Copom se reunirá pressionado por mercado de trabalho aquecido, dizem analistas
Dois novos dados divulgados nesta semana reforçam o cenário de um mercado de trabalho aquecido no País e que, segundo analistas, podem jogar mais pressão sobre o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que se reúne na próxima semana para definir a nova taxa básica de juros (Selic) – hoje em 10,75% ao ano.
Divulgado pelo Ministério do Trabalho, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou um saldo positivo de 244.315 vagas formais (com carteira assinada) em março, acima da mediana das estimativas de analistas consultados pelo Projeções Broadcast (de 190 mil postos). Foi o melhor resultado para o mês na nova série histórica do Caged, iniciada em 2000.
O outro indicador saiu do IBGE. Pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, a taxa de desemprego total no Brasil ficou em 7,9% no trimestre encerrado em março, ante 7,8% no trimestre encerrado em fevereiro. Foi o terceiro trimestre seguido de aumento na desocupação, mas, neste caso, é preciso levar em conta que a expectativa inicial do mercado era de um resultado pior (8,1%).
Nas últimas semanas, parte dos analistas passou a considerar a possibilidade de o Copom reduzir, já agora na sua reunião de maio, o ritmo de corte da Selic de 0,5 ponto porcentual para 0,25 ponto, embora na ata da última reunião do Copom haja a informação da manutenção do ritmo por mais esse encontro.
Esse cenário considera tanto as incertezas sobre a trajetória dos juros nos EUA, que serão anunciados nesta quarta-feira, quanto a decisão do governo brasileiro de mudar as metas fiscais para os próximos anos. Segundo analistas, um mercado de trabalho forte reforça um cenário positivo para o consumo, mas pode ser desafio extra para o controle da inflação.
Copom pode reduzir velocidade da queda da Selic
“O mercado de trabalho aquecido deve continuar pressionando a inflação de serviços e dificultando a convergência da inflação para a meta”, escreveu a economista Claudia Moreno, do C6 Bank. “O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem demonstrado preocupação com a deterioração do cenário externo e com a alta recente nas expectativas de inflação do boletim Focus. O dado de hoje (ontem) reforça essa preocupação com a inflação.”
Embora ainda não tenha mudado suas projeções, Carlos Lopes, economista do Banco BV, também afirmou que os dados do Caged e da Pnad Contínua “ajudam a aumentar as chances” de o Copom optar por um corte de 0,25 ponto porcentual da Selic. Ao falar sobre o impacto do crescimento da massa salarial sobre os preços de serviços, ele afirma que esse “é um grande ponto para o BC”. “Qualquer choque ou surpresa desfavorável pode fazer com que a inflação suba muito rapidamente, o que ele (o BC) quer evitar.”
Campos Neto fala sobre qualidade dos empregos
Em entrevista à CNN, o presidente do BC afirmou que sua preocupação principal quanto ao mercado de trabalho é entender se os salários sobem no mesmo nível da produção no País.
“Existe uma preocupação porque tem uma incerteza de como essa mão de obra apertada influencia os serviços. Mas, de uma certa forma, a trajetória de inflação vem esperada”, disse Campos Neto em entrevista transmitida nesta terça-feira (30) pela CNN. Ele citou ainda que alguns números específicos recentes de inflação subiram um pouco.
Campos Neto repetiu que as expectativas inflacionárias não estão ancoradas à meta que precisa ser entregue, o que gera preocupação e influencia os trabalhos da instituição em relação à definição da taxa básica de juros. Ele mencionou que as expectativas do mercado para 2025 e 2026 também estão em processo de alta, como mostrado pela pesquisa Focus.
O presidente do BC disse ainda que há uma percepção de que a inflação não está ligada à mudança de preços, mas ao nível de preços. Ou seja, mesmo que a inflação na margem não esteja subindo tanto, o preço está mais alto, disse.
Ele destacou, ainda, a importância de o governo buscar um ajuste fiscal para manter a pressão inflacionária sob controle, e destacou que o assunto deve dominar a agenda global nos próximos anos. Campos Neto disse ainda que o mundo todo estará de olho na agenda interna do Brasil. “Vai ser mais importante fazer o dever de casa”, afirmou o presidente do Banco Central.
Campos Neto repetiu que, após o aumento de despesas na pandemia, os países passaram a enfrentar uma falta de coordenação entre políticas monetária e fiscal. Ele citou que o custo de rolagem da dívida das nações desenvolvidas triplicou, o que reduz a liquidez em outros lugares.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, a manutenção dos juros altos por mais tempo do que esperado torna a vida dos países emergentes mais difícil, segundo ele. Campos Neto disse que o dólar mais valorizado frente ao real reflete justamente a percepção sobre os juros americanos.
Ele defendeu ainda que não existe relação direta entre a taxa de juros dos EUA e as decisões do Copom sobre a taxa básica de juros no Brasil, a Selic, embora o impacto seja inegável. “Não existe relação da taxa de juros americana com a brasileira, mas tem influência nas variáveis que impactam nossa forma de trabalhar”, explicou.
Com Estadão Conteúdo