Fiscal: do risco à dominância
O Brasil tem lidado com o lado fiscal de sua economia de maneira pouco efetiva. Isso fica bastante evidente se acompanharmos a evolução da relação Dívida Pública versus PIB. Durante quase 10 anos, de 2006 até 2014, essa relação apresentou certa estabilidade por volta dos 55%. Valores que não são considerados “pequenos”, mas o equilíbrio dessa relação traz um certo conforto para os investidores nacionais e internacionais.
Da mesma maneira que uma empresa privada tem um risco de crédito melhor quanto menor e mais estável a sua dívida permanece, uma estabilidade da relação Dívida versus PIB indica um melhor risco de crédito do Brasil. A Standard & Poor’s, uma das mais famosas e reconhecidas empresas de avaliação de riscos do mundo, tem sua escala de avalição que vai de AAA (melhor) para CCC (pior).
De abril de 2008 a setembro de 2015, o Brasil teve avaliações de crédito acima do rating BBB pela primeira vez na história recente do País. Nesse período, éramos considerados “investment grade”, ou seja, um bom risco de crédito e possibilitando que investidores mais conservadores colocassem seus recursos em ativos brasileiros.
Uma conquista que os ativos brasileiros comemoraram, como por exemplo, o Real se valorizando em relação ao Dólar americano de R$ 2,60 no início de 2005 para R$ 1,60 na mínima de 2011. O momento da economia mundial e o preço das commodities, além do que foi falado, colocaram o Brasil em uma situação fiscal e econômica mais tranquila.
A partir de 2014, a situação fiscal brasileira tem se deteriorado assim como sua avalição de risco. Saímos de uma dívida de 56% do PIB em 2014 para 74% em 2019. O risco fiscal subiu na mesma intensidade que o nosso rating caiu. Saímos de um rating BBB em novembro de 2011 para BB- em dezembro 2019.
Esse rating é 3 graus abaixo do “investment grade”, representando uma queda de 4 graus do máximo que tínhamos atingido. Da mesma maneira, os ativos brasileiros sofreram muito com o Real se desvalorizando em relação ao Dólar americano de R$ 2,60 no final de 2014 para R$ 4,00 no final de 2019.
A piora fiscal não explica totalmente esse movimento do BRL, mas agravou os movimentos da economia mundial que não foram as melhores para os mercados emergentes.
Em 2020, foi necessária uma rodada significativa de gastos públicos para combater os danos econômicos da luta contra a Covid-19. Novamente, tivemos um salto da nossa dívida atingindo 88% do PIB no final do ano passado. O risco fiscal se tornava uma realidade e muitos agentes econômicos projetavam uma relação acima de 100% para os próximos 5 anos.
Devido a um forte crescimento da economia em 2021 e uma inflação muito acima do esperado, a nossa dívida deve fechar o ano abaixo dos 85% do PIB.
Os fatores que levaram a queda dessa relação em anos anteriores não devem se repetir nos próximos anos, já que a previsão de crescimento do PIB para 2022 é inferior a 2,5% e a inflação deve ser abaixo de 4%, bem diferentes dos números de 2021 (crescimento acima de 5% e inflação próxima a 7%).
Previsões mostram que podemos chegar a uma relação de 90% do PIB em menos de 5 anos. Isso sem contar com novos gastos do governo, o que não seria uma surpresa dado que 2022 é um ano eleitoral. Estamos com um risco crescente caso não encaremos de frente os gastos públicos. Esse risco maior se chama Dominância Fiscal.
Dominância Fiscal é um círculo vicioso que ocorre quando o risco fiscal se sobrepõe a todos os outros riscos de uma País. A saída, na maioria das vezes, é passar por uma grande recessão econômica.
O círculo vicioso se inicia com uma percepção crescente do risco do país, levando a desvalorização da sua moeda. Isso tem por consequência um aumento da inflação, levando o Banco Central a elevar os juros do País para combatê-la.
Juros mais altos levam a uma queda do PIB, um aumento do serviço da dívida pública e uma piora da relação da dívida versus PIB. Em uma país onde essa relação já é muito alta, como é o caso do Brasil, temos um aumento do risco do país que leva a desvalorização da moeda e, assim, o círculo vicioso é retroalimentado.
Para romper esse processo, é necessário um grande esforço de redução dos gastos públicos e, com isso, reverter a trajetória explosiva da dívida retomando a confiança dos investidores nacionais e internacionais.
Essa brusca redução de gastos causa, na grande maioria dos casos, uma forte recessão econômica com aumento do desemprego e queda da renda per capita. É a sociedade pagando pelos erros públicos.
Quando se questiona o rompimento do teto de gastos do governo, direta ou indiretamente, ficamos mais perto de vivermos uma traumática Dominância Fiscal.
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Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno
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