Correios: Privatizar é a melhor solução para a empresa?
Em greve nacional desde o dia 17 de agosto (pouco mais de um mês), os Correios têm sido pauta constante nos principais jornais e portais de notícias de todo Brasil. Os trabalhadores se manifestam contra a redução de 40% em suas rendas, além de outros direitos que estão sendo retirados pela administração da empresa. Em decorrência disso, o assunto da privatização, que já era bastante comentado, voltou à tona.
O SUNO Notícias conversou com o secretário geral da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (FENTECT), José Rivaldo da Silva, e o especialista em economia e finanças, Adriano Gomes, para esclarecer os pontos de uma possível desestatização da companhia e quais poderiam ser os prós e contras desta operação.
Na visão do secretário geral da FENTECT, a privatização de uma empresa do tamanho dos Correios, considerando o tamanho do Brasil, “é um absurdo”. “Por exemplo, estamos em uma pandemia… se disponibilizassem uma vacina, quem conseguiria levar a vacina para todos os municípios seriam os Correios. A ideia de você privatizar uma empresa do tamanho dos Correios é o mesmo que dizer assim: ‘quem mora nas maiores cidades e tem poder aquisitivo vai ter os serviços de Correios, com preço melhor, porque está em uma grande capital e você tem a maior circulação de dinheiro”, exemplificou José Rivaldo.
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Rivaldo também citou que os Correios atendem todas as partes do Brasil e, hoje, conseguem chegar em lugares como o interior do Amazonas cobrando uma tarifa, ao seu ponto de vista, justa. Ele afirmou que, caso fosse privatizado, o serviço poderia até chegar neste local, e com até mais velocidade, mas seria muito mais caro.
“Com a privatização, a pessoa que comprou uma mercadoria via e-commerce, por exemplo, e mora nesse lugar [interior do Amazonas], teria condições de pagar um serviço desse? Qual seria o custo disso? As pessoas não levam em consideração o tamanho da operação que é os Correios. Por isso, a gente se posiciona contrário à privatização e a favor da empresa pública”, enfatizou José Rivaldo.
O administrador de empresas e mestre em controladoria e finanças, Adriano Gomes, destaca que, do ponto de vista da gestão, não há ligação entre gerir bem ou mal uma empresa em função dela ser administrada pelo poder público ou privado.
“Fosse isso, o mero fato de uma empresa ser privada a tornaria imune a dificuldade financeira, recuperação judicial ou mesmo a falência. Por outro lado, empresas públicas que atravessam dificuldades semelhantes não quebram, pois são socorridas pelo Tesouro, recurso de todos contribuintes. Portanto, a questão que parece ser mais lógica de ser levada ao debate não é simplesmente a de ‘privatizar ou não‘. Isso porque, quando colocada desta forma, há normalmente um encaminhamento ideológico (para um lado ou outro) e se foge da questão real”, afirma Gomes.
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Ainda sobre o tema “privatização“, o secretário geral da FENTECT destacou que a ideia de que os Correios dão prejuízo ao Governo não é real. “Essa coisa de que os Brasileiros pagam impostos pra manter a empresa… isso é uma grande mentira. O brasileiro não põe dinheiro dentro dos Correios”, afirmou José Rivaldo. Apesar de ser contra a privatização, a FENTECT também não é a favor da atual administração dos Correios. Para Rivaldo, a atual gestão “não tem olhar social nem com seus trabalhadores”. “A gente esperava muito mais do comando de uma administração de uma empresa que tem 100 mil trabalhadores, que está presente em todo país”, acrescentou Rivaldo.
Qual seria a melhor saída para os Correios?
Para o especialista em economia, Adriano Gomes, os Correios deixaram de ser, há um bom tempo, uma empresa estratégica. “Hoje a maior parte de sua receita é derivada da entrega de documentos com velocidade e objetos. A qualidade da prestação do serviço e o custo para realizá-lo quando comparada com gigantes mundiais é o ponto nevrálgico. Aliás, o mero fato de ser uma empresa de Estado impede que lá atrás se construísse uma visão estratégica de atuação internacional, por exemplo”, diz Gomes.
O especialista destaca que, em sua opinião, o melhor a ser feito com a empresa é “alienação total“. “Sem participação do Estado e tampouco de bancos estatais no comando e, muito menos, com a conhecida estratégia de “Golden Share” que, no final, poderá vir a prejudicar o desenvolvimento pleno dos negócios e afastar potenciais interessados”, acrescenta Gomes.
Por outro lado, o secretário da FENTECT, José Rivaldo, afirma que a saída seria um novo olhar do governo sobre a empresa e mais investimentos do Estado no negócio.
Qual a principal mudança em uma empresa que passa a ser privada?
Gomes afirma que a mais importante diferença de um empresa privatizada é a “concorrência de forma mais severa e, em decorrência dela, a busca por funding quer seja ofertando ações ao mercado, emitindo dívidas ou buscando linhas de crédito para investimento e giro das operações”.
“Na gestão das pessoas há uma mudança importante: não há estabilidade e os arranjos estruturais podem ser realizados com rapidez e eficiência”, destaca, também, o mestre em finanças.
Na última sexta-feira (18), em entrevista ao “UOL”, o presidente dos Correios, general Floriano Peixoto, disse que o processo de privatização da companhia já está em andamento.
Greve dos Correios e aumento no número de reclamações
De acordo com dados do Procon-SP, publicados nesta semana, apenas nas duas primeiras semanas completas de setembro a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor já registrou 756 reclamações contra os Correios. No mês de setembro inteiro de 2019 foram 132 reclamações. O aumento na comparação ano a ano foi de 472%. O principal motivo é o não fornecimento do serviço. De janeiro a agosto deste ano foram registradas 3.504 reclamações, um aumento de 211% em relação ao mesmo intervalo de meses em 2019, quando foram apresentadas 1.125 reclamações.
Segundo o secretário geral da Fentect, o principal entrave em relação a greve que já dura mais de um mês é a postura da diretoria dos Correios, que não quer negociar com os trabalhadores. “A administração quer usar o Tribunal Superior do Trabalho (TST) para retirar 40% da nossa remuneração. Também não levam em consideração a vida. Vejo muitas notícias sobre a empresa, mas não vejo falarem, por exemplo, que já morreram mais de 100 trabalhadores vítimas do coronavírus por estarem executando esse serviço essencial”, disse José Rivaldo.