Riscos sociais, ambientais e climáticos
As políticas de responsabilidade socioambiental das instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central não são um assunto recente, tendo sido regulamentadas em 2014 pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Mesmo assim, as instituições ainda estão aprendendo sobre o tema, especialmente sobre o relatório periódico e outros documentos específicos que foram criados desde então.
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As exigências da regulamentação para as fintechs são as mesmas no que diz respeito às Instituições de Pagamento (IPs), Sociedades de Crédito Direto (SCDs) e Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs), apesar de alguns temas estarem em normativos diferentes e de outros serem válidos para todos os três veículos legais. No caso de IPs, é importante ressaltar que a regulamentação só atinge as que integram conglomerados prudenciais do tipo 3.
Nos tópicos seguintes, vamos examinar a sopa de letrinhas das medidas e normas relativas às políticas socioambientais.
RSAC: Responsabilidade social, ambiental e climática
A RSAC engloba governança, processos e controles no que tange ao ambiente interno e externo da instituição, para gestão dos riscos social, ambiental e climático.
PRSAC: Política de responsabilidade social, ambiental e climática
A PRSAC é o conjunto de princípios e diretrizes de natureza social, ambiental e climática a ser observado pela instituição na condução dos seus negócios, atividades e processos, bem como na relação com as partes interessadas.
Em termos de governança, um comitê de responsabilidade social, ambiental e climática deve ser constituído e vinculado ao conselho de administração. Ele é de natureza obrigatória para as instituições do segmento 2 (S2)1 e facultativa para os demais. Sua composição deve ser divulgada no site da fintech, e suas atividades devem ser coordenadas com o comitê de riscos.
As atribuições do comitê de responsabilidade social, ambiental e climática são:
- Propor recomendações ao conselho de administração (ou diretoria executiva) sobre o estabelecimento e a revisão da PRSAC;
- · Avaliar o grau de aderência das ações implementadas à PRSAC e, quando necessário, propor recomendações de aperfeiçoamento;
- · Manter registros das recomendações.
GRSAC: Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas
As instituições dos segmentos S1 a S4 ou de conglomerado do tipo 3 devem divulgar anualmente o relatório GRSAC, com data-base de 31 de dezembro, até 90 dias depois desta.
O GRSAC deve conter as seguintes informações:
- Governança do gerenciamento do RSAC, incluindo as atribuições e as responsabilidades das instâncias envolvidas, como o conselho de administração, quando existente, e a diretoria da instituição;
- Impactos reais e potenciais, quando considerados relevantes, do RSAC nas estratégias adotadas pela instituição nos negócios e no gerenciamento de risco e de capital nos horizontes de curto, médio e longo prazos, considerando diferentes cenários, segundo critérios documentados;
- Processos de gerenciamento dos riscos.
DRSAC: Documento de Risco Social, Ambiental e Climático
O DRSAC é um documento de periodicidade semestral, denominado Cadoc 2030. Suas informações devem estar de acordo com a PRSAC e a data-base do último dia de junho e de dezembro.
Estão sujeitas a essa exigência as instituições financeiras autorizadas dos segmentos 1 a 4 (S1 a S4), bem como todos os conglomerados prudenciais liderados tanto por instituições financeiras dos segmentos 1 a 4 (S1 a S4) quanto por IPs, do tipo 3, dos segmentos 2 a 4 (S2 a S4).
As informações a serem prestadas referem-se à avaliação dos riscos social, ambiental e climático, das exposições em operações de crédito e a títulos e valores mobiliários, e dos seus respectivos devedores, compreendendo:
- Identificação;
- Setor econômico;
- Agravantes e mitigadores do risco;
- Saldo devedor
- Avaliação do risco social;
- Avaliação do risco ambiental
- Avaliação do risco climático;
- Informações sobre o enquadramento da exposição aos conceitos de natureza social, naturez ambiental e natureza climática definidos na regulamentação em vigor relativa à PRSAC;
· Informações sobre a emissão, neutralização e absorção dos gases de efeito estufa; - Localização.
Estrutura de gerenciamento, mecanismos e atividades exigidas
De uma maneira resumida, as fintechs são obrigadas a criar uma estrutura de RSAC, incluindo sua PRSAC, e a reportar 1) o GRSAC, ao mercado; e 2) o DRSAC (Cadoc 2030), ao BC. Além disso, deve-se apontar um diretor responsável pelo assunto junto ao Banco Central.
A exigência regulatória é, portanto, pesada e detalhada. Quando se fala em RSAC, o foco não são as questões apenas vinculadas à fintech em si, mas também – e talvez principalmente – com quem ela se relaciona.
Imagine sua IP provendo contas e serviços a um cliente envolvido com trabalho em condições análogas à escravidão. Ou sua SCD financiando uma empresa que é condenada por poluição irregular, ilegal ou criminosa do ar, das águas e do solo. Ou sua SEP envolvida em projetos que impactem negativamente a reputação da instituição, como não contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono. Esses exemplos, trazidos mais à frente, são caracterizados pelo Bacen como eventos de risco
para sua fintech.
A regulação do CMN e do Bacen prevê que as fintechs adotem mecanismos para identificação e monitoramento dos riscos social, ambiental e climático.
As atividades devem contemplar:
- Identificação, avaliação, classificação e mensuração dos riscos social, ambiental e/ou climático com base em critérios e informações consistentes e passíveis de verificação, incluindo informações de acesso público;
- Registro de dados relevantes para o gerenciamento, incluindo, quando disponíveis, dados referentes às perdas incorridas pela instituição, discriminadas, conforme o caso, em risco social, ambiental e/ou climático e com respectivo detalhamento de valores, natureza do evento, região geográfica (definida com base em critérios claros e passíveis de verificação) e setor econômico associado à exposição;
- Identificação tempestiva de mudanças políticas, legais, regulamentares, tecnológicas ou de mercado, incluindo alterações significativas nas preferências de consumo, que possam impactar de maneira relevante o risco social, ambiental e/ou climático incorrido pela instituição, bem como procedimentos para a mitigação desses impactos;
- Monitoramento de concentrações de exposições a setores econômicos ou a regiões geográficas, definidas com base em critérios consistentes e passíveis de verificação, mais suscetíveis a sofrer ou causar danos sociais, ambientais e/ou climáticos, e, quando apropriado, estabelecimento de limites para essas exposições;
- Identificação tempestiva de percepção negativa de clientes, do mercado financeiro e da sociedade em geral sobre a reputação da instituição, quando essa percepção possa impactar de maneira relevante o risco social, ambiental e/ou climático por ela incorrido;
- Realização de análise de cenários, no âmbito do programa de testes de estresse, que considerem hipóteses de mudanças em padrões climáticos e de transição para uma economia de baixo carbono.
Num mundo globalizado, a velocidade e a capacidade integrativa dos mercados mitigam as distâncias geográficas, e um exemplo recente disso foi a matéria “Britânicos querem barrar listagem da JBS (JBSS3) nos EUA”, publicada pelo Valor Econômico (2024). Parlamentares do Reino Unido pressionaram a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais nos Estados Unidos, para bloquear a listagem da JBS, a maior fornecedora de carne do mundo, na Bolsa de Nova York. A alegação era que a listagem da empresa nos EUA ameaçaria os esforços para reverter as mudanças climáticas.
A questão da RSAC é um caminho sem volta. Talvez o tema não esteja ainda tão desenvolvido no Brasil como em outros países, no que se refere às instituições do mercado financeiro e de capitais.