As commodities são um símbolo da influência da pandemia na economia global. No início do ano passado, quando o coronavírus tomou o mundo de assalto, o petróleo chegou a negociar a preços negativos. Agora, com o planeta tentando voltar ao normal, as matérias-primas batem máximas históricas.
A pergunta que é feita pelo mercado diz respeito à extensão dessa tendência. As commodities teriam chegado ao limite de seu ciclo econômico? Um dos principais indicativos para questionamentos dessa natureza está justamente na maior consumidora desses produtos: a China.
Naturalmente, ao ser o primeiro país a identificar a Covid-19 em seu próprio território, o gigante asiático também foi a primeira nação a dar seus primeiros passos rumo à recuperação econômica.
Os dados do início deste ano foram fortíssimos, dada a base comparativa fraca. Contudo, informações recentes demonstram que a economia chinesa está desacelerando — o que era de se esperar — levantando dúvidas sobre o ritmo de compras de commodities.
Para especialistas ouvidos pelo Suno Notícias, esse é um processo aguardado e o ciclo de alta das commodities ainda está longe de acabar.
Por outro lado, a composição dessa recuperação econômica chinesa, que tende a ser pouco pautada em massivos investimentos em infraestrutura, traz dilemas aos investidores.
Retomada chinesa ainda tem espaço
Assim como as primeiras iniciativas de combate à pandemia, a China costuma ser um dos primeiros dos grandes players econômicos mundo afora a divulgar dados econômicos.
Há cerca de duas semanas, o escritório de estatísticas do país informou que o PIB da China cresceu 7,9% no segundo trimestre. Por mais que esse tenha sido um avanço expressivo, a expectativa do mercado era de uma alta de 8,1%.
Naquele dia, porém, os mercados asiáticos fecharam em majoritária alta. Dados do PIB indicam que o governo chinês pode dar mais apoio à economia. Inclusive, uma dessas práticas já entrou em vigor.
“Um aspecto importante é que eles diminuíram o depósito compulsório dos bancos. Lá, esse movimento possui efeito em termos de política monetária mais intenso do que o corte da taxa de juros básica, como no resto do mundo”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, ao Suno Notícias.
O depósito compulsório é uma medida que obriga bancos e instituições financeiras a depositarem parte dos recursos captados, por meio de depósitos à vista, a prazo ou poupança, normalmente em uma conta do BC. Isso regula o nível de liquidez na economia.
“Imagino que eles querem, sim, ter uma recuperação mais forte, e ainda há espaço para isso”, crava o especialista. “Os dados internos, sobretudo de consumo, mostram que o patamar pré-pandemia ainda não foi atingido.”
Na visão de Cruz, mesmo que os indicadores tenham dado amostras de desaceleração econômica, o crescimento neste ano deve ser de 9%. “Um patamar ainda extremamente alto. Esse ritmo de crescimento não se via há bastante tempo por lá.”
A notícia é benéfica ao Brasil, já que a China é o principal parceiro comercial do País, com cerca de 30% das exportações anuais. “São poucas as nações que não negociam com a China. Mesmo que conversemos sobre desaceleração, acredito que seja natural e não deve atrapalhar.”
Nem só de China vivem as commodities
Uma visão importante para os investidores que buscam pistas sobre as commodities é que nem só de China vive esse mercado, por mais que o país seja o maior comprador.
Os Estados Unidos estão prestes a fechar mais um pacote de investimentos em infraestrutura, o que deve prolongar a procura por commodities metálicas, como minério de ferro e aço.
Cerca de US$ 1 trilhão (aproximadamente R$ 5,17 trilhões) devem ser separados pela Casa Branca para investimentos dessa natureza. “A Europa também está seguindo o mesmo caminho”, diz o estrategista da RB Investimentos.
Enquanto isso, a oferta mundial de commodities não tem acompanhado essa aceleração, com poucos investimentos em capacidade produtiva, “o que mostra que o equilíbrio ainda demorará um pouco, o que mantém os preços altos“, afirma o especialista.
O sudeste asiático, junto com a Índia, tem elevado a demanda dos produtos sul-americanos. Países como Vietnã e Indonésia, por mais que ainda encontrem solavancos no combate à pandemia, apresentam altas taxas de crescimento, o que eleva a renda para consumo e alimentação.
Perfil da recuperação é a maior dúvida
O lado intrigante dessa recuperação chinesa e que por consequência agita os preços das commodities é o perfil da própria retomada.
Dos últimos dados divulgados pelas autoridades chinesas, talvez o mais importante de ser observado neste momento são as vendas no varejo. O indicador subiu 12,1% em junho, levemente abaixo do resultado de maio, mas que ainda assim ficou acima das expectativas, que era de 11%.
“A parte de restaurantes é especialmente importante neste momento”, diz Priscila de Araújo, gestora da Macro Capital.
Para ela, o crescimento chinês daqui para frente pode estar mais ligado ao consumo das pessoas do que investimentos em indústria e infraestrutura, uma vez que a produção de aço e cimentos tem desacelerado, como visto em junto frente a maio.
“Para as commodities, as preocupações são duas: como será a economia até o fim do ano, e quanto ela dependerá de consumo e de serviços, e não de investimentos em infraestrutura.”
Uma preocupação secundária também diz respeito às interferências do governo chinês, não somente sobre empresas de tecnologia e educação, mas também no mercado financeiro como um todo.
Recentemente, autoridades do país prometeram trabalhar para “garantir a estabilidade de preços e fornecimento de commodities”, contendo a especulação sempre muito presente no mercado das matérias-primas.
Na opinião da gestora, num cenário geral, as perspectivas para as commodities estão menos positivas hoje do que um ou dois meses atrás. “O cenário para commodities é menos construtivo do que tínhamos há algum tempo. Trabalhamos, inclusive, com a possibilidade de depreciação das cotações no segundo semestre.”
Commodities trazem ganhos históricos
As perspectivas futuras e os dilemas de gestores e investidores, entretanto, não mudam o que já aconteceu.
No primeiro semestre deste ano, a guinada dos preços das commodities encheu o bolso empresas ligadas a essas matérias-primas, tanto no Brasil, como no exterior. Por consequência, os mercados também foram influenciados — sobretudo o índice Ibovespa, ainda muito carregado em commodites.
Com o início da temporada de balanços corporativos do segundo trimestre, o mercado está digerindo os ganhos históricos dessas companhias. No índice acionário brasileiro, as empresas que fazem parte, desde petroleiras até frigoríficos, são:
Empresa | Valor de mercado | Retorno das ações em 12 meses |
Vale | R$ 618 bilhões | 106% |
Petrobras | R$ 363 bilhões | 24% |
JBS | R$ 79 bilhões | 49% |
CSN | R$ 63 bilhões | 257% |
Gerdau | R$ 50 bilhões | 76% |
Cosan | R$ 49 bilhões | 29% |
Bradespar | R$ 26 bilhões | 103% |
Usiminas | R$ 25 bilhões | 149% |
BRF | R$ 21 bilhões | 21% |
PetroRio | R$ 16 bilhões | 131% |
Marfrig | R$ 14 bilhões | 40% |
Minerva | R$ 5 bilhões | -27% |
Na última terça-feira (27), a CSN (CSNA3) apresentou um lucro líquido de R$ 5,51 bilhões no segundo trimestre, alta de 1.136% sobre o mesmo período do ano passado.
Em relatório, o BTG Pactual (BPAC11) celebrou em nome da empresa os preços praticados, comentando ainda que a desalavancagem foi concluída, algo que estava nos planos da companhia há anos.
A Vale (VALE3), por sua vez, divulgou seus resultados na noite da última quarta-feira (28). A mineradora registrou um lucro líquido de US$ 7,58 bilhões, com alta de 37% ante o primeiro trimestre, e avanço de 662% em comparação ao mesmo período do ano passado.
A expectativa para as commodities é que os preços continuem voláteis até que a pandemia seja amenizada de forma conjunta e (dentro do possível) definitiva no mundo inteiro. Variantes da Covid-19 impedem que essa previsão seja assertiva, embora a história mostre que no longo prazo o único caminho possível é de crescimento econômico.