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Day trade: viver da técnica é quase impossível e só 0,1% consegue

day trade

Segundo estudo da FGV, pouquíssimos investidores conseguem de fato lucrar com o day trade

Quem acessa com frequência redes sociais como o Youtube ou o Instagram já deve ter se deparado com uma oferta variada de vídeos sobre como fazer day trade e obter ganhos mirabolantes na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).


Operar poucos minutos por dia na Bolsa e ir viver a vida; aproveitar o tempo livre e ganhar um bom dinheiro são algumas das promessas. Na maioria dos casos, a promessa baseia-se na técnica conhecida como day trade, ou seja, comprar e vender ativos no mesmo dia.

O problema é que é (quase) impossível viver de day trade. E os números comprovam isso. Uma pesquisa publicada pela FGV mostrou que a chance de fazer esse tipo de operação, com regularidade, e obter sucesso, é mínima.

“O foco do estudo é nos indivíduos que persistiram porque nossa pergunta é: será que dá para viver de day trade? Quanto ela ganharia? O foco, então, é sobre viver de day trade”, explicou ao SUNO Notícias Bruno Giovannetti, economista da FGV EESP e um dos autores do estudo.

Se meu amigo ganha, eu também posso

A grama do vizinho sempre parece mais verde, não é? É partindo desse pressuposto que a técnica de day trade parece ter um campo fértil no Brasil. O problema é que as aparências (quase sempre) enganam.

O tabelião André Meireles, 29, conheceu a Bolsa em outubro de 2019, após ouvir de um amigo que ele estava dobrando o capital investindo em ações. Decidiu arriscar cerca de R$ 100 mil comprando e vendendo ações no curto prazo.

No começo, o bom resultado. Chegou a ter R$ 112 mil em apenas dois meses. Sem dúvida era lucrativo. Decidiu, então, por dobrar a aposta e colocar outros R$ 100 mil.

O combo da chegada do coronavírus, derrubando Bolsas pelo mundo, mais a derrocada dos preços do petróleo em março deste ano, fez com que Meireles perdesse R$ 40 mil em único dia.

“Fiquei muito mal. Graças a Deus eu coloquei um dinheiro que eu sabia que se acontecesse algo minha renda era a mesma. No dia eu só pensava: meu Deus do céu. Deu um gelo”, disse. 

“[Fazer day trade e swing trade] estava prejudicando meu trabalho. Eu abria o home broker ao menos mil vezes no dia. Pense em um cara ansioso. Agora imagina o cara que está endividado e aposta tudo isso”, afirmou.

Desde então, Meireles parou de tentar fazer day trade e optou por continuar na Bolsa, mas com outra estratégia.


“O vício de abrir o home broker todo dia eu ainda tenho. Mas, parei de mexer com índice, dólar e meu amigo, que me indicou, também parou”, disse ele, que afirma ter, agora, 90% do capital em ações para o longo prazo.
Segundo o estudo da FGV, apenas 0,57% dos investidores continuam fazendo day trade após 300 pregões

“Chorei”

O capitão do exército Leonardo Jaguaribe Silva, 31, já tinha uma boa experiência no assunto. Desde 2010, ele estuda ações para entender um pouco do mercado.

Como a vida o levou para longe dos investimentos, Silva deixou de aportar e só retornou em 2018. Depois de fazer muitos cursos na internet, resolveu apostar no day trade para lucrar na Bolsa. O resultado sempre foi uma grande volatilidade, entre ganhos e perdas.

Até outubro de 2019. Em apenas um dia, com problemas na internet, o home broker não abriu e Silva amargurou R$ 65 mil de prejuízo.

“Nesse dia, que eu perdi esse valor, eu deitei na cama e chorei igual a uma criança. Eu pensei: tudo que eu aprendi eu joguei fora”, disse.

Para ele, para além do prejuízo financeiro, outro ponto negativo é o custo de oportunidade desperdiçado.

“O tempo que eu gastei tentando aplicar a técnica, operando nas melhores plataformas, comprando milhares de cursos, é um custo de oportunidade. Eu praticamente perdi três anos da minha vida”, afirmou. Ele também resolveu parar e voltou a investir baseado no buy and hold.

Na média, os day traders tem um prejuízo bruto de R$ 49 diariamente, segundo o estudo da FGV

Pouca gente consegue continuar

Foi vendo exemplos como os de Leonardo e André que os pesquisadores da FGV decidiram por estudar como essa tentativa de viver profissionalmente de day trade ocorre. A conclusão é que poucos conseguem continuar no day trade por muito tempo.

O estudo analisou todas as 98.378 pessoas que começaram a operar na Bolsa via day trade entre 2013 e 2016 no Brasil. A imensa maioria, porém, não persistiu no erro. Apenas 554 pessoas persistiu na atividade. Ou seja, 99,43% dos indivíduos que apostaram no day trade pararam no meio do caminho.

A desistência pode ter uma razão: o pouco retorno ou prejuízo para a imensa maioria. Segundo o estudo, entre as 554 pessoas que persistiram no day trade por mais de 300 pregões, o resultado bruto diário foi de um prejuízo médio de R$ 49. Na mediana, o prejuízo foi de R$ 62.

“A pessoa, na casa dela, tem muito pouca vantagem comparativa no day trade. Ela está competindo com gente que coloca o computador dentro da B3, com o servidor lá, então quem vai ganhar são esses caras, não o indivíduo na casa dele”, disse Giovannetti.

Apenas 0,1% lucram no day trade (mas com muita volatilidade)

Dos que tentaram realmente viver de day trade, apenas 127 pessoas conseguiram apresentar um lucro bruto diário médio acima de R$ 100 durante esses mais de 300 pregões. O número representa apenas 0,1% do total.

“Dos 554, apenas 127 apresentaram lucro bruto diário médio acima de R$ 100, o que daria para ganhar na média cerca de R$ 2 mil por mês. Então olhando para o universo de todo mundo, encontramos que apenas 127 que consistentemente, na média, tira mais de R$ 100 por dia”, afirmou Bruno Giovannetti, da FGV EESP.

Já uma média de lucro bruto diário acima de R$ 100 é atingida apenas por 0,12% daqueles que fazem day trade, afirma o estudo da FGV

Além do montante não ser tão grande quanto o prometido pelos vídeos das redes sociais, há um fator que pode assustar o psicológico dos investidores: a volatilidade.

“Mesmo para os poucos ganhadores, embora ,na média, ele ganha R$ 100 por dia, tem muita volatilidade. Então tem dia que ele perde R$ 3.000 e no outro dia ele ganha R$ 3.100, é algo muito volátil”, disse o economista.

Se a dúvida ainda persistir, o autor do estudo ainda aconselha: a energia pode ser gasta de uma melhor forma, como trabalhando, por exemplo.

“Os poucos que ganham tem muita volatilidade, então claramente não vale fazer. Se ele gastar a energia no trabalho, você vai ganhar muito mais [dinheiro]. E gente que está trabalhando e fica fazendo day trade do celular ou computador, acaba dispersando do trabalho e rendendo menos”, disse.

Semelhanças com jogos

Um fator chamou a atenção do autor do estudo. Segundo Bruno Giovannetti, o day trade tem características semelhantes a alguns jogos de azar, como a roleta, por exemplo.


O racional é que uma pessoa melhora em sua atividade profissional quanto mais ela desempenha aquela função. Mas, nos jogos de azar essa lógica não funciona, afinal, é impossível ficar melhor no jogo de roleta, por exemplo.

“Se você for olhar para algo que você fez uma vez, o desempenho é ruim. Se você fizer mais de 500 vezes, vai sair melhor”, disse.

Após um período de aprendizado de 200 sessões, os day trades perdem, em média, R$ 91 por dia nas 100 sessões seguintes, segundo a FGV

De acordo com o economista, na roleta, entre preto e vermelho, o jogador tem cerca de 48% de ganhar se ele jogar apenas uma vez. Agora, caso ele repita o jogo por diversas vezes, a probabilidade de ganho despenca.

“Jogando uma vez ele tenha um chance grande, se ele repetir isso é 48 x 48 x 48 x 48, e assim por diante, até chegar a quase zero. Não tem um aprendizado de jogar roleta. Ele não vai melhorar”, afirmou.

No day trade, a lógica permanece. Quem realizou day trade apenas uma vez tem uma possibilidade de ganho de cerca de 35%. Agora, quem repetiu por diversas vezes, não melhorou a atuação ou diminuiu as chances de perda.

“Então é algo estranho porque olhando para gente que fez mais, você encontra uma probabilidade de ganhar menor. Então isso demonstra que não tem atividade, é meio que uma dinâmica de jogo mesmo”, disse.

Perguntado se ele recomendaria a técnica para algum investidor, o economista é enfático.  “Recomendaria não entrar em day trade. Se você ver os números do estudo, é melhor não entrar”, concluiu.

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