O Brasil é um dos poucos países que não tributa dividendos; por isso teremos que consumir açúcar de beterraba?
O Brasil é um dos poucos países ao redor do mundo que não tributa o pagamento de dividendos aos acionistas, segundo levantamento da Tax Foundation e
da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A Colômbia, a Estônia e a Letônia seriam outras três nações que não cobram impostos na distribuição de resultados.
E daí, essa “estatística” solta, seca e descontextualizada por si só é capaz de sustentar a proposta de tributar os dividendos em troca de reduzir o imposto sobre o lucro da empresa, conforme consta no Projeto de Lei n.° 2.337/2021, da reforma tributária?
Em linhas gerais, o argumento de que o Brasil é um dos poucos países que não tributa dividendos e somente por isso deve adotar tal prática é totalmente descabida.
Seria o mesmo que dizer que o Brasil é um dos poucos países no mundo que não consome açúcar de beterraba e por isso, deveria passar a consumir.
Uma possível taxação de dividendos pode colocar o Brasil em pé de igualdade com as práticas tributárias abraçadas pela grande maioria dos países no mundo, mas na contramão, não aliviaria a alta carga de impostos paga pelas empresas e incidentes sob o consumo no mercado doméstico.
Além do mais, teoricamente, os mesmos países que tributam dividendos já resolveram seu problema tributário, de modo que a tributação do consumo é muito menos representativa que a tributação da renda e dos lucros no total das receitas.
Primeiro, é importante advertir os desavisados que um imposto sobre dividendos vigorou no país até 1995, quando foi deixado de lado em troca de uma alíquota maior do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ).
Na ocasião, a opção foi encravar o percentual do imposto sobre dividendos no IRPJ como forma de abreviar o recolhimento do tributo, uma vez que o fisco não precisaria aguardar a efetiva distribuição dos lucros para recolher os impostos.
Mas trazendo a luz à comparação entre a realidade brasileira à do exterior, é necessário considerar o peso dos impostos indiretos. O que quero dizer é que tenho
ouvido muito gente comparando as alíquotas de IRPJ e da proposta do imposto sobre dividendos com as de outros países, mas é preciso considerar a tributação indireta
sobre o consumo, que efetivamente no Brasil é muito mais alta.
Ou seja, para fazermos tal comparação, é preciso considerar não apenas o conjunto de tributos pagos por empresas e acionistas, mas também as alíquotas “jabuticabas” que somente existem no Brasil, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), pagas pelas empresas e incidentes sobre o resultado financeiro no exercício.
Além disso, é preciso também computar, no final das contas, os impostos indiretos sobre consumo, que no Brasil é significativamente elevado, comparado ao “resto do mundo”.
Em grande parte dos países localizados na América do Sul, a mediana das alíquotas sobre dividendos gira em torno de 10%, que somadas aos demais impostos
incidentes sobre as empresas, levaria a carga tributária de Pessoas Jurídicas a algo em torno de 35%.
No Brasil, esse indicador atualmente é de 25%, mas se incluirmos no cálculo a incidência da CSLL, a carga chega aos 35%. Apesar de esse número estar dentro dos padrões esperados para a região, o cálculo não leva em consideração os impostos indiretos. Até aqui, tudo bem….
Mas se considerarmos a proposta de reforma tributária que reintroduziria a taxação sobre o pagamento de dividendos em 20%, com uma contrapartida de redução do IRPJ (sobre lucros superiores a R$ 20 mil) dos atuais 25% para 20% a partir de 2023, a carga tributária total sobre empresas passaria dos atuais 35% para algo em torno de 42%, considerando que a CSLL se manteria inalterada.
Traduzindo, apenas aproximar as alíquotas locais às taxas praticadas em países da OECD, não quer dizer que evoluímos na questão tributária, com equidade no custo tributário entre os agentes econômicos.
Isso porque a carga tributária brasileira não pode ser espelhada e assemelhadas às cargas tributárias dos países centrais. Para que o sistema tributário pudesse ser comparado ao dos países da OECD seria necessário realizarmos uma ampla e complexa reforma tributária, tirando o forte peso dos tributos indiretos, previdenciários e sobre consumo.