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Marco Carnut

Fatos desconexos ou assimilação a todo vapor?

O Bank for International Settlements, conhecido como o “Banco Central dos Bancos Centrais”, publicou em dezembro de 2022 um documento chamado “Tratamento Prudente de Exposição a Criptoativos” (“Prudential Treatment of Cryptoasset Exposures”, caso queira buscar no Google) em que estabelece um arcabouço para permitir que os bancos centrais possam ter até 2% de suas reservas no que chamam de “criptomoedas não lastreadas” (Bitcoin, Ethereum etc. se encaixam aqui) e exposições maiores, sob umas regras mais complicadas, para “stablecoins” (criptoativos supostamente lastreados por uma moeda nacional tradicional “estável”).

Um candidato a PhD em Economia de Harvard publicou um artigo acadêmico arguindo que uma maneira de aliviar impactos de potenciais sanções econômicas seria ter até 5% das reservas em bitcoin e bem mais que isso se tivesse acesso a grandes quantidades de ouro; ou talvez até 20% em bitcoin caso não tivesse acesso a ouro.

Esse artigo foi super-celebrado pela mídia – procure por “Harvard paper to central banks: Buy Bitcoin!” no Google. Ou pode ter sido apenas a estratégia comum de publicar o trabalho de PhD pra arrumar um emprego.

Muito menos celebrado foi um artigo da Escola de Economia da Universidade de Pequim que, meio que por outras vias, chegou a mais ou menos à mesma conclusão. Procure no Google por “Bitcoin as a Safe-Haven Asset and a Medium of Exchange” (“Bitcoin como um Ativo ‘Porto Seguro’ e como Meio de Troca”). Em dado ponto o artigo diz que “não há dúvida que é melhor investir em bitcoin e ouro ao mesmo tempo”, algo que os maximalistas vêm dizendo há anos. Mas talvez o mais curioso nesses estudos, pelo menos até o momento, é a ausência de outras criptomoedas “grandes”, como o Ethereum.

Aqui no Brasil, no final de dezembro de 2022, foi aprovada a lei 14.478 (antigo “Projeto de Lei 4401”), que dispõe sobre “prestação de serviços de ativos virtuais”. Apesar dessa lei ainda ainda deixar muito em aberto que será mais pormenorizadamente definido por uma entidade reguladora (em teoria ainda a ser definida, mas que muita gente aposta que será o BACEN), pelo menos uma coisa é certa: acabou o discurso de que o mercado de ativos virtuais não é regulado.

Agora no início de março a B3 anunciou que a partir do fim desse mês passará a oferecer contratos futuros de criptomoedas, potencialmente tornando-os acessíveis a um leque imenso de investidores institucionais. Procure no Google por “B3 Cryptocurrency Futures”. Lembrando que a B3 já oferece desde o ano passado outros produtos envolvendo criptoativos, como fundos de índice (ETFs) de criptomoedas.

Enquanto isso, “noutro lado do mundo crypto”, os desenvolvedores do Ethereum anunciaram que a próxima atualização, cujo codinome é “Shanghai”, vai permitir que os validadores saquem os 32 ETH (equivalentes a uns R$ 275 mil à época em que esse artigo foi escrito) que puseram em depósito para se tornarem validadores (o equivalente aos “mineiros” da rede Bitcoin). Isso repele de uma vez por todas a noção de que o Ethereum poderia se tornar mais um esquema de rendimentos pelo qual não se pode sacar o investido – principal característica de praticamente toda pirâmide. Procure no Google por “Ethereum Shanghai Update”.

Ainda em outro recôndito da “criptosfera”, o psicodélico universo dos “colecionáveis digitais” (também conhecidos como “non-fungible tokens” ou “NFTs”) reencarnou no Bitcoin com o advento dos Inscriptions: um novo meio, menos caro que os antecessores, de armazenar dados digitais quaisquer no Blockchain de forma que sua propriedade possa ser transferida. A diferença crucial é que, em outras redes/sistemas, o tal “colecionável digital” ficava hospedado em sites externos que poderiam sair do ar a qualquer momento, como já aconteceu várias vezes; ao passo que, nos Inscriptions, os dados ficam realmente “eternizados” no Blockchain.

Essa nova moda já fez com que os blocos emitidos de dois meses para cá na rede Bitcoin praticamente dobrassem de tamanho a ponto de aumentar significativamente a receita dos mineradores – e para o horror dos desenvolvedores do Bitcoin, que há muito defendem que “colocar dados não-monetários no Blockchain é uma má ideia”. Procure no Google por “Bitcoin Inscriptions” e “Bitcoin Ordinals” (são coisas distintas mas interligadas, e muita gente e muito sites tratam os dois como uma coisa só.)

E, para terminar, o chairman da Securities and Exchange Commission (o equivalente americano da nossa “Comissão de Valores Mobiliários”) Gary Gensler tem feito notícia – e causado controvérsia – ao defender que todos os “crypto tokens” são valores mobiliários exceto o Bitcoin, e, portanto, sob sua alçada regulatória.

Serão todos esses apenas fatos desconexos ou pontos que, se soubermos como os ligarmos, geram uma figura coerente? Tal como as constelações em um céu noturno limpo, há muitas imagens para se ver e imaginar.

Nota

Os textos e opiniões publicados na área de colunistas são de responsabilidade do autor e não representam, necessariamente, a visão do Suno Notícias ou do Grupo Suno.

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