O teto furou: o Brasil e o flerte com o abismo econômico
Ouvi falar certa feita que o Brasil é um país latino-americano atípico: enquanto a maioria dos países latinos economicamente já “deram errado”, o Brasil ainda não deu errado. Todavia, enquanto países desenvolvidos e alguns emergentes, inclusive o Chile encabeçando a lista de países latinos, já deram ou, no segundo caso, estão no caminho para “dar certo”, o Brasil também não deu certo.
Esta é uma análise interessante: diferentemente de países como a Venezuela, Cuba e Argentina que já “saltaram de cabeça” numa situação econômica difícil, na qual o retorno para a normalidade seria absurdamente complicado e demorado, o Brasil ainda pode ter um caminho de crescimento sustentado logo “ali na frente”, se fizer as escolhas certas.
Um autor certa vez disse algo do tipo: “O Brasil flerta com o abismo; chega próximo dele, mas nunca pula. Sempre que está próximo do abismo, dá alguns passos para trás.”
O exemplo mais recente da veracidade dessa citação é a reforma da previdência ocorrida no ano de 2019. Era uma reforma que deveria ter acontecido há mais de 20 anos atrás, ainda no governo FHC, se fôssemos economicamente mais responsáveis.
Mas, como ainda havia formas de atrasá-la sem grandes danos no curto prazo, demorou-se mais de 20 anos até que a sociedade fosse convencida da necessidade dela e a pedisse. Assim, quando estávamos próximos de um caminho sem volta a ponto de criar uma previdência insustentável ainda no médio prazo, fizemos a reforma.
O teto de gastos também foi um exemplo recente. O Brasil tinha embarcado numa grande crise a partir de 2014 e, para dar ao setor privado a garantia de que o governo federal não iria fazer “firulas” no orçamento público, isto é, que ele iria a partir de então gastar com mais responsabilidade, sem aumentar de forma “real” o orçamento, fez-se a Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal também conhecido como Teto de Gastos em 2016.
O presidente Michel Temer, como sabemos, aparentava não ter interesses eleitorais. Tanto é que não disputou nenhum cargo eletivo no ano de 2018. Esse pode ter sido um dos motivos pelos quais sua política fiscal de austeridade permaneceu, ainda no último ano do seu mandato, dentro do que havia sido prometido.
Todavia, o atual governo aparenta olhar para a eleição de 2022 com interesse e, apesar de ter ganhado a eleição em 2018 prometendo uma plataforma liberal, pouco entregou de fato nesse sentido. Agora também, com vistas a ampliar os gastos com auxílios financeiros para a população no ano de 2022 via Auxílio Brasil parece estar disposto a quebrar um dos principais instrumentos de confiança dos investidores no saneamento fiscal do governo brasileiro no longo prazo: o teto.
Claramente as consequências seriam trágicas, caso isso viesse a se concretizar: fuga de capitais, redução dos investimentos, aumento da taxa de juros, aumento da inflação e consequentemente desaceleração do crescimento econômico.
Desta forma, uma política que vem com uma intenção de “reduzir a pobreza” na verdade pode acabar “aumentando a pobreza no médio prazo”. Inflação, juros altos e baixo crescimento são formas indiretas de tirar ou fazer com que não entre dinheiro no bolso de toda a população. Nada mais seria do que “dar com uma mão e tirar com a outra”.
Na verdade, o mercado já está precificando o que pode acontecer: a bolsa caiu nos últimos dias e a taxa de juros do Tesouro Nacional vem crescendo, pois menos pessoas estão dispostas a alocar recursos no Brasil ou emprestar dinheiro para o governo federal.
Estamos dando passos em direção ao abismo novamente. Estamos cada vez chegando mais perto. A história do Brasil diz que vai chegar um momento em que vamos recuar. Torço para que não pulemos. Brasil, vamos dar alguns passos para trás?