O desafio de democratizar o ESG no Brasil
“As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem um mundo diferente do Canadá e do Estados Unidos. E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina do continente tenham que ser chamadas igualmente de América, evocando similaridades entre as duas que de fato não existem”. Nicolas J. Spykman, America´s Strategy in World Politics
Os mercados, indivíduos e governos precisam celebrar uma concepção de forma a democratizar o ESG no Brasil.
Cada palavra da sigla – em inglês, Environmental, Social e Governance – traz consigo significados muito importantes para que se coloque em antagonismo ao que está acontecendo no mercado brasileiro – e se traduza num dado norteador para a transformação na forma de se fazer negócios e investimentos no país.
O “Democratizar” enquanto ação e linguagem
Transparência, ética, participação, liberdade enquanto força do desenvolvimento – além de horizontalidade, diversidade e espaço ao contraditório – inclusão, a alocação ótima com um olhar multistakeholder.
Mais que a popularização do ESG, a “democratização” tem, neste caso, o conceito holístico da sustentabilidade em sua essência.
Trata-se de uma linguagem, em como incluir com ampla participação de todos os atores no que chamo de
“Democracia da sustentabilidade”.
A democratização se relaciona com uma ação constante, entrelaçando os aspectos individuais em sinergia com a responsabilidade da coletividade.
A democratização do ESG não será uma concessão das estruturas que alimentam as assimetrias e desigualdades – nada é de graça, afinal.
Para tal, é necessário um esforço consciente de empresas, governos e indivíduos, cada qual em seu papel.
Todos em direção a esse objetivo, transformando a retórica em materialidade, numa diligência perene entre a ação autêntica, acertos e erros para um constante esforço de aprendizado na gestão da governança e do impacto produzido.
Democratizar é se apropriar às claras das novas regras do jogo. Entretanto, não haverá uma real empregabilidade dos fatores ESG sem que os caminhos e possibilidades tenham a escalabilidade e acessibilidade necessárias.
É necessário tornar viável a mudança de uma economia insustentável em seus processos, de forma a transitar para uma economia rentável, complexa e sustentável.
Há de se ter uma demarcação de processos produtivos inclusivos, com amplos setores da sociedade em convergência nos termos éticos e de atuação.
Enquanto verbo, “democratizar” sugere uma ação de forma que não se percam os objetivos econômicos e individualidades em um ambiente de negócios vibrante, inovador e inclusivo. Democratizar o ESG é premissa, mas não basta.
ESG como leque de opções e método
Menos passional e mais racional. Não será a moral conjuntural a solução para problemas complexos nessa transição.
Os fatores ambientais, sociais e de governança, para além de um ativismo retórico, traz em sua arquitetura significados de um método amplo de estratégia, processos e comunicação.
Isto significa uma estrutura capaz de reconfigurar a capacidade de planejamento de curto, médio e longo prazo – ao passo que também afirma objetivos claros de avaliação, métricas de controle e riscos, desenvolvimento e impacto.
Isso tudo, claro, sob uma régua cultural e ética mínima dentro de processos transparentes, inseridos no que é material a cada setor.
Em termos práticos; o ESG dispõe de técnicas para as operações de forma a encontrar oportunidades e gerar impacto, maximizando retorno e minimizando riscos.
Brasil, um olhar pra dentro
Tratemos das características nacionais. O Brasil aqui diz pouco sobre expansão geográfica e mais sobre características regionais.
Democratizar o ESG em território brasileiro é identificar nas próprias contradições e institucionalidade as práticas operacionais alinhadas à realidade do mercado interno e somadas às melhores práticas internacionais.
Não há aqui nenhum impulso nacionalista, muito menos ufanista típico de radicais (e sabemos bem onde isso dá), muito pelo contrário.
Trata-se de um exercício de auto conscientização, um olhar para dentro dos desafios e, em especial, das oportunidades dadas às condições de se produzir e empreender no país.
As singularidades dos desafios passam desde medidas de regulação e sistema tributário, até a questão da Amazônia, transição energética, discrepâncias de remuneração entre o “topo e o piso”, entre tantas outras.
Um exemplo “clássico”, e que temos visto aos montes, em especial no mercado financeiro, é a implementação de políticas de diversidade, equidade e inclusão aos “moldes europeus” com um recorte exclusivo de gênero.
Obviamente, que uma política inclusive de inserção feminina não é “qualquer coisa” para um mercado que nada fez ao longo de toda a sua história.
No entanto, no Brasil, a questão é mais complexa e exige que qualquer ação que se aspire como robusta de DE&I passe, necessariamente, pela compreensão de questões de gênero, raça, orientação sexual, condições físicas ou mentais, idade e todas as assimetrias causadas pelas desigualdades de renda, escolaridade e território de vivência.
Diferente às questões “nórdicas”, a utilização do conceito de interseccionalidade é uma premissa básica que configura o entendimento das contradições e desafios específicos da sociedade brasileira e que se expressam também – ou principalmente – no mercado de trabalho e interfere diretamente na produtividade das companhias.
Em termos de solução, para além dos gravíssimos problemas conjunturais de desmatamento, inviabilização e improbidade das estratégias de proteção e conservação da biodiversidade, aliadas às regulações com dinâmicas
engessadas em todos os setores, o Brasil tem em mãos uma oportunidade única de ser protagonista de um processo pioneiro de desenvolvimento global.
O país já possui a matriz energética mais limpa e competitiva do mundo, e gera a energia renovável (solar e eólica) mais barata do planeta.
Num amplo consenso estratégico de forma a reconfigurar estruturas de emissão de CO² e metano (GEE), incentivos às pesquisas em inovação e tecnologia em um plano de produção que pressupõe a “Floresta em pé” e a bioeconomia.
Com ganhos sociais diretos, criaria-se uma ambiência propícia ao investimento de longo prazo (inclusive estrangeiro) em serviços e produtos industriais complexos, gerando renda e empregos “Verdes” de forma descentralizada.
As consequências de uma estratégia nacional identificada com um “projeto sócio ambiental” materializaria uma agenda de discussões com potencial de produzir – um já nascente – empreendedorismo inclusivo, regionalizaria a renda e tornaria a produção escalável e rentável, dada a demanda das novas gerações por um consumo mais consciente e o “apetite” sem precedentes de investidores iInstitucionais na prospecção por negócios disruptivos e de
impacto positivo.
Nesse cenário, a diversidade socioambiental do país constituiria, portanto, uma oportunidade real de superação das desigualdades (nossa questão ética mais profunda) rumo a um formato inédito de desenvolvimento sustentável como, inclusive, já é previsto no art.225 da Constituição brasileira como um direito adquirido.
Para tanto, a forma de se fazer investimentos e negócios precisam ser transformadas, e rápido. As condições conjunturais (e socioambientais) são amplamente propícias a esse movimento, e os desafios brasileiros são únicos.
Até quando os agentes estatais, mercados e indivíduos vão aguardar? Já há forças importantes inseridas na concepção de novas tecnologias, fontes de financiamento e Investimentos sustentáveis disponíveis para uma mudança de paradigma no curto prazo.
É chegada a hora de se assumirmos um protagonismo, enfrentarmos nossas questões mais graves com força criativa, método, estratégia e objetivos claros de forma coordenada, assertiva e definitiva.
Estamos diante do desafio da reconstrução, da urgência da geração de emprego e renda, dos investimentos e da necessidade de uma capacitação educacional libertadora e transformadora. Não haverá limites para o êxito se olharmos menos ao “norte”. As soluções estão muito mais próximas do que imaginamos.
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