Depois de uma queda acumulada de 3,00 pontos porcentuais da taxa Selic desde agosto, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) resolveu alterar a sinalização para os próximos passos de afrouxamento monetário. No comunicado de desta quarta-feira, 20, o BC passou a se comprometer com apenas mais um corte da Selic de 0,50 ponto porcentual, ritmo que vinha repetindo desde que iniciou a flexibilização.
A próxima reunião do Copom está marcada para maio, quando o juro deve cair para 10,25%. Hoje, a Selic foi reduzida de 11,25% para 10,75% ao ano, a sexta baixa consecutiva.
O BC resolveu mudar a sua sinalização sobre cortes da Selic, que até aqui vinha sendo para as “próximas reuniões”, no plural, considerando que, apesar de o cenário-base não ter se alterado substancialmente, houve a elevação da incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da política monetária.
“Os membros do Comitê, unanimemente, optaram por comunicar que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução da Selic de mesma magnitude na próxima reunião”, escreveram os integrantes da cúpula, acrescentando que a avaliação do colegiado é a de que essa é a “condução apropriada” para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.
Apesar de muito aguardada pelo mercado, o Copom continuou sem dar pistas sobre a magnitude total do ciclo de flexibilização dos juros ao longo do tempo. Esses cortes da taxa de juros, de acordo com o comunicado, dependerão da “evolução da dinâmica inflacionária”. Em especial, o texto cita os componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, as expectativas de inflação, em particular daquelas de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos. Vários integrantes do Comitê já disseram temer a geração de ruídos no caso de a expectativa de uma taxa terminal ser divulgada pelo Banco Central.
Conforme pesquisa do Projeções Broadcast, 80% das casas (44) ainda aguardavam mais duas quedas do mesmo tamanho nos encontros de maio e junho. Outras 11 previam alteração no ritmo de cortes na reunião de junho: uma para 0,75 ponto e dez (18%) para 0,25 ponto.
Capital Economics: BC pode reduzir corte para 0,25 pp em breve
A Capital Economics avalia que a alteração no “foward guidance” no comunicado do Copom de hoje à noite dá suporte à visão da consultoria de que o comitê do Banco Central vai reduzir o ritmo de queda da taxa básica de juros em breve, provavelmente no encontro de junho.
“A taxa Selic não será reduzida tanto quando a maioria espera neste ano”, afirma a Capital Economics, que se diz mais confiante agora em sua projeção de Selic em 9,50% no fim de 2024.
No comunicado, o comitê afirma que, em função da elevação da incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da política monetária, seus membros “unanimemente optaram por comunicar que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude na próxima reunião”. Em seus comunicados anteriores, o Copom antevia cortes de 0,50 ponto “nas próximas reuniões”.
A Capital Economics observa que outra mudança relevante no comunicado foi a menção à força da inflação de serviços, “algo que está claramente incomodando” os integrantes do comitê. Em janeiro, lembra a consultoria, o Copom afirmou que as medidas subjacentes de inflação estavam perto da meta. Já no comunicado de hoje, o BC afirma que essas medidas estão “acima da meta”.
“Outro corte de 0,50 ponto no próximo encontro do Copom, para 10,25%, parece altamente provável. A mudança no forward guidance não exclui outro corte de 0,50 ponto na reunião subsequente, em junho. Mas com a força do mercado de trabalho provavelmente mantendo a inflação de serviços elevada, acreditamos que o Copom vai se inclinar para cortes de 0,25 ponto até lá”, afirma a consultoria.
Incerteza aumentou para novos cortes da Selic
Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, observa: “Apesar de o cenário-base não ter se alterado de maneira significativa, a autoridade monetária entende que a incerteza aumentou, o que demanda uma maior flexibilidade na condução da política monetária.”
Cunha complementa: ” O efeito prático foi então passar a sinalizar apenas a próxima reunião, e não mais pelo menos duas. Com isso, a autoridade monetária se mostra mais conservadora do que o mercado esperava e de fato demonstra maior propensão a continuar um ciclo de maneira mais prudente e cautelar na sua etapa final.”
O estrategista diz ainda: “Mantemos nosso cenário-base de mais duas reduções de 0,5 pp e uma final de 0,25 com a Selic terminal em 9.5% ao ano”
Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital: “Acredito que o fato de o comitê do BC citar que esperam mais um corte de juros na “próxima reunião” no singular e não no plural deixa um clima de incerteza do que pode acontecer nas próximas reuniões. Mas também penso que pode ser apenas uma forma de comunicar para que o governo mantenha os objetivos fiscais. Penso que há sim espaço para cortes de mesma magnitude.”
O comunicado mostra, diz Moura, “que o processo de desinflação em curso, com a inflação ao consumidor em uma trajetória decrescente e as expectativas de inflação para 2024 e 2025 situando-se em torno de 3,8% e 3,5%, respectivamente, alimenta minha confiança de que estamos no caminho certo para alcançar um ambiente econômico mais estável e previsível.”
E conclui: “Vejo ênfase no Copom na importância da execução das metas fiscais e a consequente necessidade de cautela na política monetária como um compromisso sólido com a estabilidade econômica a longo prazo. Isso reforça minha visão otimista, pois acredito que uma gestão fiscal responsável é crucial para manter a confiança dos investidores e assegurar um ambiente propício ao crescimento.”
Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação para investidores, comenta: “Achei um tom bem hawkish do comunicado do Copom. Há preocupações com o externo e cenário doméstico. Mas o trecho mais importante foi que eles tiram o plural na indicação dos próximos passos.”
Reuniões do Copom depois de maio serão “uma grande incógnita”
Jorge argumenta: “O comitê vinha nos outros comunicados dizendo que ‘nas próximas reuniões seguiremos com a decisão na mesma magnitude’. Dessa vez, eles disseram ‘na próxima reunião”, ou seja, tira o plural dando a indicar que nesse momento só se sente confortável em afirmar mais uma queda de 0.50. O que vai acontecer depois é uma grande incógnita, vai depender de dados, mais do que nunca.”
E complementa: “Por isso minha leitura foi bem hawkish. O comitê cita as preocupações com relação ao cenário externo e obviamente a influência que isso pode trazer ao país. Cita as preocupações com relação às dificuldades, às incertezas locais e retira o plural sobre as próximas reuniões. O que é até pertinente. o BC foi bem nesse comunicado. Acredito que essa é a linha que tem que seguir.”
Josiane Francisco, especialista em Investimentos do Sistema Ailos, sublinha: “Pelo lado dos investimentos no mercado financeiro, o cenário continua atrativo para a renda fixa, principalmente se considerarmos o baixo risco atrelado a esse tipo de investimento e o diferencial da taxa, em relação a inflação, os chamados juros reais.”
E explica: “A inflação no Brasil atualmente está em torno de 4,50% ao ano, o que faz com que os juros reais, ou seja, descontados a inflação, fiquem acima dos 6% ao ano. Investimentos em renda variável também podem ser uma boa opção para investidores que tem um maior apetite ao risco, já que juros mais baixos favorecem as ações de empresas, principalmente as ligadas ao consumo doméstico.
Finaliza: “A expectativa agora, é pelo comunicado que será divulgado em seguida da decisão do Copom. O mercado fica atendo se haverá sinalizações quanto ao ritmo de cortes na Selic que será adotado pela autoridade nas próximas reuniões.
XP: comunicado teve “sinais dúbios”
Em relatório assinado por Caio Megale, economista-chefe da XP, e pelos economistas Rodolfo Margato e Alexandre Maluf, a casa diz que o comunicado do Copom “trouxe sinais dúbios”.
Explicam: “Por um lado, o Copom escreveu que as medidas de inflação subjacente – que exclui os itens mais voláteis – se mostraram ‘acima da meta de inflação nas divulgações mais recentes’ – ao invés de ‘se aproximam da meta’ como no comunicado anterior.”
Por outro lado, diz o relatório da XP, “as projeções de inflação do BC (que mantém um cenário no qual a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de US$/BRL 4,95) ficaram estáveis em 3,5% para 2024 e 3,2% para 2025, mesmo com estimativas mais altas para a inflação de bens administrados – o que significa que o Comitê prevê uma menor inflação para os preços livres, que são mais sensíveis à política monetária.”
O relatório da XP sobre o sexto corte da Selic acrescenta: “Considerando os indicadores de atividade e de mercado de trabalho recentemente mais fortes, acreditávamos que o Comitê pudesse alterar sua avaliação sobre o crescimento econômico. Todavia, o comunicado repetiu que ‘o conjunto dos indicadores de atividade econômica segue consistente com o cenário de desaceleração da economia antecipado pelo Copom.’”
A XP lembra que o colegiado do BC destacou a “maior incerteza sobre ‘as conjunturas doméstica e internacional’, mas sem elaborar muito sobre o tema. O restante do comunicado foi semelhante ao anterior.”
Conclui a XP: “Apesar do ajuste na orientação futura, não mudamos nosso cenário de que a taxa Selic chegará a 9,00% em setembro deste ano. No entanto, vemos riscos altistas para a dinâmica da inflação à frente, devido às taxas de juros mais altas no mundo (principalmente nos EUA), o que pressiona o real, e à demanda doméstica aquecida. Avaliamos que o balanço de riscos em torno das projeções de inflação e juros está inclinado para cima.”
José Marcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, também destacou que o “Copom surpreendeu grande parte dos analistas ao sinalizar que deverá promover nova queda de mesma magnitude na próxima reunião, sem colocar a frase no plural como estava sendo feito”.
Camargo observa: “De acordo com o Copom, essa mudança se justifica devido ao aumento da incerteza e da necessidade de dar mais flexibilidade à condução da política monetária. Com essa mudança, o comitê repete o que havia prometido na reunião passada, que estipulava corte de mesma magnitude nas próximas reuniões. Ou seja, ele já havia prometido a redução de hoje e a da próxima.”
Com Estadão Conteúdo