Déficit zero: meta não será alcançada em 2024, dizem economistas; entenda por quê

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 estabelece a meta de déficit zero para o resultado primário das contas públicas. No entanto, existe forte ceticismo por parte dos economistas em relação ao cumprimento da meta, visto a necessidade do governo em obter R$ 168 bilhões em receitas extras neste ano. 

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Na última segunda-feira (22), o Relatório de Mercado Focus apontou a manutenção na projeção de rombo fiscal de 2024. Para o déficit primário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, a mediana seguiu em 0,80%, mesmo resultado do relatório anterior. 

Segundo Ricardo Martins, economista-chefe da Planner, o boletim mostra que o mercado já vem precificando o não cumprimento da meta fiscal em 2024. “Na pesquisa Focus, a gente observa que entre 2024 a 2027 são projetados déficits fiscais. Então, o mercado não está acreditando no cenário de recuperação de resultado primário, muito menos que o governo irá cumprir metas.”

As novas regras de ajuste das contas públicas apresentadas pelo Poder Executivo, chamadas de arcabouço fiscal, esperam zerar o déficit primário da União já em 2024, fechar o ano de 25 com superávit de 0,5% do PIB e obter o dobro disso no ano seguinte. Para Martins, a projeção é pouco crível, pois os períodos de superávits estão perto das eleições presidenciais, ocasiões que resultam em maior investimento público. 

“Avalio que boa parte da arrecadação que o próprio governo estima no orçamento não é fácil de se buscar em doze meses. Recentemente, um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) indicou que as receitas estão superdimensionadas, enquanto as despesas estão subavaliadas”, comenta Martins. 

Cerca de R$ 97,9 bilhões são esperados pela Fazenda com a recuperação de créditos no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), após a volta do chamado voto de qualidade. O governo também busca receita por meio da medida provisória que trata da subvenção do ICMS. A equipe econômica espera arrecadar em torno de R$ 35 bilhões com a alteração nas tributações de incentivos fiscais

“O governo está com um calendário apertado, porque 2024 também é ano eleitoral. Eu entendo que é um ano curto, com políticos indo para suas bases fazer campanha. Com isso, as pautas econômicas devem se limitar, principalmente, ao primeiro semestre de 2024”, explica Martins. 

Meta fiscal pode ser descumprida com déficit de até R$ 55 bilhões, diz TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) endossou os alertas sobre a possibilidade de o orçamento de 2024 conter receita “superestimada”, o que colocaria em risco a meta fiscal de déficit zero, além de apontar para a necessidade de o governo rever para baixo o crescimento das despesas primárias, tendo em vista que a sustentabilidade da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) não deve ser alcançada nos próximos dez anos.

Para a área técnica do TCU, cuja posição foi chancelada pelos ministros da Corte, há chances de o Executivo registrar um déficit de até R$ 55,3 bilhões neste ano, o que acarretaria o descumprimento da meta fiscal.

“No Projeto de Lei Orçamentária Anual da União para o exercício financeiro de 2024, a estimativa da Receita Primária Federal Líquida em 19,2% do PIB é muito acima do que foi observado nos anos recentes, indicando estar superestimada, o que acarreta a possibilidade de se ter déficit primário de até R$ 55,3 bilhões e de descumprimento da meta de resultado fiscal proposta no Projeto de LDO para 2024″, afirma.

Em seu voto escrito, o ministro do TCU Jhonatam de Jesus ressaltou que o governo não apresentou ao Congresso a metodologia pela qual estimou que as medidas do pacote de arrecadação extra irão gerar R$ 168,5 bilhões neste ano.

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Sem um detalhamento “adequado” sobre como o governo conseguirá alcançar esse feito, a área técnica afirmou ter ficado “impossibilitada” de fazer uma análise acurada sobre o tema, não ficando claro se a projeção é factível. “Há pouca clareza sobre a obtenção e a transparência desses valores”, apontou.

Risco fiscal está no radar, mas outros fatores vêm beneficiando o mercado, diz analista 

Para Lucas Constantino, Diretor da GCB Investimentos, o mercado não embarcou na narrativa do governo que será possível ter um déficit zero em 2024. “De modo geral, o mercado não está muito crente das ações que o governo vem executando para zerar o déficit.” O analista aponta como problemas na estratégia do governo a falta de habilidade em cortar gastos e a busca em atingir a meta com compensação nas receitas. 

“O quadro fiscal e a trajetória da dívida pública são pontos importantes de preocupação quanto aos efeitos dessa política fiscal expansionista sobre a nossa economia no longo prazo, diante da indisposição do governo em controlar gastos. Temos observado uma deterioração gradual das contas públicas”, explica Constantino. 

No entanto, o analista cita alguns fatores que vêm colaborando com a economia, como o início dos cortes de juros e uma inflação dentro da meta. No curto prazo, o cenário favorável pode contribuir para uma maior retomada da atividade econômica. 

“É importante que os investidores monitorem o risco fiscal, mas isso não impede, por exemplo, que os papéis de ativos tenham uma performance boa neste ano, pois estamos vendo redução de juros e uma melhora no cenário de crédito, que pode impulsionar o consumo das famílias”, afirma Constantino. 

Neste contexto, o analista diz que os setores com uma maior sensibilidade em relação aos juros devem se beneficiar da conjuntura atual. 

A XP, por exemplo, mantém uma visão construtiva sobre as ações brasileiras, acreditando em fluxos fortes em 2024 devido principalmente aos seguintes fatores: 

  • valuation ainda bastante descontado em diversas métricas;
  • continuidade dos fluxos estrangeiros, retorno dos investidores domésticos
  • ciclo de flexibilização monetária a pleno vapor.

Além disso, o Brasil vem superando as expectativas de crescimento, com uma trajetória de políticas econômicas melhor do que esperado e um baixo risco geopolítico, apontam os analistas.

Quanto ao cenário externo, caso haja um corte sincronizado dos juros americanos, segundo Constantino, há uma maior possibilidade do Banco Central fazer um movimento mais forte de redução da Selic. 

Déficit zero não será alcançado e mudança da meta pode ocorrer, aponta economista da Tendências

A Tendências Consultoria projeta um déficit de 0,9% do PIB em 2024, em virtude da elevação de despesas do governo federal. Para Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências, o governo tenderá a recalibrar a meta, o que pode gerar uma reação no mercado dependendo do ajuste. 

“Uma meta mais próxima a 0,5% do PIB talvez seja aceita com mais tranquilidade, até porque apontaria ainda a necessidade de algum esforço de controle por parte do governo. Por outro lado, uma meta mais próxima de 1% do PIB seria vista como frouxa, tendendo a reação ser bem negativa”, comenta Campos Neto. 

Em relação à Selic, o quadro esperado de desaceleração das principais economias globais deve abrir espaço para os cortes de juros. A expectativa da Tendências, diz Silvio Campos Neto, é de que o Fed (Federal Reserve) comece a ter uma redução de juros no mês de junho, com eventual antecipação em maio a depender dos indicadores econômicos. No caso do Banco Central Europeu (BCE), isso ocorreria eventualmente entre abril e maio.

“Isso cria espaço para flexibilização dos juros por aqui. Além disso, também existem os temas locais, uma inflação se comportando melhor e a própria economia dando sinais de desaceleração, que é uma combinação propícia à queda de juros”, detalha o economista. No entanto, Silvio Campos Neto alerta para o risco fiscal que pode impactar na magnitude da queda dos juros. Dessa forma, ele estima uma Selic indo até 9,5% em 2024, com ajuste residual até 9% no ano que vem.

Sobre o PIB, o economista cita que já são três anos que a atividade econômica cresce acima do esperado – portanto, com o histórico recente, não seria inédita uma variação maior que as projeções. “Ao mesmo tempo, uma surpresa no PIB parece ser mais desafiadora, pois o setor de serviços completou a recuperação dos efeitos da pandemia, e o agronegócio teve um choque positivo muito importante em 2023, sendo que este ano aponta para uma performance bem mais modesta no setor”.

Nova política industrial terá baixo impacto nas contas públicas, diz UBS BB

O programa Nova Indústria Brasil não deverá impactar as contas do governo federal muito além do previsto no Orçamento, segundo o UBS BB. “Nós não esperamos um impacto grande a médio prazo, principalmente porque o Tesouro não pretende financiar mais o BNDES“, afirmaram os analistas da casa.

A contribuição do BNDES para o PIB do Brasil vem caindo relevantemente, de 10% em meados de 2010 para cerca de 2,5% a 4,0% hoje. O plano anunciado em uma conferência à imprensa na segunda-feira (22) conta com R$ 300 bilhões de financiamento do governo entre 2023 a 2026, cerca de 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. O governo federal ainda mantém como meta o déficit zero neste ano.

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Vinícius Alves

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