Como os ETFs explicam a alta na cotação do ouro em 2020

Com o começo das turbulências nos mercados financeiros provocadas pelo novo coronavírus (covid-19), muita gente buscou mais segurança para seus investimentos. E o ativo-refúgio por antonomásia, o ouro, voltou mais uma vez a ser protagonista.

Esse rali na demanda por ouro empurrou as cotações internacionais para o recorde histórico de US$ 2.073 (cerca de R$ 12 mil) por onça no começo de agosto.

Mas a corrida para acumular o metal precioso, que chegou a níveis desenfreados nos primeiros meses do ano, ocorreu quase exclusivamente por meio da compra de ETFs.

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Os ETFs provaram ser de longe o instrumento preferido pelos investidores em ouro, com compras extras de quase US$ 60 bilhões neste ano, 50% a mais do que foi investido durante a crise financeira de 2008-09.

Graças a esses fundos, durante a época da pandemia mais de mil toneladas de lingotes entraram nos cofres de bancos internacionais (principalmente de países ocidentais). Algo que não teria ocorrido em outra situação.

Isso pois China e Índia – que até a metade do ano passado costumavam representar mais da metade da demanda global – parecem não estar mais interessadas no metal precioso.

Demanda asiática em queda

No primeiro semestre do ano, a demanda por ouro na Índia e na China caiu mais da metade em relação ao ano passado.

Apenas recentemente houve alguns pequenos sinais de recuperação, especialmente na República Popular, que superou o efeito negativo provocado pelo covid-19.

Isso pois no período mais difícil da pandemia ninguém mais comprava joias nesses dois países. Agora as coisas parecem estar se recuperando, com a abertura gradual das economias desses gigantes asiáticos.

Entretanto, a demanda asiática ainda permanece marginal no mercado de ouro, apesar dos sinais de recuperação, enquanto o boom de investimentos nos países industrializados começou a esfriar.

No mercado físico chinês, o metal precioso ainda é negociado com desconto em relação aos preços internacionais (sinal de que o consumo ainda não voltou).

E as estatísticas da Suíça – um importante centro de refino – mostram que o ouro ainda seguia as rotas dos ETFs. Ou seja, em direção oeste.

As exportações para o Reino Unido – onde há muitos emissores de ETFs e bancos custodiantes – superaram as 50,9 toneladas, o nível máximo do ano. Apenas 1,5 tonelada de metal foi para a China, 2,4 para Hong Kong e 5 para a Índia.

O ouro perdeu seu brilho?

É provavelmente por isso que o ouro parece ter perdido seu brilho. Após uma correção acentuada em setembro, ligada à realização de lucros e uma recuperação da cotação do dólar, os preços neste mês se estabilizaram em torno de US$ 1.900 a onça e oscilam por volta desse valor.

Ao decorrer de 2020, o ouro valorizou-se em cerca de 25%. Um resultado muito bom, e que não era visto há uma década.

Entretanto, nas últimas semanas a alta do metal precioso parece ter perdido o fôlego e provavelmente precisaria de um novo impulso para encontrar novamente o interesse dos investidores, na mesma proporção do primeiro semestre desse ano.

Por outro lado, os especuladores estão recuando. Na Comex, a bolsa de futuros de Nova York, os fundos de hedge reduziram a exposição longa líquida (ou seja, a compra pelo ouro) em mais de 40% em relação a fevereiro.

E em outubro houve um boom de novas posições vendidas: na prática, está todo o mundo apostando na queda do ouro.

Enquanto isso, são os ETFs que sustentam as compras. Mas mesmo a demanda por esses títulos começam a perder vigor.

Os fluxos líquidos são positivos há dez meses, algo que só ocorreu duas vezes no passado: em 2008 e 2016. Todavia, a consistência caiu para mais da metade em relação aos primeiros meses do ano passado.

Em setembro, segundo o World Gold Council – associação criada em 1987 pelas principais mineradoras de ouro para estimular a demanda do mineral – os ativos aumentaram 2%, para US$ 235 bilhões, com um acúmulo de 68,1 toneladas.

Um resultado melhor do que aquele alcançado em agosto, quando ainda havia prevalência de resgates na Europa, mas muito pior do que nos outros meses do ano.

Entre março e julho, os fluxos líquidos sempre ultrapassaram 100 toneladas, chegando a atingir 176,7 toneladas em abril, quando o coronavírus apavorava todo o mundo.

Pequenos e grandes investidores literalmente se jogaram no ouro, movidos não só pela insegurança gerada pela pandemia, mas também – talvez acima de tudo – pela queda abaixo de zero dos rendimentos reais, pela desvalorização do dólar e pela volta das expectativas de inflação. Um cenário que dificilmente vai nos abandonar nos próximos anos, mesmo após o fim da pandemia.

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Carlo Cauti

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