O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central confirmou o abandono da indicação dada na última reunião e reduziu a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual (pp.) nesta quarta-feira, 8, travando um ciclo de seis cortes consecutivos de 0,50 pp.
Após a decisão dividida por 5 votos a 4 para reduzir a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual na reunião desta quarta-feira, 8, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central optou por não dar nenhuma indicação sobre os próximos passos, abandonando de vez o forward guidance que vinha sendo usado pelo colegiado desde agosto do ano passado.
“O Comitê do BC também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, foi o único recado do BC sobre os próximos passos sobre o ritmo de cortes da Selic.
Apesar da divisão dos votos, o Copom fez questão de enfatizar que, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela.
“O Comitê ressalta, ainda, que a política monetária do BC deve se manter contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, completou o documento.
O Copom ainda repetiu que a conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação desancoradas e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
A decisão, que rachou o colegiado entre os indicados pelo governo anterior – que preferiram o corte da Selic em 0,25 pp – e os nomeados pelo Executivo atual, já tinha dividido as projeções do mercado. Era levemente majoritária a expectativa de que a cúpula do BC optaria por uma redução menor da taxa, de 0,25 ponto porcentual, interrompendo o ciclo de 0,50 pp. iniciado em agosto do ano passado.
Marcelo Bolzan, planejador financeiro, CGA e sócio da The Hill Capital, pontua: “O comunicado do Copom veio com tom bem “Hawkish”, já que afirmam que a política monetária deve se manter contracionista.”
Ele complementa: “Comentam sobre a necessidade de maior cautela, já que o ambiente externo mostra-se mais adverso, em função da incerteza elevada sobre o início da flexibilização de política monetária nos EUA. Sobre Brasil, destacam que os indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado maior dinamismo do que o esperado. Não seguiram o foward guidance da última reunião do copom, pois cenário aumentou as incertezas (externo e interno).”
O Copom ficou dividido ao determinar o tamanho do corte da Selic. Mas Sérgio Goldenstein, Estrategista-Chefe da Warren Rena, anota: “Vale ressaltar que houve avaliação unânime de que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela na condução da política monetária.”
Ele complementa: “O Comitê reforçou ainda, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta, deixando de sinalizar os passos futuros.”
O especialista da Warren explica, em relatório: “As projeções de inflação do BC no cenário de referência subiram, para o ano de 2024, de 3,4% para 3,8% e, para 2025, de 3,2% para 3,3%. O aumento de 0,4 p.p. da projeção para o ano corrente pode ser atribuído principalmente à depreciação de 4% da taxa de câmbio desde o Copom de março.”
E adiciona: “Utiliza-se a taxa de câmbio média observada nos dez dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião, que ficou em R$ 5,15, ante R$ 4,95 previamente. Isso explica também parte relevante da revisão de preços administrados de 4,4% para 4,8%.”
O que se pode esperar da Selic ao final de 2024, segundo a Warren Rena? “A avaliação do Copom, neste momento, aparenta indicar uma taxa Selic terminal suficientemente restritiva e, portanto,
seguimos com o call de uma taxa de 9,75% ao final do ciclo de flexibilização monetária.”
Goldstein faz uma ressalva: “Entendemos que o comunicado falhou ao não apresentar, ainda que de forma sintética, os argumentos da ala dissidente, algo que deve ser detalhado na ata. O fato de os quatros membros que votaram por corte de 50 bps terem sido indicados pelo governo tende a gerar fortes ruídos no mercado, fortalecendo as opiniões de um Copom mais leniente no futuro, o que pode depreciar o câmbio e aumentar a inclinação da curva de juros.”
O que motivou a decisão do BC pelo corte menor da Selic?
Leonardo Costa, economista da ASA Investments, resume o que motivou a decisão do Copom nesta quarta (8):
- reconhecimento de cenário inequivocamente pior,
- atividade doméstica mais quente
- externo pior por causa da inflação nos EUA (e sem sinal de corte de juro)
- desancoragem da expectativa doméstica.
“O comunicado foi hawk. Contudo, surpreendeu a divisão do colegiado, com 4 dos 9 membros votando por corte maior, de 0,50%. Vamos acompanhar a ata para tentar entender melhor onde está a divergência”. afirma ele.
“Nosso cenário é de mais 3 cortes de 0,25%, com taxa terminal de 9,75% para a taxa Selic em 2024″, sublinha.
“A principal mudança foi a elevação da preocupação em relação ao mercado externo, com a política de juros nos Estados Unidos sendo a maior adversidade exposta na reunião de maio. A despeito de se manter equilibrado, o balanço de riscos indica aumento da incerteza na conjuntura internacional”, adiciona.
“Mudança adicional, o comunicado passa a reconhecer que a expectativa de inflação esta desancorada, antes se referia como ‘parcialmente desancorada)'”, assinala.
Finalmente, o último parágrafo veio mais duro, lembra ele: “O Comitê também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.
Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos, comenta: “O Copom deu a entender que talvez a taxa terminal da Selic fique um pouco mais alta. A princípio isso acaba atrapalhando a Bolsa de Valores. Mas não muito porque já era também amplamente esperado pela maioria dos analistas esse corte de 0,25 pp.”
Questão fiscal e a encruzilhada para a Selic
José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, explica como as contas públicas podem ter interferido na decisão do BC sobre a Selic : “A questão fiscal no Brasil chegou a uma encruzilhada. Nesta semana, serão definidos alguns pontos que irão sinalizar se a estratégia adotada pelo Ministério da Fazenda de aprovar legislação no Congresso para aumentar impostos e, portanto, as receitas do governo, para pagar os aumentos de gastos, ainda é viável.”
Ele prossegue: “Em primeiro lugar, a votação dos vetos do Presidente da República a projetos de leis aprovados pelo Congresso que podem gerar aumento de gastos. Em especial, os vetos ao aumento das emendas de comissão em R$ 5,6 bilhões e ao calendário de empenho e execução das emendas parlamentares impositivas são particularmente importantes.”
Segundo, “a questão da desoneração da folha de pagamentos não está resolvida”. Camargo lembra: “O líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner, declarou que ‘as conversas estão sendo feitas. Só para explicar que não será zerada (a desoneração)’. Esta negociação tem data para terminar. Afinal, caso nada mude, as empresas e as prefeituras terão de voltar a pagar os impostos sobre a folha no dia 20 de maio. Quanto vai custar este acordo?”
A discussão sobre a volta dos quinquênios para magistrados e procuradores, uma proposta apoiada pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, continua no ar, complementa o economista da Genial. “Caso aprovado, seria extremamente custoso do ponto de vista fiscal, não apenas por seu custo direto, mas por ser um precedente que irá gerar forte demanda de outras categorias de servidores públicos. Finalmente, quanto vai custar a ‘reconstrução’ do Rio Grande do Sul?
Mudança no ritmo dos cortes da Selic: o que houve?
Nicolas Borsoi, economista-Chefe da Nova Futura Investimentos, analisa: “Em linha com o esperado por nós, o Copom cortou a Selic em 0,25%. As projeções de IPCA subiram de 3,5% para 3,8% em 2024 e de 3,2% para 3,3% em 2025. No cenário de riscos, o Copom manteve a descrição anterior, mas adicionou que as conjunturas local e global estão mais incertas, exigindo uma maior (adicionado nesta decisão) cautela na condução da política monetária.”
O Copom afirmou que os eventos fiscais têm impactado a política monetária, observa Borsoi, “devido à exigência de maiores prêmios de risco pelos investidores, em meio à percepção de menor credibilidade e comprometimento com a sustentabilidade da dívida.”
Outro destaque do texto sobre a redução da Selic foi a alteração do trecho sob as expectativas de inflação: “O comitê trocou ‘reancoragem parcial das expectativas’ pelo termo ‘desancoradas’. Além disso, o Copom deixou a extensão e o ritmo do ciclo condicional à evolução das expectativas, afirmando que ‘a extensão e adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.’”
O Copom reconheceu que o horizonte relevante de política monetária levará em conta somente 2025, diz o economista da Nova Futura.
“Reação adequada para o momento: caso o cenário de inflação fosse prevalente, o corte seria de 0,5%; caso o Copom optasse por uma postura mais de administração de riscos (devido às elevadas incertezas), a opção seria por cortar 0,25%. De fato, acreditamos que houve uma mudança na função de reação do Copom, que não foi totalmente digerida pela diretoria”, argumenta.
“Outro ponto relevante, em nossa visão, foi a caracterização das expectativas como desancoradas e que ritmo e extensão do ciclo serão ditados pelo compromisso com a convergência da inflação à meta.”
Ou seja, nota Borsai, o Copom pode terminar o ciclo de cortes de juros já na próxima reunião, se não ocorrer alguma melhora nas expectativas de IPCA. “Além disso, a calamidade no Rio Grande do Sul, e seus prováveis efeitos altistas sobre a inflação local, pode levar o Copom a ser ainda mais defensivo à frente. Esperamos mais dois cortes de 0,25% em 2024 e mantivemos nossas projeções de Selic, em 10% em 2024 e 9,0% em 2025.”
Copom rachado na decisão sobre a Selic: o que vem agora?
Sobre a decisão dividida do Copom sobre a Selic, Bolzan lembra que “o dissenso é ruim, pois sinaliza que a próxima composição do Banco Central (2025) é mais dovish.”
O comitê afirma “ter preocupação com o fiscal e que está acompanhando com atenção os desenvolvimentos recentes da política fiscal.”
Os integrantes do Copom ressaltam, também que uma “política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação”.
E os próximos passos? “O BC deixou em aberto os próximos passos, mas o tom é mais duro, sinalizando maior cautela e que ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”
Bolzan conclui: “Minha expectativa e mais uma redução de 0,25pp. Com esse cenário, acredito que teremos amanhã bolsa em queda e abertura dos juros.”
Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital, comenta: “O comunicado revela uma postura cautelosa do Banco Central em relação à política monetária futura, destacando a complexidade do ambiente econômico global e doméstico, com pressões de uma inflação subjacente acima da meta.”
Moura considera o “tom do comunicado cautelosamente hawkish.” Ele explica: “Embora tenha decidido por uma redução da taxa de juros, o BC enfatiza a importância de manter a política monetária contracionista para consolidar a desinflação e a ancoragem das expectativas de inflação.”
A decisão de reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual não pegou o mercado de surpresa, ele lembra, e “veio dentro do consenso do mercado, que antecipava uma redução moderada devido às incertezas econômicas e às pressões inflacionárias ainda existentes.”
O que vem por aí? “Ainda acredito que o Fed mantendo juros altos podem atrapalhar no ciclo de queda de juros por aqui”, diz o economista da Matriz Capital. “Juros altos nos EUA podem fortalecer o dólar e pressionar a inflação, dificultando a redução da Selic aqui. Eventos como as enchentes no Rio Grande do Sul podem pressionar a inflação de alimentos, dificultando a queda da Selic também.”
Para as próximas reuniões, a expectativa é de que o Copom mantenha a cautela, monitorando de perto a evolução da inflação e das expectativas. “A continuidade do ciclo de cortes dependerá da consolidação do processo de desinflação e da ancoragem das expectativas. Não houve um guidance para a próxima reunião”, observa ele.
A autoridade monetária deixa aberto que os próximos passos dependem da expectativa e da ancoragem dos números de inflação, diz Raphael Vieira, co-head de investimentos Arton Advisors. “O Copom também reforça, com especial ênfase, que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta, trazendo assim um tom bem mais hawkish do que nos últimos comunicados. Hoje as expectativas para 2025 mostram um número acima da meta do banco central de 3%.”