Ricardo Propheta

Como o ‘risco de guerra’ pode reconfigurar o agro e a logística global

Sementes de trigo adaptadas, fertilizantes especiais e diversificação de fornecedores de óleo vegetal são alguns dos efeitos potenciais da guerra entre Rússia e Ucrânia. A questão que fica é: como empresas e governos se preparam para o futuro?

Trigo cerca de 40% mais caro e acesso dificultado aos mercados de fertilizantes e de óleo de girassol do leste europeu foram só algumas das consequências econômicas da guerra entre Rússia e Ucrânia, que já ultrapassa 100 dias. Os impactos são significativos, e afeta a vida de milhões de brasileiros, já que o trigo, por exemplo, é matéria-prima do pãozinho, que atinge o maior preço desde 2008. No caso dos fertilizantes, o Brasil importa cerca de 85% do volume usado no país, e só a Rússia responde por 23% deste montante. O risco de um desabastecimento mundial de potássio entrou no radar de analistas, e acendeu luz amarela em governo e empresas, que passam a incorporar em suas análises de investimento o ‘risco de guerra’, outrora mais distante. No caso do conflito atual, algumas inovações ganham celeridade, e podem surtir efeitos permanentes, caso sejam incorporadas de forma definitiva nas cadeias logística e do agronegócio.

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Uma das principais mudanças, catalisadas pelo conflito, é o desenvolvimento de sementes de trigo adaptadas a regiões mais quentes, como o centro-oeste e o oeste da Bahia. Tradicionalmente cultivado no sul, onde o clima é mais frio, esta seria uma mudança disruptiva, e, com a atenção de desenvolvedores de sementes e da Embrapa, ajudaria a pavimentar o caminho do Brasil rumo à autossuficiência na produção da commodity. Isso, é claro, se somado a uma maior disseminação da irrigação, tecnologia possível de ser implementada em diversas regiões do país. De uma perspectiva essencialmente agrícola, também é positivo alternar o plantio de uma leguminosa, como a soja, como monocotiledôneas, como o trigo, por fatores como a interrupção de pragas e benefícios na assimilação de nutrientes no solo.

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No caso dos fertilizantes, o novo estímulo é pela produção de tipos especiais, que usam moléculas mais complexas do que os conhecidos nitrogenados, fosfatados e de potássio. Entre os diferenciais, os fertilizantes especiais têm composição mais sofisticada, que pode diminuir a lixiviação, que é o quanto a água da chuva ‘leva’ do fertilizante tradicional, reduzindo, portanto, a quantidade de produto necessário para alimentar as plantas. A produção desta tecnologia é desenvolvida por empresas como a Vittia (VITT3), líder nacional no mercado de inoculantes e fertilizantes especiais, que ajudam nos melhores desenvolvimento e rentabilidade das lavouras.

O terceiro impacto, de proporções menores, é na importação de óleo de girassol. Neste caso, o produto pode ser substituído por outros óleos vegetais, como o de canola, soja ou palma, e, por isso, tem repercussões reduzidas. Mas, se o objetivo for seguir comprando do exterior, a saída será diversificar fornecedores e investir em infraestrutura para receber e armazenar o produto. Esta última solução, aliás, é aplicada também no caso do trigo e dos fertilizantes.

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De forma geral, a mudança mais significativa é quando olhamos no futuro. O conflito no leste europeu reforçou a importância de empresas e governos do mundo todo incorporarem o ‘risco de guerra’ em regiões economicamente relevantes. Este fator ganha atenção global quando pensamos em decisões de investimentos de agentes públicos e privados, com reflexos potenciais à cadeia de suprimentos global. Em países que precisam lidar com o desafio da segurança alimentar de forma mais urgente, como a China, esse prognóstico é ainda mais imperativo. E, se o Brasil estiver preparado para atender a compradores como o gigante asiático, encurtamos nosso caminho rumo à autossuficiência de produção dos insumos, agrícolas e industrializados.

A cadeia de suprimentos global, tal está configurada hoje em dia, se mostra concentrada em poucas companhias e regiões, vide os efeitos da escassez recentes de semicondutores, ou microchips. Este modelo data do auge da globalização, e está caducado. A guerra é um fator adicional que motiva uma reorganização completa, que inclui a diversificação e emergência de novos fornecedores. E também estimula a produção local por diversos países de itens considerados estratégicos, para reduzir a dependência do mercado internacional. O cuidado passa a ser redobrado na avaliação de risco de, por exemplo, onde instalar uma nova planta, quais tecnologias serão investidas, e como será desenhada a matriz de distribuição.

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No caso do Brasil, é possível que as distâncias, geográfica e histórica, de nações tradicionalmente bélicas sejam diferenciais competitivos. O investidor que se antecipar a este cenário pode sair ganhando. Para isso, é importante considerar as empresas que também compartilham desse diagnóstico. No horizonte próximo, se destacarão as companhias que estão na vanguarda da inovação, e que já trabalham com olhos para esta nova cadeia logística que se anuncia.

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Nota

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Ricardo Propheta

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