A peso de cobre
Num mundo em profunda transformação, com crescente preocupação sobre as emissões de carbono na atmosfera e uma tendência estrutural de mudança da matriz energética para energias limpas e renováveis, um elemento será protagonista nesse cenário: o cobre.
O metal, que se imagina ter sido o primeiro a ser utilizado pelo homem há mais de 10 mil anos, apresenta alta capacidade de condução elétrica e térmica, sendo matéria-prima na maior parte dos equipamentos e sistemas elétricos. Usado em tudo, desde fiação a baterias e motores, o cobre é fundamental nessa transição de um sistema de geração de energia baseado em hidrocarbonetos (petróleo e gás) para um com fontes sustentáveis, como a solar e a eólica.
A preocupação com o meio ambiente tem levado as principais economias a adotar programas relevantes de expansão da energia sustentável e redução da emissão de carbono.
A China, que representa uma parcela significativa do crescimento da capacidade de energia renovável do mundo, comprometeu-se a alcançar a neutralidade de carbono até 2060. A Europa, com o “Pacto Ecológico Europeu”, pretende ser o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.
Os Estados Unidos, por sua vez, voltaram a aderir ao Acordo de Paris – uma mudança significativa em direção à descarbonização, anunciando investimentos nessa área de até US$ 2 trilhões em 4 anos. O país norte-americano tem entre suas metas: a consolidação de um setor energético neutro em carbono até 2035; a descarbonização do setor de transportes; e a implementação de investimento de US$ 400 bilhões em novas tecnologias, como o hidrogênio verde.
Nesse contexto, estima-se que a energia renovável passará de 15% da produção total de energia do mundo em 2019 para 90% em 2050, com essa demanda “verde” tendo um impacto transformador na demanda por cobre.
Como exemplo de um dos vetores desse crescimento, podemos citar o aumento da adoção de veículos elétricos pela população mundial. Diversos países, como Noruega, Canadá e o Reino Unido, já anunciaram a proibição da produção e venda de carros novos movidos a combustíveis fósseis a partir da próxima década.
Nos automóveis, o cobre é encontrado em baterias elétricas, bobinas de motor, inversores e na fiação. O consumo de cobre num veículo elétrico padrão é de 60 a 83 quilos por carro, quatro vezes maior do que o utilizado em um veículo com motor à combustão, que utiliza de 15 a 20 quilos. Além disso, o metal é um componente crucial para a montagem de veículos elétricos, sendo necessário, por exemplo, para o cabeamento das fontes de carregamento.
Outro componente importante para a alta expressiva da demanda por cobre são os investimentos em infraestrutura – o metal é utilizado em muitos materiais de construção, incluindo fios elétricos e tubulações. Cerca de 43% de todo o cobre consumido pelos Estados Unidos em 2020 foi utilizado no setor de construção civil, enquanto produtos elétricos e eletrônicos representaram 21% do consumo e veículos elétricos 19%.
Nesse sentido, o plano do presidente Joe Biden de investir pesadamente em infraestrutura nos EUA e os projetos na China reforçam as expectativas do aumento de demanda oriunda desse campo.
O resultado é que a década de 2020 poderá ser o período na história de maior crescimento da demanda global por cobre. A indústria do metal, porém, não está preparada para esse papel crítico.
No momento, há a expectativa de um certo déficit na oferta de cobre, frente à demanda projetada para os próximos anos. Geograficamente, o cobre é encontrado em mais de 20 países. Os maiores produtores são Peru, China, EUA e Chile, sendo esse último responsável por um quarto da produção mundial do metal.
Na última década, os baixos retornos e as preocupações relativas às políticas ambientais traduziram-se em baixos investimentos em novos projetos para produção de commodities e o setor do cobre também teve poucos projetos nos últimos anos.
Além disso, a tragédia relacionada à pandemia gerou paralisações generalizadas das minas de cobre em 2020, além de desencadear a postergação de projetos em andamento, bem como o cancelamento de novos, impactando os níveis dos estoques e o fornecimento global da matéria-prima. Isso ocorreu, entre outras razões, por conta de a maioria das minas estar concentrada na América Latina, região duramente atingida pela pandemia.
Sob a ótica de produção, após dois anos consecutivos de crescimento estável, principalmente devido a menores teores de extração e interrupções na produção, o impacto da COVID-19 nas operações de mineração de cobre levou a produção do metal a cair 2,6% em 2020, para um total de 20,1 milhões de toneladas.
Olhando para frente, espera-se que a produção global de cobre experimente um crescimento de mais de 5% em 2021, apoiado pela retomada das minas à capacidade total, bem como a aceleração da produção (“ramp-up”) de novas minas.
A produção deve chegar a 24,6 milhões de toneladas em 2024 – uma taxa de crescimento da ordem de 5% – sendo que Chile, Peru, Austrália, Indonésia e os EUA serão os principais contribuintes para o crescimento.
Do lado da demanda, com o impacto da transição verde e maciços investimentos em infraestrutura, projeta-se um crescimento da demanda global de cobre significativamente maior na década de 2020 (em torno de 3%) em comparação com a década de 2000 (1,2%) e 2010 (2,5%).
Analisando-se somente veículos elétricos, energia eólica, energia solar e baterias, estima-se que até 2030 a demanda de cobre nessa transição “verde” crescerá a uma taxa média anual de 20%. Isso implica, em um cenário base, num crescimento dessa demanda de 600% na década ou de até de 900% no caso de uma “hiper adoção” de tecnologias sustentáveis.
A dificuldade dos produtores de garantir o atendimento da demanda no curto e médio prazo levou à escalada do preço do cobre nos últimos meses. A alta acumulada em meados de maio de 2021 é de aproximadamente 35% desde o início do ano e de quase 100% nos últimos 12 meses.
A expansão dessa indústria tem um “ciclo longo”. Leva-se de 2 a 3 anos para expandir uma mina já existente e até oito anos para estruturar um novo projeto. Estima-se que de cinco a dez projetos de expansão de minas atualmente existentes aconteçam nos próximos 12 meses, sendo que metade deles não começarão sua produção antes de cinco anos. Não há também estimativas da entrada de projetos novos nos próximos 12 meses.
A agenda verde, embora gere uma demanda estruturalmente maior pelo cobre, acaba impactando também os próprios produtores, em função da preocupação dos participantes de mercado com as práticas ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG). A indústria do cobre está sujeita a um escrutínio cada vez maior por parte de reguladores e de legisladores, que visam reduzir os riscos à saúde e ao meio ambiente associados à extração e ao processamento do metal, pressionando as mineradoras a elevar o padrão das operações e a reduzir as emissões de carbono.
A dinâmica de forte aumento da demanda culminará provavelmente em um momento de um dos maiores déficits de médio a longo prazo já vistos para o metal. Investimentos em novos projetos além dos já programados demandam uma estabilidade dos preços em patamares superiores aos atuais. Analistas do setor indicam que o preço do metal pode alcançar US$ 15 mil por tonelada em 2025, uma alta expressiva frente aos atuais e já elevados US$ 10 mil por tonelada.
A expressiva alta dos preços pode, por outro lado, levar a um maior nível de reciclagem e a uma substituição do cobre por alternativas mais baratas, com o custo, entretanto, de uma menor eficiência energética e de uma baixa confiabilidade.
Sob esse aspecto, quando um recurso se torna escasso ou muito caro, as empresas procuram substitutos mais abundantes e baratos. As propriedades físicas do cobre dificultam, entretanto, essa troca. O principal concorrente do cobre é o alumínio, por ter propriedades elétricas e térmicas semelhantes, porém inferiores – a sua menor condutividade reduz a eficiência e aumenta os custos de manutenção.
Além disso, em quase todas as tecnologias renováveis, o custo do cobre é uma fração do custo final, o que implica que a substituição do cobre pelo alumínio cria uma economia mínima considerando o projeto de uma forma geral.
A reciclagem, por sua vez, é um fator bem relevante e precisa ser levada em consideração nesse debate sobre o atendimento da demanda futura por cobre. Estima-se que, em média, 35% do consumo mundial do metal vem do cobre reciclado, já que o mesmo é intrinsicamente um material circular e não apresenta perda de qualidade quando reutilizado para outra função.
Um maior volume de reciclagem de cobre pode ajudar a atender a demanda, porém esbarra em barreiras ambientais, em especial na China. O país, maior importador mundial de cobre, depende fortemente de concentrados de cobre refinado para atender a demanda dos setores de manufatura, infraestrutura e energia.
Em busca da redução da emissão de carbono, o governo chinês impôs medidas para a redução da coleta e do processamento de sucata doméstica, com um controle rígido sobre as importações de sucata para reduzir a alta poluição gerada no seu processamento.
Em suma, a aceleração na adoção de práticas ambientais mais contundentes pode esbarrar em restrições estruturais do mundo. O déficit da indústria de cobre e a contínua escalada de preços nos próximos meses e anos podem ser um desafio aos líderes mundiais engajados na “descarbonização” e que contam com uma transição da matriz energética para combater as mudanças climáticas.