O corte de 0,5 ponto percentual anunciado nesta quarta (2) pelo Comitê de Política Monetária (Copom), fixando a Selic em 13,25%, na primeira redução em três anos, surpreendeu e agradou especialistas do mercado.
Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação financeira para investidores, analisa a decisão do Copom sobre a Selic: “Tivemos um comunicado dovish e mais neutro. Foi uma decisão bem disputada, com o placar em 5 a 4. A grande surpresa foi o Roberto Campos Neto votando a favor de 0.50 pp e não a favor do 0.25 pp, que era sim uma decisão mais esperada pelo menos por parte dele.”
Ricardo disse que o mercado esperava que houvesse uma dissidência no Copom em relação à decisão “na qual obviamente o Gabriel Galípolo e o Ailton Aquino, indicados pelo governo ao comitê, fossem pender mais para 0.50 pp e os demais para 0.25 pp, mas não foi o que aconteceu.”
O sócio da Quantzed acrescenta: “A gente viu que outros membros do Copom decidiram abraçar a ideia de um corte de juros maior mesmo nesse início de ciclo com uma inflação ainda resiliente. Mas a maior surpresa de fato fica com o Roberto Campos Netto desempatando essa decisão bastante apertada.”
Entre os pontos mais importantes, diz Ricardo, “o comitê ressalta que há uma conjuntura deflacionária e esse é um dos motivos pelos quais eles decidiram tomar a decisão. A gente tem uma desinflação na margem, mas ainda assim em alguns pontos eles ressaltam que o Banco Central ainda vai seguir com o compromisso de trazer a inflação ao redor da meta e deixam um sinal a respeito de uma política contracionista ainda por um período mais elevado.”
Ele pondera: “Essa fala dá a impressão de que não há espaço nesse momento para acelerar ainda mais a queda da Selic.”
Ricardo conclui: “A mensagem importante foi que o BC retirou o trecho em que fala sobre o risco fiscal e o risco de desancoragem das expectativas. Mas um tanto quanto controversa porque o Banco Central deixa de considerar os riscos fiscais em um cenário no qual a gente ainda tem todas as pautas dentro do Congresso para serem encaminhadas.” Ele se refere à votação do projeto de arcabouço fiscal, a reforma tributária, o CARF e outras pautas que estão em tramitação no Congresso, que ainda precisam passar por uma nova etapa. “Aparentemente o Banco Central desconsidera isso no seu cenário de risco. Talvez essa tenha sido uma das mensagens mais importantes, na minha visão.”
De fato foi um placar bem apertado, essa mensagem com relação a riscos é uma mensagem importante e o ponto de destaque foi exatamente essa surpresa do Roberto Campos Neto acompanhando o voto do Galípolo e do Ailton seguindo por esse desempate, uma aceleração do corte da Selic.
Não há motivos para o Copom voltar atrás e interromper o ciclo de flexibilização da Selic: “Se voltar atrás, vai gerar muito mais ruído no mercado. O BC tem de continuar acelerado o processo de queda da taxa de juros. Se ele desacelera, na minha visão, passa mensagem de não ter certeza do que está fazendo. Iria gerar ainda mais volatilidade para o mercado.
“Corte adequado para o ciclo”, diz Caio Megale, economista-chefe da XP
Caio Megale, economista-chefe da XP, diz que o comunicado do BC “primeiro explicitou uma divisão que já havia no mercado também sobre 0,25 e 0,50 ponto”. Essa divisão, complementa ele, “acabou aparecendo no Copom, com cinco voto a quatro pelo corte. “Foi uma divisão mais forte e bem importante dentro do comitê, com o presidente Roberto Campos se aliou ao novo diretor Gabriel Galípolo e acabando pela decisão de 0,50 p.p.”
A justificativa é pela “melhora da expectativa de inflação recente, que melhorou de fato, depois do conselho Monetário e também a melhora do ambiente de inflação. “Acreditamos que tudo isso abria espaço para um corte de juros”, lembra o economista-chefe da XP.
“O Copom explicita a sua preferência por 0,50 tirando o 0,25 inicial. Começando logo com 0,50, mas também tentando dizer que não pensa em acelerar eventualmente, pelo menos aos olhos de hoje, para 0,75, deixando explicito que que 0,50 é o corte preferido”, assinala Megale.
“A nossa visão é de que é um corte adequado para o ciclo, e tem algo como três a quatro pontos percentuais para serem cortados que podem ser feitos e serem testados a cortes de 0,50. Seis, sete cortes de 0,50 são um ritmo para o nível da Selic atual gradual. Resta saber como o mercado vai reagir. Se o mercado vai colocar no preço exatamente essa sinalização de 0,50 ou vai testar ritmos mais fortes de baixa”, projeta.
“Há riscos de alta e de baixa de inflação adiante, e essa é a grande questão que fica para frente. Mas o comunicado não trouxe muitos embasamentos profundos e técnicos, nem tanto pelo corte de 0,25 pp quanto pelo 0,50 pp. Em linhas gerais, nossa impressão é de que os próximos cortes vão continuar na linha de 0,50 p.p, mas vai ser muito importante vermos para um embasamento mais profundo da decisão – a ata que sai na próxima terça feira”, acredita.
“Próximas quedas em aberto”
Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, comenta: “O tom do comunicado do Copom foi muito positivo: o texto diz que, de acordo com as próximas divulgações de dados de inflação e atividade econômica, o Banco Central afirmou que vai continuar reduzindo a Selic para poder convergir com a inflação. E isso é muito bom.”
Cohen argumenta: “Com isso a gente tem uma expectativa boa para as próximas quedas, já que não deixou [o comunicado do BC] isso em aberto. Se os dados vierem bons, a Selic vai continuar caindo. Achei muito prudente a decisão. Foi positivo que o próprio presidente do BC votou a favor da queda de 50 p.p.”
O analista da Escola de Investimentos complementa: “O futuro vai depender dos dados que vierem. Então, do mesmo jeito que o Brasil, na minha opinião, fez um trabalho muito bom de começar essa alta antecipada, também começa essa queda antecipada. Nos últimos relatórios do Boletim Focus, a projeção do PIB será maior e a projeção de inflação, menor. Estamos no rumo de queda de juros que veio para ficar.”
Fabio Louzada, economista, analista CNPI, planejador financeiro CFP®️ e fundador da Eu me banco, que capacita e forma profissionais para atuação na área de investimentos, concorda: “O Copom abriu a porta para cortes altos de 0.50 pp nas próximas reuniões. Isso deve impactar bastante o mercado. Parte do mercado já precificava queda de 0,50 pp, mas acredito que a maior parte mesmo esperava pelo corte de 0.25. Por isso foi surpreendente. Foi um corte arrojado que mostra que tem espaço para cortar mais porque a inflação está acomodada e baixa.”
Louzada pondera: “É claro que há preocupação com a inflação de serviços, o que é citado co comunicado – porém o relatório Focus já fala numa inflação de 4,8% para o final do ano. O teto da meta são 4,75% considerando que a meta é de 3,25%. Ou seja, a projeção da inflação já está bem perto do teto da meta e isso faz com que o Copom tivesse confiança para começar a cortar esses juros nessa magnitude.”
Febraban: Ciclo de flexibilização deve ter consequências positivas a crédito e adimplência
O início do ciclo de cortes na taxa Selic, com a redução de 0,5 ponto porcentual anunciada nesta quarta-feira, 2, deve ter efeito positivo para o crédito e a adimplência dos brasileiros, afirma o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney. Segundo ele, o corte anunciado hoje foi um primeiro passo importante.
“O prosseguimento do ciclo de flexibilização nas próximas reuniões do Copom deverá ter consequências positivas para o mercado de crédito e para a inadimplência”, disse Sidney em nota enviada à imprensa.
Entre o final de 2021 e o ano passado, a elevação da taxa Selic de 2% ao ano para os 13,75% em que estava até a reunião de hoje do Copom fez com que a inadimplência das famílias brasileiras aumentasse. Com o serviço da dívida mais caro, muitas deixaram de pagar empréstimos assumidos junto aos bancos ou a outras instituições. Neste ano, o efeito começou a chegar às grandes empresas.
“O início da flexibilização da Selic com a redução dos juros em 0,50 pp representa um primeiro passo importante para reversão da forte restrição monetária por que passa o país nesse difícil e exitoso processo de contenção da escalada inflacionária”, afirma ainda o presidente da Febraban.
Entidades do setor produtivo elogiam redução dos juros
O corte de 0,5 ponto percentual na Taxa Selic veio num momento necessário para ajudar na recuperação econômica do país, avaliam entidades do setor produtivo. As organizações patronais e centrais sindicais, no entanto, pedem cortes maiores nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC).
Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou que considera acertada a decisão do BC. A entidade pede cortes maiores nas próximas reuniões porque avalia que os juros ainda estão em níveis contracionistas, que desestimulam a produção e o consumo.
“A decisão foi acertada, uma vez que não compromete o processo de combate à inflação e evita um desaquecimento maior da indústria e da economia. As expectativas de inflação têm passado por sucessivas revisões para baixo e a apreciação da taxa de câmbio, nos últimos meses, também representa mais um elemento positivo para esse cenário de controle da inflação”, avalia o presidente da CNI, Robson Andrade.
A CNI pede a aprovação no novo arcabouço fiscal e de reformas importantes, como a tributária, para que os juros possam cair mais no futuro. “A indústria entende que a continuidade do ciclo de redução da Selic exige boa coordenação entre política monetária e política fiscal. A expectativa da CNI é que o Congresso aprove, em breve, um novo arcabouço fiscal que consiga estabilizar a dívida pública sem recorrer ao aumento da carga tributária, de modo a contribuir com o processo de cortes na taxa básica de juros”, destaca o comunicado.
Em nota divulgada à imprensa, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também considerou correta a decisão do Copom de reduzir a Selic para 13,25% ao ano. Segundo a entidade, “em um ambiente em que as incertezas vão se dissipando, com redução da percepção do risco inflacionário, as justificativas que mantinham a taxa de juros em níveis elevados são eliminadas”.
A Firjan entende que há espaço no cenário econômico para o início do ciclo de redução dos juros. “Tanto o IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo] cheio quanto os núcleos de inflação vêm mantendo uma trajetória de desaceleração, o que tem influenciado a revisão das expectativas inflacionárias para 2023 e 2024 para baixo. Ademais, indicadores relacionados ao nível de atividade e ao mercado de trabalho continuaram a confirmar a percepção de desaceleração econômica para este segundo semestre”, diz o texto.
A Firjan destaca, contudo, que um ambiente propício para um ciclo longo e sustentável de queda dos juros exige a materialização do novo arcabouço fiscal e o avanço “célere” da reforma tributária. “Assim serão construídas as bases necessárias para o aumento dos investimentos, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda.”
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) comemorou a redução da Selic. “O corte de 0,5 ponto vem em linha com os indicadores recentes da economia, como a queda da inflação, e sinalizam que a taxa de desemprego e a renda da população poderão melhorar, ampliando assim o consumo das famílias e permitindo o crescimento da economia”, afirma em comunicado o presidente da Abras, João Galassi.
Centrais sindicais
As entidades de trabalhadores também elogiaram o corte, mas informaram que a mobilização contra a política monetária do Banco Central continua. Segundo a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o primeiro corte da Taxa Selic em três anos resultou do aumento da pressão, em especial nos últimos meses, por parte de diversos setores da sociedade civil contra os juros altos praticados no país.
A CUT calcula que a política de juros altos drenou R$ 700 bilhões da economia em um ano. A entidade, no entanto, ressalta que o Brasil continua com um dos maiores juros reais do planeta (juros menos a inflação), em torno de 8% ao ano, e anunciou a continuação dos protestos na porta do Banco Central para pedir cortes maiores nas próximas reuniões.
A Força Sindical avalia que o BC acertou na decisão, mas errou na dose. A entidade considera pequeno e abaixo do necessário o corte de 0,5 ponto na Taxa Selic. “A redução é insuficiente. A Força Sindical ressalta que irá continuar na luta pela redução da Taxa Básica de Juros, como importante passo rumo ao fortalecimento e crescimento da economia. Juros exorbitantes inibem o consumo, a produção e, consequentemente, a geração de postos de trabalho”, ressalta em nota o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.
*Colaborou Alana Gandra
Com Agência Brasil e Estadão Conteúdo