. Em média, a cada 10 mulheres, oito terão que se responsabilizar pelas próprias finanças em algum momento da vida, seja por causa de divórcio ou viuvez. Esses dados foram apresentados durante o evento Women In the World em 2019 pela diretora de Estratégia de Clientes Globais do banco UBS, Paula Polito.
Segundo Polito, a taxa de divórcio cresce em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, um a cada três casamentos termina em separação. E também, as mulheres vivem mais do que os homens.
A pesquisa do Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero aponta que ao longo da vida, as disparidades entre os homens e as mulheres prejudicam a independência econômica do gênero feminino e levam a que, numa fase mais tardia da vida, elas caiam muito mais facilmente na pobreza do que os homens.
Por esse motivo, educadora financeira da Genial Investimentos, Francine Mendes, afirma a importância de falar sobre finanças femininas.
“Faz muito sentido falar em finanças femininas até porque as mulheres não foram ensinadas a cuidar do dinheiro, foram ensinadas a cuidar de todo mundo menos do dinheiro. Além disso, a realidade da mulher é diferente do homem, a mulher vive mais, faz mais pausa na carreira e ganha menos que os homens, e 80% das mulheres terão que cuidar do dinheiro em algum momento na vida.”
Finanças femininas, ou só finanças?
Há quem diga que falar sobre finanças é tudo a mesma coisa, independente do gênero, mas as especialistas discordam.
Segundo Regina Politi, da GIMI, a principal diferença ao falar sobre finanças femininas é fazer a mulher dar um passo para trás e fazê-la enxergar o seu potencial para cuidar do seu próprio dinheiro.
Na educação de filhos, os pais já não costumam falar sobre dinheiro e quando falam, muitos conversam apenas com seus filhos homens.
“A diferença quando falamos de finanças femininas, temos que falar para ela o quanto ela é capaz de cuidar do seu dinheiro. Porque o homem já nasce sendo ensinado pela sociedade que ele é capaz, a mulher não! Então é importante trazer essa consciência à mulher”, apontou a sócia do GIMI.
O termo “finanças femininas” não tem o objetivo de criar uma carteira mais competitiva com os homens. Na verdade, trata-se de nichar o público para que elas se sintam representadas e tomem controle de suas vidas.
“Quando falamos de finanças femininas não estamos excluindo o outro, estamos apenas trazendo mais amparo para um determinado grupo de pessoas que hoje são a minoria no mercado financeiro”, disse a sócia da XP Investimentos e dona do perfil ExplicaAna, Ana Magalhães.
Além disso, o objetivo é mostrar que elas não precisam delegar sua vida financeira na mão de alguma figura masculina seja marido, pai ou irmão.
“Falamos com objetivo da mulher assumir a rédea da sua vida financeira, porque ela sempre delega essa função a algum homem. Ela precisa assumir para que de fato ela tenha o padrão de vida que ela merece”, disse Mendes.
Finanças femininas para que mulheres não vivam pesadelo
Regina Giacomelli Politi é psicóloga e fez formações na Itália e nos Estados Unidos. Suas prioridades sempre foram sua família – é mãe de quatro filhos – e sua carreira. O paradoxo, como ela mesmo aponta, é que apesar de investir em seu crescimento profissional, nunca se importou em cuidar do seu dinheiro.
Seu marido, com quem foi casada por 30 anos, era engenheiro de banco e cuidava dos recursos para a psicóloga.
“Inicialmente, eu nunca cuidei do meu dinheiro, sempre priorizei minha família e minha carreira, mas não sabia cuidar do meu dinheiro. Eu entregava tudo na mão do meu ex-marido, eu nem sabia o quanto ganhava.”
Após os primeiros anos de divórcio, o engenheiro continuou a cuidar da carteira de investimentos da psicóloga, mas depois Regina percebeu que não queria mais continuar com esse vínculo e que precisava de autonomia.
Foi neste momento que a psicóloga se viu em um pesadelo. Ela conta que, por muito tempo, teve insônia, dores na coluna, muita angústia e ansiedade, isso porque ela não sabia nem por onde começar a cuidar do seu dinheiro.
“Eu sofri demais, foi um pesadelo. Comecei a procurar cursos de investidores mas vi que não tinha, então fiz o CPA-10 e CPA-20, mas não é para investidor, é para quem vai trabalhar com o mercado financeiro. Fiz finanças na FGV, gastava uma fortuna de dinheiro, gastava muito tempo e tudo que eu precisava era 10% daquilo”, conta.
A psicóloga precisou agendar meio período do total de seus atendimentos para estudar. Mas apesar de todos os estudos, Politi pensava que “era muito investimento para pouco resultado”. Foi nesse período que Regina convidou suas amigas e hoje sócias, para estudarem em sua residência.
“Montei um grupo na minha casa todas as terças-feiras. Eu trazia os professores que conheci nos cursos para estudar com minhas amigas sobre como investir. Éramos seis em 2017 e depois nos tornamos 20 em 2019. Eu aprendi bastante e foi aí que surgiu o GIMI”.
O GIMI Network é uma escola com o foco em ensinar as mulheres a investirem com uma linguagem mais clara e de fácil acesso.
Educação financeira para mulheres é transformador
Já dizia a cantora Beyoncé ‘Who run the world? Girls’ (Quem manda no mundo? Garotas). No mundo do consumo quem dita são as mulheres, são elas que fazem a economia girar.
No entanto, ainda têm muito a avançar na hora de cuidar do próprio bolso. “As mulheres são responsáveis por 80% do consumo no mundo. Mas ela não sabe disso ainda. Ela precisa entender que investimento também é um produto e ela deve consumir produtos financeiros”, afirma Francine Mendes.
“Quando ela vai comprar uma roupa da qual ela nunca vai usar, ela está perdendo dinheiro. Mas ela tem medo de comprar CDB, investimento do qual não se perderia dinheiro. Ela tem medo do desconhecido”, aponta a educadora.
Além de não saber do seu potencial, a mulher pode se deparar com o entrave de que ganha menos do que os homens. Mas, segundo o estudo da Warwick Business School, as mulheres que investem superam os homens em investimentos em 1,8%. Ou seja, ganham mais dinheiro do que os homens. Para Magalhães, o mercado financeiro é sobre como se investe e não quanto se ganha.
“Sabemos que existe a diferença salarial entre homens e mulheres. Mas o importante é que não é o ganhar mais que define o sucesso no mundo dos investimentos. Os homens recebem mais, mas isso não quer dizer que são melhores investidores. É mais sobre a conduta no mundo dos investimentos do que sobre o quanto se ganha”, disse.
Além de investir melhor, a mulher, quando se propõe a cuidar das suas próprias finanças, se torna agente transformadora da sociedade por meio de educação de seus filhos e escolhas inteligentes em seus investimentos.
“A educação sobre finanças femininas é transformadora, porque a mulher é o eixo da família, quando temos uma mulher educada financeiramente, teremos uma nova geração educada financeiramente, teremos uma transformação social, uma sociedade mais preocupada não com dinheiro mas com o tempo. O mais importante da vida não é ter dinheiro, o mais importante da vida é ter tempo. Quanto custa sua hora hoje? Ainda que tirem tudo de nós, não podemos tirar nosso conhecimento”, concluiu Mendes.
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