3 anos da Nova Lei de Franquias: expectativas e limitações da cláusula compromissória de arbitragem
O franqueamento representa importante estratégia de administração, na medida em que possibilita a utilização de know-how testado e executado em novos mercados, inicialmente inacessíveis ao empreendedor que formatou o produto ou serviço, com seus processos, modelos de gestão e operação.
No Brasil, país com dimensões continentais e com alguns dos maiores mercados consumidores em vários setores, a capilaridade proporcionada pelo sistema de franquias permite o compartilhamento de riscos e o aumento da capacidade de expansão e investimento, que precisa conviver ainda com realidades sociais e econômicas distintas, que influenciam – nem sempre de maneira previsível – a performance da parceria travada entre franqueador e franqueada.
Por óbvio, essas realidades distintas e a convivência de partes que por vezes não possuem a mesma capacidade econômica e técnica geram impasses. O tratamento de eventuais conflitos entre franqueadora e franqueado deverão levar em consideração uma realidade que não se esgota no Contrato de Franquia. A compreensão dos parâmetros de alocação e riscos deverão considerar, portanto, o grau de transparência e de clareza veiculado em pré-contratos, na circular de oferta de franquia e nas demais comunicações firmadas entre as partes.
Expectativas de mudança com a atualização do Regime Jurídico:
Com a mudança do paradigma normativo do “Sistema de Franquia Empresarial”, a partir da Lei n° 13.966 de 2019, que revogou a Lei n° 8.955 de 1994, dentre as várias alterações pontuais na disciplina, é possível destacar o direcionamento para o entendimento correto do mecanismo das franquias, que é eminentemente empresarial, marcado pela simetria das partes e que se afasta dos parâmetros das relações de emprego – marcadas pela subordinação – e das relações de consumo – marcadas pela hipossuficiência do consumidor.
Nesse sentido, uma das alterações foi a inclusão de disposição expressa de que cabe, no contrato de franquia, a eleição do juízo arbitral para a solução de controvérsias, dúvida que pairava até então. Dentre as justificativas utilizadas para afastar tais controvérsias do judiciário, destacam-se o lapso temporal até a sentença definitiva, a produtividade, a preservação de relacionamentos, o tempo gasto no gerenciamento do conflito e a publicidade negativa que pode surgir no curso do processo.
Na lógica empresarial, prioritária na relação entre franqueadora e franqueada, a busca por um consenso construtivo é priorizada, já que nas suas perspectivas enquanto agentes econômicos, a eficiência econômica deve sempre ser maximizada.
Limitações do uso da arbitragem em casos concretos
A 1° Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão proferido em 22 de dezembro de 2022, analisou a validade de cláusula arbitral em contrato de franquia. No caso concreto, sem ignorar a abrangência do permissivo normativo, foi declarada a nulidade da referida cláusula, a partir das peculiaridades do caso.
Em síntese, no entendimento do TJ/SP, a realidade da relação predominará em relação à forma, quando for possível deduzir a hipossuficiência do franqueado para participar da arbitragem, quando seus custos e exigências não são previamente informados de maneira satisfatória, não bastando o aceite, mesmo que expresso, da cláusula arbitral.
Seguindo as vulnerabilidades constatadas pelo Acórdão, com potencial repercussão na análise de casos futuros, franqueadoras deverão envidar esforços por uma comunicação mais transparente sobre as instâncias arbitrais que serão utilizadas, seus custos – e a responsabilidade pelos custos, e incorporar, em memorandos de entendimentos, pré-contratos, COFs e no próprio contrato de franquia, mais informações sobre como pretendem operacionalizar o uso da jurisdição privada.
Em síntese, o uso da arbitragem, com suas potenciais vantagens, não receberá guarida do Ordenamento Nacional quando existirem indícios de que a sua utilização está voltada a frustrar o acesso à justiça por agentes econômicos que assumam o compromisso arbitral sem estarem municiados de todas as informações necessárias para o seu prosseguimento e franqueada e franqueadora devem colaborar para diminuir a assimetria de informações, já presente na natureza da atividade econômica privada, e que não pode ser expandida por métodos que deveriam mitigar os conflitos.
**Este artigo foi escrito em parceria com Gladson Pereira
**Gladson Pereira Américo Filho. Advogado na Mendes Advocacia & Consultoria. Mestrando em Direito e Desenvolvimento da Amazônia pela UFPa. Graduado em Direito pela UFPa.