A volta da inflação e o Banco Central Hawkish
Iniciamos o ano de 2021 com as projeções sobre inflação medida pelo IPCA em níveis baixos. No primeiro relatório Focus do ano, elaborado pelo Banco Central, a mediana da pesquisa de mercado apontava para o IPCA encerrando o ano de 2021 em 3,3%, enquanto a última pesquisa apontou inflação em 5,97%, sendo que a meta é de 3,75% para esse ano.
Como o mandato do Banco Central é perseguir a meta de inflação, o discurso do presidente do BCB no início do ano era dovish, ou seja, Roberto Campos Neto defendia que a economia nacional precisava de estímulo monetário e que não havia necessidade de alterar a taxa Selic, que naquela época estava no seu menor nível histórico, cotada a 2% ao ano.
Podemos observar no quadro abaixo as seguidas revisões das projeções do IPCA para esse ano.
Fonte: BACEN
Mas quais os fatores que fizeram com que esse cenário se alterasse tanto?
Os principais efeitos vieram da desvalorização cambial e da forte alta em bens comercializáveis, como por exemplo commodities agrícolas, metais e combustíveis.
Como o Brasil é um país exportador de commodities, esperava-se que a taxa de câmbio pudesse se valorizar com o aumento das exportações. Entretanto, o risco político, principalmente o fiscal, e a baixa atratividade da taxa de juros para movimentos especulativos, levaram o Real a ter um dos piores desempenhos no ano até o mês de abril, quando iniciou o ciclo de recuperação cambial.
O índice CRB, que podemos usar como uma proxy dos preços de commodities globais, teve uma valorização de aproximadamente 60% entre o final de abril de 2020 a meados do mês de maio de 2021. A junção da forte alta nos preços internacionais e a performance ruim da moeda local tiveram efeito explosivo na inflação brasileira.
Temos uma visão de que a restrição de oferta, a qual tem gerado pressão sobre o preço de bens não só aqui, mas em todo o mundo é temporária, ou seja, vai se dissipar à medida que as
restrições à circulação de pessoas e cargas entre fronteiras retornar à normalidade.
Contudo, os sucessivos choques sustentam a continuidade do nível elevado de preços no curto prazo e colocam em risco ao horizonte de 2022, que é afetado, entre outras causas, pelo próprio processo de inércia, no qual os contratos vão sendo reajustados em patamares elevados por conta da inflação realizada e pela contaminação destas nas expectativas futuras.
Diante desse cenário, o BACEN, que já vem perdendo a luta em levar a inflação para o centro da meta em 2021, alterou seu posicionamento. Desde a primeira reunião do ano, o Copom vem endurecendo o discurso e se mostrando cada vez mais incomodado com as surpresas inflacionárias.
O que começou com a retirada do chamado forward guidance (uma espécie de garantia de que os juros se manteriam baixos por bastante tempo) em janeiro e foi seguido por três altas de 75 pontos percentuais na taxa Selic, chegou ao ápice com a explicitação de que não descarta acelerar o ritmo em agosto, com possibilidade de alta de 100 pontos base em caso de piora das expectativas do mercado para a inflação do ano que vem.
Não há dúvidas nesse momento de que o comitê liderado por Roberto Campos está de fato comprometido em cumprir seu objetivo de estabilidade de preços, mas fatores externos e ruídos internos são os grandes riscos ao sucesso dessa missão.