Ir à público não é uma tarefa fácil de tirar do papel. Mesmo se a empresa estiver bem preparada, o processo todo ainda demora meses e carrega um ônus, pago em cash. Sozinho, esse despendido já é motivo motivo para diretores financeiros rabiscarem a caderneta com contas para avaliar se a alternativa vale a pena. Mas, embora o caminho para uma oferta pública inicial de ações (IPO) no Brasil seja, em média, menos salgado do que nos Estados Unidos, continuamos a perder empresas para Wall Street.
No início do mês a grande notícia foi a intenção do PicPay, fintech do grupo J&F, de finalmente realizar um IPO. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo mostrou em primeira mão o anseio da empresa de fazer as malas para se deitar no berço das companhias de tecnologia dos Estados Unidos, a Nasdaq.
O PicPay, contudo, está longe de ser o único negócio brasileiro listado em terras estadunidenses. XP Inc., Stone e PagSeguro são outros gigantes cujo desejo por um valuation mais “gordo” os levou para Nova York. Arco Educação e Afya também não conseguiram resistir.
“Optamos pela listagem na Nasdaq porque acreditamos que nos conectará com os principais investidores do mundo, trazendo as melhores práticas internacionais para a nossa empresa, além de nos dar espaço para novas emissões de ações, sem colocar em risco o controle da empresa e a sua total independência — fato esse que não seria possível por meio da legislação brasileira atual”, escreveu Guilherme Benchimol, fundador da XP, em comunicado após a operação de listagem.
Da quantidade
Segundo os dados mais recentes divulgados pela B3 (B3SA3), a Bolsa brasileira tem hoje pouco mais de 3,464 milhões investidores, com R$ 448,52 bilhões para aportar onde bem entenderem. O percentual de acionistas de empresas listadas no Brasil beira o 1,63%.
“Se compararmos a porcentagem da população brasileira que investe em ações com países desenvolvidos, vemos a discrepância e o longo caminho ainda a se trilhar na educação financeira do País”, disseram Fernando Ferreira, estrategista-chefe, e Marcella Ungaretti, analista ESG da XP Investimentos, em relatório.
Enquanto isso, na maior economia do mundo, a história é bem diferente. Nos Estados Unidos, onde a população chega a 328,2 milhões, a porcentagem de pessoas investidas em ações é de 55%, sendo o número ainda mais antes da crise do subprime, em 2008.
“Quando uma empresa está fazendo um IPO, quando ela está fazendo uma oferta pública inicial de ações, ela está vendendo uma parcela da empresa. Então, faz sentido para esses sócios, para os donos da empresa, conseguirem um valuation, uma avaliação, mais alta pelo percentual da empresa que estão vendendo”, explicou Alberto Amparo, analista de internacional da Suno Research, em vídeo.
“E lá no Estados Unidos os investidores possuem mais recursos e as empresas têm conseguido abrir o capital a avaliações muito mais altas do que elas conseguiram no Brasil”, destacou.
De acordo com Amparo, a regra é clara: quanto mais investidores, maior a demanda. Quanto mais elevada a procura por um ativo for, maior será seu valor.
Dos custos
Os custos para realizar um IPO são determinados por uma série de fatores e podem variar em classe, ordem, família, gênero, e espécie.
Segundo pesquisa da PwC, com base nos registros da U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) de 2015 a 2020, a principal fonte de despesas para ir à público advém de taxas de subscrição, associadas a um banco de investimentos que subscreve as ações e auxilia a companhia a abrir seu capital.
“Os custos dos coordenadores são atrelados ao sucesso da oferta, em geral, e costumam ser medidos proporcionalmente ao valor da oferta”, ressaltou a PwC em outro estudo, de 2019.
Recursos com auditores e assessores jurídicos também entram na conta e possuem um peso significativo.
Dados da pesquisa revelaram que os custos médios relacionados com os IPOs são “significativamente menores no Brasil como percentual dos recursos captados, variando em média entre 2,5% a 5,6%, enquanto nos Estados Unidos a média fica entre 4% e 11,7%.”
O resultado é corroborado por estudo estudo da Deloitte em parceria com a B3, com dados de transações no Brasil entre janeiro de 2004 e maio de 2020. “A média dos custos relacionados com oferta pública inicial sobre os valores distribuídos, para as ofertas realizadas por meio da ICVM 400, ficou em 4,9% para o período entre 2004 e 2020″.
Já dispensando comissões dos bancos e as despesas da oferta, as médias ficaram 3,9% para as comissões e 1% para as despesas.
Da eficiência
Mas, na visão de Victor Bueno, analista de investimentos da Top Gain, antes dos custos o “maior benefício [de escolher os Estados Unidos] é o acesso a um mercado muito mais líquido, muito mais eficiente.”
Segundo o especialista, o mercado financeiro americano é muito mais evoluído e desenvolvido. “Não são só fatores de bolsa, mas econômicos também.”
A terra do Tio Sam ostenta o mercado mais robusto do planeta onde investidores institucionais tropeçam uns nos outros nas ruas de Nova York. Ao contrário do que pode acontecer no Brasil, encontrar um grande nome para aportar capital em uma companhia sedenta por crescimento não é problema.
O mercado brasileiro ainda é restrito, salientou Bueno, o que pode significar um entrave para empresas realizarem um IPO. Não obstante, a base doméstica de investidores continua a ganhar escala, favorecendo novas ofertas públicas. Para o analista, “o crescimento vai vir”, e com ele novas empresas.