Fundos quantitativos cobiçam pegar humanos no contrapé para encontrar as pepitas de ouro
O paradigma atual do mercado de capitais brasileiro está em xeque. Da Faria Lima à Bolsa de Valores de São Paulo (B3), cérebros e algoritmos disputam a corrida pelo ouro: o lucro — o mais exorbitante possível, de preferência. Em meio a este duelo, cresce no País a classe de fundos quantitativos, os quais, munidos de elevado poder computacional, procuram colher os frutos ao pegar humanos no contrapé.
Simona Abis, professora assistente de Administração da Universidade de Columbia, definiu fundos quantitativos como aqueles cuja estratégia de investimentos está baseada em sinais quantitativos gerados por modelos computacionais, usando regras fixas para analisar conjuntos amplos de dados.
Fundos discricionários, em contrapartida, investiriam a partir de decisões de gestores, humanos, os quais utilizam informações disponíveis e julgamento próprio.
Na prática, há investidores como o CEO da Berkshire Hathaway Warren Buffett, o Oráculo de Omaha, que construiu o legado em cima de métricas de valuation e análise fundamentalista; enquanto isso existem pessoas como David Siegel, quem cofundou a Two Sigma, com princípios enraizados na tecnologia e em data science para identificar retornos potenciais.
O cerne da questão reside na falibilidade humana, na incapacidade de analisar uma gama extensa de informações e na dificuldade de segurar o dedo na hora de um circuit breaker.
Ainda assim, fundos quantitativos não são de outro mundo. Investem, bem como os demais veículos, em ações, moedas e commodities. A diferença, nas palavras de Davi Fontenele, analista da XP, está mais no “como” do que no “o quê”.
“Por trás de todo fundo quantitativo, existem equipes de gestão e pesquisa (humanos!), cuja função é, em resumo, desenvolver algoritmos para o fundo atuar em diferentes mercados (o escopo da equipe é mais abrangente e envolve criar bases de dados, realizar simulações para os algoritmos desenvolvidos, acompanhar se o que está sendo executado pelo fundo condiz com o que havia sido idealizado pela equipe, entre outras funções),” ponderou.
Descorrelação
Dados internos compilados pela Pandhora Investimentos apontam para uma baixa penetração de estratégias de gestão quantitativa no mercado brasileiro. O percentual gira em torno de 1,5% a 2%, enquanto, nos Estados Unidos, berço das técnicas, a metodologia é utilizada por cerca de 20% a 30% da indústria.
“Há muito espaço para crescer,” disse Flora Damin, sócia e responsável por Relações com Investidores, da gestora de fundos de investimentos quantitativos. “Tenho certeza que os quants crescerão. A tecnologia mudou todos os setores das nossas vidas. Não teria como não mudar os investimentos.”
A executiva citou a preferência por investimentos pouco sofisticados, como a poupança, e a porcentagem de recursos investidos no Brasil, onde o mercado de capitais é parco diante do global.
Apesar de driblar vieses comportamentais descritos na literatura acadêmica —a saber, aversão a perda e tendência de investir demais no mercado doméstico —, fundos quantitativos não são alheios à natureza humana, não completamente.
Deparar-se com linhas intermináveis de código JavaScript ou C+ pode fazer esquecer que foram escritas por mãos humanas. “É por isso que os quants são diferentes entre si. (…) Podem, sim, passar vieses ao algoritmo. É aí que entra um processo robusto de definição de estratégias.”
No caso da Pandhora, uma delas é a descorrelação, associada à capacidade de diversificar. Os produtos são feitos para casar, seja com um fundo quantitativo, seja com um multimercado tradicional. “Não vamos capturar a Magazine Luiza (MGLU3) daquele ano,” explicou Damin, “não estamos olhando para isso”.
Fim dos fundos quantitativos
Flávio Terni, cofundador da Giants Steps, assinou embaixo no que diz respeito à diferença entre os fundos quantitativos. “É como comparar o [Luis] Stuhlberger com o cara que está fazendo day trade em casa. Estão operando o mesmo ativo, mas não têm nada a ver.” A tomada de decisão é diferente.
A título de exemplo, na gestora, os fundos são levantados para gerar retorno. A descorrelação viria como um “bônus”. Os produtos da Giants Steps, portanto, não deveriam ser vistos como um hedge para a carteira. Uma posição baixa tampouco daria conta. “Não adianta olhar como a ‘pimentinha’ da carteira,” afirmou Terni. Estudos realizados pela própria empresa indicam que uma alocação longe de 5% a 10% do portfólio não fará diferença no resultado final.
As ideias reverberam outra concepção da empresa de gestão de recursos: “não existe fundo quant. Todo mundo é quant em um grau maior ou menor.” “Na verdade, são fundos multimercado, e cada um tem o seu ‘cacoete’.”
Relatório da 361 Capital corroborou o pensamento. “Apesar das abordagens de investimento quantitativas e fundamentais serem vistas como opostas, nos últimos anos a linha começou a se confundir. Na prática, ambas as abordagens incorporam algum componente de análise quantitativa para reduzir um grande universo de ações a um pool ideal menor de candidatos a compra que compartilham um tema ou característica comum.”
Buffett e Siegel poderiam encontrar-se no meio campo. As metodologias, na análise da gestora americana, poderiam ser complementares, dada a união de estratégia quantitativa baseadas em fatores alfa e as focadas nas especificidades da companhia.
Um exemplo disso é Ray Dalio, fundador da Bridgewater, o qual se vale tanto de técnicas de gestão quantitativa quanto das características individuais de análise de ativos.
“O modelo híbrido, entre 20 e 30 anos, terá espaço, mas com um entorno bem desenhado para saber o que acontece por fora, senão é querer ir à guerra com um de bomba nuclear, outro de laser e você de arco e flecha. Vai ser difícil,” avaliou Flávio Terni, da Giants Steps.