Blended finance: se você ainda não ouviu falar, ainda vai ouvir
Você já ouviu falar de “blended finance”? Como a expressão em inglês sugere (algo como “finanças misturadas”, ou “híbridas”, para usar um termo mais corporativo), elas envolvem, em uma mesma operação, players de mercado em busca de retornos como os obtidos em produtos financeiros tradicionais, mas também outros atores dispostos a abrir mão de uma parcela de sua remuneração em nome de um bem maior, como, por exemplo, financiar microempreendedores ou ações ambientais que, de outra forma, teriam dificuldade de obter financiamento no mercado.
É assim, por exemplo, que bancos de fomento e organismos multilaterais (como o BNDES e a IFC, International Finance Corporation, ligada ao Banco Mundial), e famílias com maior atuação no segmento da filantropia apoiam a estruturação de instrumentos ligados ao mercado de capitais.
Esses grupos participam, suponhamos, do lançamento de produtos como FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), mas na condição de cotas subordinadas, que, por definição, são mais sujeitas a riscos em uma eventual inadimplência, garantindo o ganho para os investidores tradicionais, que, como acabamos de mencionar, buscam uma rentabilidade mais próxima daquela que é obtida em um produto financeiro do mercado tradicional.
Uma das empresas que atuam nesse mercado, a Estímulo, por exemplo, concluiu, no ano passado, sua primeira captação, com um total de R$ 15 milhões e rendimento fixo de 120% do CDI por três anos para os investidores de cotas júniores. Rentabilidade que, aliás, mesmo no caso dessas cotas subordinadas, não deixa de ser interessante do ponto de vista financeiro. Fato é que há um comprometimento de característica ESG entre os investidores de cotas subordinadas.
Comprometimento que, como está claro, acaba viabilizando as operações. Outro exemplo interessante é o de uma operação ligada ao programa Vivenda voltado à reforma de moradias em favelas e que foi financiado por meio da primeira debênture financeira social do Brasil. Do total captado, R$ 5 milhões, 40% vieram de um fundo ligado à fundação Tide Setúbal, que adquiriram cotas subordinadas, de maior risco. O restante, as cotas sêniores, foi adquirido por investidores de private banking do Itaú (ITUB4), como mostra matéria veiculada no jornal Valor.
Mais recentemente, o BNDES já deixou claro que tende a acelerar, também, sua participação nas blended finance.
No ano passado, o banco de fomento realizou uma chamada pública para aportar R$ 90 milhões a fundo perdido em projetos com as temáticas de bioeconomia florestal, economia circular e desenvolvimento urbano. Em linhas gerais, a estrutura financeira do produto prevê que, para cada real investido pelo BNDES (a fundo perdido), outros três fossem obtidos junto a investidores diversos. Entre os projetos selecionados, instrumentos como CRAs, CRIs e FIDCs.
Esse é, como se pode imaginar, um mercado que ainda engatinha no Brasil, mas que, globalmente, já apresenta números relativamente vistosos. São US$ 181 bilhões em 895 projetos, segundo a plataforma especializada Convergence. A África Subsaariana é a região que concentra a maior parte das operações, 49%, com a América Latina vindo logo em seguida, 17%. Os recursos captados, por sua vez, vão para projetos ligados a meio ambiente (energia, sobretudo), operações de apoio financeiro (financial services), agricultura, saúde, educação e outros.
A expressão blended finance pode, ainda, soar desconhecida, mesmo entre alguns players do mercado financeiro, que dirá entre quem é menos familiarizado com o universo dos instrumentos de investimento. Mas esse é um arranjo promissor. Os problemas ambientais e de desigualdade do Brasil são mais que conhecidos. Mas é conhecida – e reconhecida – também a sofisticação de seus mercados financeiro e de capitais.
Um modelo que pode, sim, se desenvolver e conquistar mais espaço.