Do tradicional ao inovador: A reinvenção da Ambev (ABEV3) como uma plataforma de negócios
Ano passado, o presidente da Ambev (ABEV3), Jean Jereisatti, causou impacto no mercado corporativo ao declarar que ser apenas uma empresa de bebidas não definiria mais a empresa. A maior cervejaria da América Latina se posiciona, a partir de então, como uma plataforma de marcas.
Esse movimento compreende uma ambiciosa escolha estratégica que vai além de uma declaração oficial ao mercado. Tradicionalmente, a empresa evoluiu dominando sua cadeia de valor por meio de movimentos que visavam garantir a propriedade dos recursos estratégicos para seu negócio. Foco total no core business da empresa sempre foi um mantra seguido disciplinadamente pela companhia.
Tudo ia muito bem e a organização cresceu vigorosamente ao longo de décadas. Essa expansão, no entanto, foi colocada em xeque quando a ascensão tecnológica trouxe novas perspectivas para companhias, que entenderam a oportunidade de capturar valor em todo seu ecossistema e não apenas na relação transacional de sua cadeia de valor. Subitamente, a Ambev, que era uma das “queridinhas” mais valiosas do mercado, começou a ter seu valor questionado.
Foi necessário uma mudança importante na liderança da organização, sua cultura e sistema organizacional para que uma nova perspectiva estratégica fosse construída, visando reposicionar a empresa que, ao migrar para o modelo de plataforma, se transforma na protagonista de seu ecossistema.
Esse novo posicionamento tem sido traduzido em novos negócios inovadores, como o Zé Delivery, o Bees Bank (sua Fintech) e o Bees, seu marketplace de produtos para bares e restaurantes.
Esse último, lançado em 2019, já demostra seu potencial. Atualmente, a plataforma conta com mais de 400 itens disponíveis, que vão muito além da cerveja, comercializando chocolates, salgadinhos, bebidas de outras marcas e um portfólio robusto de ofertas, que gerou em 2022 uma receita bruta de R$ 1,3 bilhão, em um movimento que só cresce com novos potenciais negócios, como o que foi divulgado recentemente.
O Grupo Pão Açúcar (PCAR3) formalizou uma parceria para disponibilizar seu portfólio de produtos na plataforma. A empresa de varejo está de olho nos mais de um milhão de pontos de vendas atingidos pelo Bees (bares e restaurantes que são clientes tradicionais da Ambev), que atualmente não consegue impactar com seu modelo de negócios.
Esse movimento, que mostra o potencial da geração de valor de uma plataforma, também representa uma quebra de paradigmas incrível para o segmento. Tradicionalmente, o GPA é um dos principais canais de vendas para a Ambev, em um relacionamento que sempre foi complexo, com intermináveis negociações comerciais. A partir do momento que a Ambev estrutura um novo negócio se valendo de sua capilaridade — uma fortaleza singular —, ela se transforma em canal de vendas para seu antigo canal.
Com essa perspectiva, além de gerar um novo fluxo de receitas para a empresa, a Ambev demostra um dos valores centrais dessa estratégia: a organização muda seu posicionamento na cadeia de valor ao se consolidar como uma protagonista em seu ecossistema, o que lhe permite capturar mais valor em seus relacionamentos, indo além das transações mercantis.
É evidente que existe uma série de desdobramentos e desafios para transformar esse novo negócio em uma realidade tão robusta quanto o projeto tradicional. No entanto, é imperativo inserir nas análises de sustentabilidade e valor futuro de uma companhia o potencial derivado de iniciativas inovadoras como essa, que vão além do modelo tradicional que o mercado e os investidores se habituaram.
Nesse caso, é necessário ter em mente que a maioria das maiores empresas em valor do mercado do mundo atualmente são plataformas que têm conseguido maximizar a captura de valor em seus ecossistemas, transformando esse valor em dividendos.
Será que a Ambev vai ser capaz de trilhar o mesmo caminho?