Em um esforço para não tomar decisões impopulares em 2021, durante a crise hídrica, o governo tentou a todo custo evitar determinar um racionamento de energia, como aconteceu em 2001, negligenciando impactos tarifários de medidas adotadas de forma açodada, conclui parecer do Tribunal de Contas da União (TCU).
A fatura bilionária das ações para gerenciar a crise hídrica ficou para os consumidores, que pagaram uma conta luz ainda mais cara, o que pressionou os índices de inflação.
A análise do TCU consta em relatório técnico enviado aos órgãos do setor elétrico com uma série de determinações para o Ministério de Minas e Energia (MME).
O documento faz parte de um processo que acompanha a atuação do governo e foi instaurado diante do cenário de escassez de chuvas e do risco de desabastecimento de energia em 2021.
O objetivo era analisar a eficiência e suficiência das ações adotadas para enfrentamento da crise e as causas que levaram à situação de risco para manter o atendimento à população.
No documento, os técnicos apontaram que houve uma série de falhas no planejamento das ações que tiveram foco em ampliar a oferta de energia.
As medidas incluíram o uso de termelétricas, até mesmo as mais caras e sem contrato, além da importação de energia da Argentina e do Uruguai.
Também foi realizado um leilão emergencial para contratação de usinas para operar de 2022 a 2025 e que custou R$ 39 bilhões aos consumidores.
Para a corte de Contas, o certame foi planejado para ser realizado em tempo muito curto e sem estimativa de gastos, incorrendo em diversos riscos ao seu sucesso.
“Como as medidas foram implementadas com urgência, a análise do impacto tarifário foi negligenciada, frente ao risco iminente. Nesse sentido, caso houvesse um planejamento estruturado, que proporcionasse, de forma antecipada, a preparação para a adoção das medidas no enfrentamento da crise, seria possível estimar os impactos de cada medida, para que fossem adotadas as mais eficientes e da melhor maneira”, diz o relatório.
Ao fazer duras críticas à gestão da crise hídrica, os técnicos afirmaram que as medidas tomadas pelas entidades e órgãos relacionados ao setor elétrico “não foram organizadas antecipadamente, de forma transparente e previsíveis”.
O TCU também apontou o fato de que o governo não tem um plano estratégico para o enfrentamento da escassez hídrica nos reservatórios.
“Verificou-se que não há um plano estratégico de contingência para situações críticas, resultando em medidas tomadas de maneira açodada e com pouca previsibilidade.”
Programas de economia de energia
O órgão fiscalizador avaliou ainda que não houve a devida atenção para medidas voltadas para redução da demanda. Foi apenas em agosto que o governo anunciou programas de redução voluntária de consumo, tanto para as indústrias quanto para a população em geral.
A promessa foi o pagamento de um bônus, com recursos dos próprios consumidores, para as famílias que economizassem energia. Segundo as distribuidoras, o programa deve custar R$ 1,62 bilhão. Mesmo reconhecendo a importância da ação, o órgão fiscalizador apontou problemas.
“Verificou-se que a execução do programa não está sendo efetuada a contento, em função de falhas em seu planejamento, que redundaram em problemas na comunicação à população”.
Os técnicos apontaram incoerências na divulgação da quantidade de energia economizada mensalmente e criticaram o curto prazo entre o anúncio e o início da vigência do programa, que foi de apenas de um dia.
“O consumidor nem ao menos tinha conhecimento do programa de redução da demanda, como poderia responder a ele?”, questionou o TCU.
O mesmo foi dito sobre o programa voltado para os grandes consumidores. Segundo o documento, as falhas implicaram na redução da efetividade da ação.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) recebeu ofertas de indústrias para setembro e outubro, mas o programa foi interrompido em novembro. O TCU diz que a medida foi suspensa apesar de as indústrias “terem se mobilizado com antecedência para participarem do programa em novembro e nos meses seguintes.”
O relatório também cita o extinto horário de verão, cujo retorno foi cogitado em meio à crise. “A volta do horário brasileiro de verão poderia ter sido mais uma medida a ser implementada sob a ótica da demanda”, diz o documento.
O documento aponta que, segundo dados do ONS, a mudança no relógio poderia reduzir a demanda máxima pela noite, das 18h às 21h, apesar de não ter efeito no período da tarde – horário em que há pico de demanda. O MME refutou a medida, sob argumento de que não traria economia de energia significativa.
Determinações sobre a crise hídrica
Considerando toda a análise, os técnicos do TCU determinaram ao MME que elabore um plano estratégico de contingência para enfrentamento de crises hidroenergéticas e elabore estudo para identificar e propor soluções para as causas que levaram ao risco de desequilíbrio entre demanda e oferta de energia.
O governo também terá que realizar estudos sobre a efetividade das medidas e avaliar os resultados do programa de redução voluntária voltado para consumidores residenciais, já que os técnicos encontraram erros no faturamento.
O relatório sinaliza ainda que o Ministério de Minas e Energia deve ter o conhecimento de que “a adoção das medidas de enfrentamento à crise hídrica, bem como a estruturação da operação de crédito financeiro de que trata a MP 1.078/2021, sem a realização de uma prévia análise dos custos e consequentemente dos impactos tarifários, baseada em estudos, evidências e análises estruturadas para que as alternativas possam ser julgadas de maneira objetiva, contraria uma série de dispositivos”.
Com informações de Estadão Conteúdo