Família, escola ou governo?
É consenso atualmente que a educação financeira dos jovens deve ser uma prioridade. Conteúdos sobre o tema se tornaram obrigatórios nas escolas. As iniciativas voltadas à capacitação de crianças e adolescentes se multiplicam. Mas, afinal, de quem é a responsabilidade por educar financeiramente a futura geração? É uma tarefa da família, da escola ou deve ser tratada por meio de políticas públicas coordenadas pelo governo? O ideal é que todas essas esferas estejam envolvidas e empenhadas no processo de formar cidadãos competentes e conscientes financeiramente.
No mês passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) promoveu a edição brasileira da Global Money Week (GMW), uma campanha da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo da iniciativa é aumentar a conscientização sobre a importância de garantir que os jovens desenvolvam conhecimentos, habilidades e comportamentos. Tudo isso para ajudá-los a tomar decisões financeiras saudáveis.
Durante uma semana, foram realizados inúmeros eventos em todo o país, e a própria CVM promoveu uma série de palestras online. Em um dos eventos, o superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da autarquia, José Alexandre Vasco, lançou um questionamento que certamente aflige muitos pais e mães brasileiros: será que nossos jovens, quando concluem o ensino médio, estão preparados para o mundo do trabalho e do dinheiro?
Para que este desafio seja superado, não basta contar com os conteúdos transmitidos na escola. Afinal, uma educação financeira completa não traz apenas conhecimentos sobre matemática, por exemplo. É, principalmente, uma questão de desenvolver comportamentos que irão ajudar os jovens a terem bem-estar financeiro em sua vida adulta. Durante os eventos da GMW, alguns dos maiores especialistas trouxeram insights valiosos sobre como podemos ajudá-los nessa jornada. Nesta coluna, apresento um resumo de alguns temas importantes que foram debatidos nos painéis. Confira:
Princípios emocionais
Um dos elementos fundamentais da educação financeira é a capacidade de tomar decisões. Para os adolescentes, este é um aprendizado difícil, especialmente porque não depende da transmissão de conhecimentos, mas sim de princípios emocionais. Cabe à família ajudar no desenvolvimento dessas habilidades.
A neurocientista Carla Tieppo conhece bem o assunto e afirma: o momento em que o conhecimento é posto à prova é a hora da tomada de decisão. A neurociência nos ajudou a entender que não basta dar orientações. O cérebro humano tem duas maneiras de reagir a situações externas: o sistema lento e o sistema rápido. Para melhorar o processo decisório, é fundamental aperfeiçoar a qualidade do sistema rápido. A educação tradicional é muito focada em dados, mas pouco instrui os jovens sobre como devem reagir intuitivamente em relação aos problemas.
Conhecimento sistematizado
Por outro lado, quanto maior é o acesso ao conhecimento, mais as pessoas conseguem tomar atitudes racionais. É o que diz a educadora financeira Laura Coutinho. Por isso, ela defende que os papéis da escola e da família são complementares no processo de aprendizagem, sendo que é na escola que o aprendizado acontece de forma sistematizada, organizada e intencional.
Nesse sentido, o espaço escolar é bastante propício para falar sobre temas ligados a dinheiro, que muitas vezes são tratados como tabu pelas famílias. O desafio é articular a transmissão de conhecimentos com o desenvolvimento de habilidades, e isso pode ser feito por meio de metodologias ativas que convidem os estudantes à participação e à mudança de atitude. A educadora Laura Coutinho compartilhou sua percepção de que experiências bem-sucedidas em escolas transformam os alunos em multiplicadores: muitas vezes, especialmente no caso de famílias de baixa renda, eles usam as competências adquiridas para ajudar os pais a lidar melhor com dinheiro.
Projeto de vida
Quanto ao papel do poder público, o professor da USP Ricardo Madeira, avalia que a educação financeira como política pública deve trazer uma abordagem interdisciplinar, sendo considerada como parte central do projeto de vida do aluno. No painel da GMW que tratou deste tema, ele ressaltou a importância de o ensino escolar preparar os jovens para a vida adulta, oferecendo uma formação humana integral. Para que isso aconteça, ele defende que a educação pública faça sentido para os jovens, indo além da sistematização do conhecimento e assumindo um compromisso com a resolução de problemas e o trabalho em rede.
Como se pode ver, mesmo apresentando pontos de vista diferentes, os debates convergiram para a ideia de que a educação financeira deve buscar a complementaridade entre habilidades socioemocionais, conteúdos sistematizados e uma preparação integral para a vida adulta. Essa é, também, a minha visão sobre os papéis de cada um dos agentes desse processo. E você, o que acha?