Embora projeções do mercado ainda coloquem em dúvida a capacidade do governo arrecadar o necessário para atingir a meta de déficit zero neste ano, o Tesouro Nacional atualizou de R$ 168,5 bilhões para R$ 170,8 bilhões o potencial do pacote de receitas adicionais elaborado para 2024.
A nova estimativa está no 4ª Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro, divulgado na sexta-feira, 15. O órgão, contudo, faz algumas ressalvas. Por exemplo, ainda não há uma previsão revisada para o potencial de arrecadação com os ajustes no instrumento dos juros sobre capital próprio (JCP).
Outro apontamento importante feito pelo Tesouro no documento é a estimativa de que, do pacote, cerca R$ 74 bilhões ao ano (0,6% do PIB) podem ser incorporados como ganho permanente a partir das medidas aprovadas pelo Congresso.
Apesar da nova projeção, o governo ainda precisará revisar os dados futuramente. É o caso da expectativa com o JCP. A Fazenda chegou a contar com a entrada de R$ 10,4 bilhões nos cofres públicos com o fim da dedutibilidade do JCP. O Congresso, por sua vez, manteve o instrumento, fazendo somente ajustes para evitar o planejamento tributário.
Mas o Tesouro afirma que ainda não há uma reestimativa oficial a partir dessas mudanças e que, por isso, manteve por ora a expectativa inicial dos R$ 10,4 bilhões. “Correm discussões a respeito de novas formas de tratar o tema, conforme se relata na mídia, razão pela qual se optou por manter seu impacto potencial de R$ 10,4 bilhões”, diz o relatório.
Outro ajuste – neste caso, positivo – também não foi contabilizado na nova projeção. Durante o debate no Congresso, a lei que mudou as regras de subvenção no ICMS também passou a prever a possibilidade de regularização de passivos. A capacidade de arrecadação desta medida, contudo, ainda não foi acrescida aos R$ 35,3 bilhões previstos com a nova regra geral para a subvenção.
No caso da estimativa de arrecadação com Imposto de Renda nas apostas de quota fixa, que subiu de R$ 700 milhões para R$ 1,1 bilhão, o Tesouro considerou a alíquota linear de 15% para os ganhos com a modalidade. Também considerou que o veto relativo à isenção da tributação sobre os prêmios líquidos abaixo da primeira faixa da tabela do IRPF será mantido pelo Congresso. Já a elevação nos valores de outorga para R$ 3,1 bilhões – que antes estava em R$ 900 milhões – incorporou o aumento do número de companhias interessadas em participar no setor.
O Congresso também aprovou no ano passado novas regras de tributação para os fundos dos “super-ricos”. Para a tributação de offshores, o governo reduziu a estimativa de arrecadação para este ano, de R$ 7 bilhões para R$ 5,6 bilhões, uma consequência das alterações nas alíquotas promovida durante o debate no Legislativo.
Para os fundos exclusivos, essa redução também foi feita pelo Congresso. Contudo, houve um ingresso além do esperado para a regra de transição que afeta os rendimentos apurados até o fim de 2023, gerando uma elevação da expectativa de impacto das parcelas remanescentes a serem recolhidas em 2024. No total, agora o governo prevê arrecadar R$ 14,5 bilhões com as novas regras para fundos exclusivos neste ano. Antes, o patamar esperado era de R$ 13,3 bilhões.
“O bom desempenho efetivamente anulou as perdas previstas com as alterações de alíquotas na soma das duas medidas”, acrescentou o Tesouro.
Por fim, o órgão manteve a expectativa de recolher R$ 54,7 bilhões neste ano com o retorno do voto de qualidade do Carf, além dos R$ 43,2 bilhões esperados com acordos de transação tributária tocados pela Receita e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“Apesar de o sucesso dessas medidas depender do grau de adesão dos contribuintes, cabe ressaltar que a nova legislação trouxe uma série de incentivos importantes à regularização tributária, como redução de encargos e aumento de prazos de pagamentos, bem como a possibilidade de utilizar prejuízo fiscal e base negativa, entre outros aspectos”, completou o documento.
Déficit zero: Tesouro também projeta perda de receitas
O Tesouro pontua, por sua vez, que não considerou em seu relatório a perda de receita a partir da continuidade da desoneração da folha de pagamentos, que tem custo de R$ 12 bilhões para este ano. O órgão justifica a escolha ao afirmar que elaborou o documento enquanto ainda estava vigente a parte da medida provisória editada no fim do ano passado que instituía uma reoneração gradual da cobrança patronal.
Por outro lado, o Tesouro não incluiu eventuais efeitos da limitação das compensações tributárias de créditos decorrentes de decisões judiciais, dada a dificuldade de se quantificar seus impactos, “não existindo estimativas oficiais até o momento”. Sob uma perspectiva de médio prazo, o órgão ainda ponderou que a limitação das compensações não surtirá efeito relevante, tendo em vista que se trata de mera postergação dessas devoluções.
Déficit zero: meta não será alcançada em 2024, dizem economistas
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 estabelece a meta de déficit zero para o resultado primário das contas públicas. No entanto, existe forte ceticismo por parte dos economistas em relação ao cumprimento da meta, visto a necessidade do governo em obter R$ 168 bilhões em receitas extras neste ano.
As novas regras de ajuste das contas públicas apresentadas pelo Poder Executivo, chamadas de arcabouço fiscal, esperam zerar o déficit primário da União já em 2024, fechar o ano de 25 com superávit de 0,5% do PIB e obter o dobro disso no ano seguinte. Para Ricardo Martins, economista-chefe da Planner, a projeção é pouco crível, pois os períodos de superávits estão perto das eleições presidenciais, ocasiões que resultam em maior investimento público.
“Avalio que boa parte da arrecadação que o próprio governo estima no orçamento não é fácil de se buscar em doze meses. Recentemente, um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) indicou que as receitas estão superdimensionadas, enquanto as despesas estão subavaliadas”, comenta Martins.
Cerca de R$ 97,9 bilhões são esperados pela Fazenda com a recuperação de créditos no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), após a volta do chamado voto de qualidade. O governo também busca receita por meio da medida provisória que trata da subvenção do ICMS. A equipe econômica espera arrecadar em torno de R$ 35 bilhões com a alteração nas tributações de incentivos fiscais.
“O governo está com um calendário apertado, porque 2024 também é ano eleitoral. Eu entendo que é um ano curto, com políticos indo para suas bases fazer campanha. Com isso, as pautas econômicas devem se limitar, principalmente, ao primeiro semestre de 2024, o que torna difícil o cumprimento do déficit zero ”, explica Martins.
Com Estadão Conteúdo