Há vida além da renda fixa hoje no mercado?
A pergunta do título deste artigo, apesar de ser uma provocação bem intencionada, é reflexo de um sintoma grave que tenho percebido em minhas conversas com investidores entusiasmados com a era da renda fixa de dois dígitos “sem risco”.
Tenho mais de duas décadas no mercado financeiro – e contando –, por isso posso dizer que já vi muita coisa, já errei bastante e, sobretudo, sempre procurei aprender com o que vi e errei.
E um dos aprendizados que tento transmitir aos investidores com quem converso é o seguinte: o risco é inerente ao ato de investir. São coisas indissociáveis.
E digo mais: não investir pode ser ainda mais perigoso. Vamos por partes.
Sem complicar muito nossa conversa, podemos dizer que, ao investir, três fatores precisam ser considerados: liquidez, risco e retorno.
É comum dizer que, quanto maior o risco de uma operação, maior é o retorno ou prêmio exigido pelo investidor. O mesmo se aplica à liquidez (facilidade de converter o investimento em dinheiro): quanto mais ilíquido é um ativo, maior tende ser a exigência de retorno.
Disso já dá para notar uma coisa inescapável: se um tipo de investimento líquido está rendendo mais, como o Tesouro Direto, é porque seu risco também deve ter aumentado.
E, quando falamos de títulos públicos, precisamos avaliar o risco da moeda na qual eles são emitidos. Se essa moeda tem forte expectativa de desvalorização (perda de poder aquisitivo), é natural que os investidores se mostrem mais receosos em expor seu patrimônio a ela.
Tome como exemplo a Argentina. Sei que estamos longe do quadro vivido por lá – embora já tenhamos flertado com ele há não muito tempo –, mas os juros pagos pelos “hermanos” nos títulos lastreados em pesos argentinos estão na estratosfera. Mesmo assim, tente encontrar um argentino que guarde sua poupança em pesos. Jamais encontrará. Até mesmo pelo histórico de confisco que eles já viveram (vide o triste episódio “corralito”).
A máxima da diversificação
E o que os argentinos fazem para preservar seu patrimônio, você pode estar se perguntando. Basicamente duas coisas: investem em ativos reais, como imóveis, ouro e joias, e dolarizam sua poupança. Como o governo local vem impondo cada vez mais restrições à aquisição de dólares, e a inflação não para de subir no país, a proporção de ativos reais como forma de poupança e proteção dos argentinos é muito grande, especialmente entre aqueles que ainda não “emigraram” suas aplicações.
Por isso, a máxima da diversificação nunca se mostrou tão verdadeira como agora: não concentre sua carteira e seu patrimônio em apenas uma classe de ativos, nem que ela seja considerada “sem risco”.
No caso da renda fixa, é preciso dizer que ela não é tão “fixa” assim. Como você sabe, o retorno prometido só é pago ao final do prazo contratado. Antes disso, o valor do papel varia segundo as condições de oferta e demanda.
O gráfico abaixo, tirado do site do Tesouro Nacional, mostra a cotação do título Tesouro IPCA+ 2035. Perceba a forte desvalorização que ele sofreu desde o início do ano passado.
Isso significa que, se você investiu nesse título para se proteger da inflação, deve ter notado uma sensível perda patrimonial até o momento. A razão é que, até a data de vencimento, o papel sofre a chamada “marcação a mercado”, podendo tanto ganhar como perder valor. Nesse caso em específico, se você decidisse resgatar o dinheiro por qualquer motivo, sairia perdendo mais de 20% se considerar os custos e a inflação.
Por isso, muito cuidado com a renda fixa, ela não é o paraíso que muitos pintam por aí.
Diversificar o patrimônio de forma inteligente
Mas o que fazer para diversificar o patrimônio de forma inteligente?
Já tive a oportunidade de escrever nesta coluna sobre dois conceitos indispensáveis na hora de diversificar o portfólio: não correlação e fronteira eficiente.
Quando você insere ativos não correlacionados na sua carteira, evita que o risco de uma classe de investimentos se espalhe por todo o portfólio, gerando perdas patrimoniais significativas, ainda que estejamos falando de ativos “sem risco”.
Por isso, é muito importante que você tenha ativos tradicionais de renda fixa e variável na sua carteira, mas também não ignore a importância dos chamados investimentos alternativos, que geralmente não são oferecidos por bancos ou corretoras, mas têm o benefício de estarem lastreados em ativos reais, como imóveis ou bens de capital, por exemplo, e ainda oferecem rentabilidade acima da média dos principais índices de referência, como CDI e Ibovespa.
Os ativos alternativos também permitem que você melhore a fronteira eficiente da sua carteira, isto é, seu potencial retorno para o mesmo risco teórico.
Digamos que você se interesse pelo setor de energia e, em especial, por fontes renováveis, como energia solar e eólica. Ao invés de concentrar sua alocação em ações de empresas do segmento na bolsa de valores, você também poderia, por exemplo, participar de uma captação de crowdfunding e se tornar sócio de uma usina solar.
Esse tipo de investimento direto permitiria que você evitasse o risco do mercado financeiro, ao investir na economia real, podendo ainda obter retornos superiores a 20% ao ano com distribuições mensais do resultado da usina.
Em conclusão, não caia no canto da sereia do “investimento sem risco” e procure sempre diversificar ao máximo seus investimentos, buscando reduzir a correlação dos ativos na sua carteira e, ao mesmo tempo, melhorar sua fronteira eficiente em busca do máximo retorno possível para o seu dinheiro.