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Marco Carnut
Criptomoedas: . Foto: Pixabay

Criptomoedas: . Foto: Pixabay

Onde Estará o Fim da Linha das Criptomoedas?

Toda vez que alguma corretora de criptomoedas desaba, os criptofóbicos renovam suas profecias da morte do setor, como recentemente fez Paul Krugman em um artigo intitulado “É o fim da linha para as criptomoedas?” O título é puro sensacionalismo: na verdade, ele fala um monte de coisas que sugerem exatamente o oposto do que o título dá a entender.


O Krugman, aliás, é figurinha marcada entre os entusiastas de criptomoedas, que não cansam de desdenhar de suas previsões por ter vaticinado, em um artigo de 1998, que o impacto da Internet na economia não seria maior do que foi o das hoje quase extintas máquinas de fax.

Mas, se nos artigos anteriores ele deixava claro seu desprezo abjeto pelas criptomoedas, neste artigo mais recente vê-se um discurso mais moderado e amadurecido: em certo ponto, ele admite que “previsões anteriores a respeito do declínio do setor não se concretizaram” e que “o fato que bitcoins e seus competidores não são verdadeiramente usáveis como dinheiro vivo não precisa significar que as criptomoedas não tenham nenhum valor – afinal, é possível afirmar o mesmo a respeito do ouro.”

Em outros pontos, porém, ele recai na velha estratégia das verdades pela metade: ao citar que o preço do bitcoin caiu 70% em relação ao pico, diz que três quartos dos usuários “perderam dinheiro até aqui”, omitindo que só perde dinheiro quem optou por vender; e que, para vender, é preciso ter alguém que queria comprar. Omite também as estatísticas de quanta gente não vendeu, preferindo aguardar as próximas altas.

O viés é claro: assustar é mais importante que esclarecer. Apesar que ele quase se redime quando diz que “quem comprou ações da Meta (M1TA34), dona do Facebook, ano passado teve perdas similares” e que “valores em queda não significam que as criptomoedas estão arruinadas”. Contradiria o próprio título do artigo se este não estivesse na interrogativa.

Outra verdade que ele fala é ao constatar que as corretoras de criptomoedas se tornaram iguaizinhas às instituições financeiras tradicionais. De fato, elas tratam os criptoativos como mera mercadoria e em pouco ou nada adotam dos seus preceitos ou avanços tecnológicos no âmago dos seus processos de negócio. Não é de se espantar que padeçam das mesmas mazelas: não dá pra ser diferente fazendo tudo igual. Perde-se aqui novamente a oportunidade de informar: as corretoras se tornaram uma cópia dos sistemas financeiros tradicionais justamente porque parece ser o único jeito de respeitarem a regulação.

Por isso mesmo, não faz muito sentido quando ele diz que “não parece provável que os setor consiga sobreviver à regulação”? Se o “setor cripto” apenas “repetiu o sistema bancário tradicional”, por que não sobreviveriam, se o tal sistema tradicional sobrevive? (a menos que a “regulação por vir” seja explicitamente projetada para matar o setor). Na ausência de uma justificativa, dá a impressão que ele está apenas exprimindo seu desejo pessoal.

O artigo também perde a chance de fazer indagações mais profundas: por exemplo, se não estaria a regulação sufocando a inovação; nem por que a regulação não tem evitado fraudes, golpes e falências antes de ser tarde demais – como no caso que ele cita tangencialmente de uma corretora chamada FTX, cuja recente derrocada afetou várias outras empresas do ecossistema.

Aliás, o estopim do artigo do Krugman parece ter sido justamente o pedido de recuperação judicial da FTX, que, até pouco tempo atrás, era uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, quando então se descobriu que seu balanço era uma fraude e sua gestão algo entre amadora e
corrupta – coisa recorrente na economia convencional, haja vista a Elizabeth Holmes da Theranos, ou o gigapiramideiro Bernie Madoff, só pra citar os mais famosos. A primeira foi recentemente sentenciada a 11 anos de prisão, o segundo a 150, e os dois viraram séries na Netflix. É bem capaz que o destino do Sam Bankman-Fried, CEO da FTX, vá pelas mesmas linhas.

Voltando ao artigo: em dado ponto, Krugman ofende milhões de pessoas ao dizer “nunca ficou claro que ninguém além de criminosos gostariam de transferir fundos sem a necessidade de um Citigroup ou Santander”. A possibilidade de existirem cidadãos honestos que estão apenas insatisfeitos em serem reféns de instituições como essas, que não podem auditar, não parece lhe passar pela cabeça.

Considere a alternativa: no âmago das redes de criptomoedas (um lugar que a maioria dos clientes das corretoras nem sabe que existe, mas que é acessível a todos), a auditoria vem primeiro, e a transferência só se concretiza se a auditoria tiver sucesso. Isso é o contrário dos sistemas financeiros tradicionais, em que a transferência vem primeiro e a auditoria, depois (e, às vezes, nunca). Essa inversão faz a toda a diferença: qualquer tentativa de trapaça é prontamente detectada e sumariamente descartada. Ninguém, nem nada, é considerado confiável a priori. Essa auditoria é feita automaticamente, em tempo real, pelos algoritmos.

E mais: o histórico de transações (o tal “blockchain”) fica público para que, entre outras coisas, qualquer humano possa vir, a qualquer momento, e conferir que tudo foi feito rigorosamente de acordo com as regras. Você consegue convencer a si mesmo e a outras pessoas que seu banco jamais cometeu nenhum erro, nem com você, nem com ninguém? Com bitcoin e criptomoedas, você pode.

Não seria tão legal se a gente tivesse essa transparência visceral, por exemplo, em votações digitais em que os eleitores pudessem auditar que seus votos foram contados corretamente, que não houve votos fabricados do nada fora das regras do sistema, sem precisar acreditar na palavra de alguém? É uma das coisas que os blockchains permitiriam se aplicados séria e competentemente a sistemas eleitorais. Mas, sem dúvida, seria uma transformação estrutural tão profunda que talvez nossas instituições só estejam culturalmente prontas pra isso daqui a algumas gerações.

E isso só pra citar um exemplo. Já pensou o quanto evoluiríamos se conseguíssemos inculcar essa abordagem de auditoria constante e contínua no cerne dos nossos processos de negócio e modelos de gestão, tanto em instituições privadas quanto públicas? Seria um caminho para que tivéssemos mais auto-soberania e pudéssemos, se não sair por completo dos relacionamentos abusivos com os centralizadores, pelo menos reduzir suas assimetrias.

É essa a utopia possível que os nerds dos blockchains estão a construir. O que Krugman não vê, ou não quer ver, ou, se vê, não quer que você veja, é que as criptomoedas são muito mais do que só o ecossistema de corretoras; é um novo paradigma de contabilização, tão transformador no século XXI quanto foi o método das partidas dobradas no século XV. Descartar o ecossistema de blockchains e criptomoedas é continuar com o fax em plena era da internet – quem decide se é o fim ou o começo da linha é você.

Nota

Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno.

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